Harry August é o fruto de uma relação proibida entre um nobre do interior da Inglaterra e sua empregada. Mas, mais do que isso: ele faz parte de um pequeno grupo seleto de seres humanos cujas vidas se repetem indefinidamente.

Sinopse:
Certas histórias não podem ser contadas em uma única vida. Harry está no leito de morte. Outra vez. Não importa o que faça ou que decisões tome: toda vez que ele morre, volta para onde começou; uma criança com a memória de todo o conhecimento de uma vida vivida diversas vezes. Nada nunca muda... até agora.
Ele está perto da décima primeira morte quando uma garotinha de 7 anos se aproxima da cama: “Quase perdi você, doutor August. Eu preciso enviar uma mensagem de volta no tempo. O mundo está acabando, como sempre. Mas o fim está chegando cada vez mais rápido. Então, agora é com você.”
As primeiras quinze vidas de Harry August conta a história do que Harry faz em seguida, do que fez antes, e do que faz para tentar salvar um passado inalterável e mudar um futuro inaceitável.
Um dos grandes clichês das histórias de viagem no tempo é o da possibilidade ou não de alterar fatos históricos. O quanto gostaríamos de fazer isso e se somos as pessoas ideais para tomarmos esse tipo de decisão. No romance apresentado por Claire North, a autora busca responder essa pergunta através de um personagem capaz de repetir sua vida inúmeras vezes. Sempre carregando consigo as experiências de vidas passadas, ele passa a ter um conhecimento inestimável. Mas, será que devemos mexer naquilo que já aconteceu ou apenas desejamos ter poderes divinos para alterar aquilo que quisermos? Um romance que apresenta um dilema moral e vai colocar o leitor para refletir o quanto nossas vidas são cíclicas e as escolhas que fazemos apenas formam as fundações de nossas existências.
Sendo filho de uma relação extraconjugal entre um nobre rural inglês e sua empregada no começo do século XX, Harry August foi criado pelos seus familiares para ser homem humilde. Tendo buscado rumo em sua vida, Harry descobre que toda vez que ele morre, ele passa por toda a sua vida novamente. Em um ininterrupto ciclo de vida e morte. Ao longo de suas várias vidas, Harry erra e acerta muitas e muitas vezes se tornando uma pessoa com experiência de gerações. O que parecia ser uma vida monótona, logo se torna movimentada quando ele descobre fazer parte de um grupo de outras pessoas que também passam pelas mesmas experiências. Harry se vê em uma encruzilhada quando uma das pessoas com quem ele tem contato tem um audacioso plano para mudar o mundo. Como Harry irá lidar com essa questão e o quanto de sua vida cíclica poderá ser modificada para sempre?
Esta é uma história com um estilo de escrita bem peculiar. Harry parece estar fazendo um relato para nós de suas vidas anteriores. Ele narra as emoções e pensamentos que teve ao longo de muitas vidas onde o leitor vai conhecendo suas vivências e dissabores. A narrativa tem um cunho voltado para a contação de histórias mesmo, com um ritmo predominantemente narrativo. Em vários momentos o personagem perpassa um fluxo de pensamentos interminável e a história nem sempre segue uma linearidade certa. E quanto mais vamos experimentando as vidas do personagem, Harry vai e vem em suas vidas para mostrar alguns pedaços dela. Seja para ajudar a responder um questionamento de uma passagem ou para mostrar como ele lida com certas situações. A montagem de capítulos segue o estilo do gênero Young Adult, com cenas pequenas de poucas páginas alternando momentos rápidos de sua vida. A narrativa parece que ganha velocidade com essa escolha, mas já alerto que isso não é o caso. A autora tem uma mão pesada nos parágrafos narrativos e os capítulos que parecem pequenos se tornam bem maiores do que imaginamos. Na minha visão, ficou elas por elas e a autora conseguiu dar basicamente um ritmo normal às suas histórias apenas usando um artifício que no fundo não funcionou do jeito que ela imaginava.
Por ser um relato pessoal, boa parte da história se passa na caminhada de Harry ao longo de suas vidas. Por sorte, Harry é um personagem interessante e que não é exatamente aquele protagonista virtuoso. Em vários momentos ele toma decisões bastante questionáveis e não tem medo de andar por uma linha mais cinza de pensamentos e ações. Até porque sua própria existência é uma constante inquestionável e sua visão sobre a passagem do tempo vai se tornando mais borrada à medida em que suas vidas se passam. Se o leitor pensa que com isso há um senso de garantia de vida para ele, isso muda a partir da segunda metade da história quando alguns fatos se sucedem e a existência do personagem começa a ficar ameaçada. Se no começo, Harry é um personagem bem blasé, mais para a frente quando aparece um antagonista na história, isto faz com que ele precise se movimentar. É o antagonista que faz a história se movimentar, obrigando Harry a tomar agência de sua própria vida.

Se disse que a narrativa se foca muito no Harry, isso automaticamente me produz um defeito grave no livro. A falta de personagens mais aprofundados fora o protagonista e seu antagonista. North faz com que a gente pense que o personagem se importa com um determinado personagem inicial na trama, mas a autora não nos dá motivos para isso. A relação entre os personagens é mal abordada, parecendo um grão de areia em um imenso deserto. Outros personagens vem e vão e até existem alguns momentos bem sensíveis como o com Akinleye mais para o final da história, mas é tão sutil que não causa o impacto necessário. Isso é um pouco do que penso sobre a histórias: parece que as coisas passam como um soprar do vento. Nada gruda na história, se cola nele para gerar algo mais duradouro. Mesmo para mim que gosto de histórias que se focam em personagens, o que North faz é tão longe do ideal para mim que me incomoda. E isso porque a história não é ruim ou chata. Ela só está ali.
Como leitor de ficção científica, o ponto que me incomodou foi o aspecto da viagem no tempo. Porque, de certa forma, é o que a narrativa é. De diferentes formas, a narrativa de North me fez pensar em A Mulher do Viajante no Tempo, da Audrey Niffenegger. A ideia básica é mostrar uma pessoa capaz de viver determinados acontecimentos de sua vida diversas vezes. Os esquemas são diferentes e o resultado final é outro na obra de Niffenegger. Ela foi capaz de fazer algo que North não conseguiu: produzir uma narrativa de viagem no tempo cujas restrições eram bem lógicas e mesmo a gente questionando alguma coisa aqui e ali, a narrativa era muito bem conduzida. Já aqui não. Existem muitas conveniências na trama e na conexão com outros personagens. Cada vez que a autora se propunha a explicar alguma coisa, as coisas só pioravam. Algumas coisas eram fantásticas demais para acontecerem, principalmente quando o antagonista está movendo suas peças. Se torna algo difícil de aceitar, mesmo eu estando com a minha suspensão de descrença lá em cima. Tem algumas vezes que ela emprega alguns (no plural mesmo) deus ex machina que incomodam o leitor mais atento. Aliás... diga-se de passagem que o personagem ter memória eidética é uma baita de uma vantagem.
A boa e velha questão de interferir no passado volta à discussão e temos personagens que estão em lados diametralmente opostos. A posição de Harry vai se tornando mais fácil de entender porque ele é um indivíduo que tratou das questões do divino logo no começo de sua longa existência. Ele sanou suas dúvidas através do contato com a filosofia oriental cujo caminho para a iluminação segue por um trajeto mais longo do que o nosso. O antagonista é o típico indivíduo que se imagina capaz de fazer justiça. Através de um alto senso moral, ele sente que sua habilidade de julgar os acontecimentos pode guiá-lo na forma como a humanidade deveria enxergar sua existência. É óbvio que esse típico personagem moralista não vai pelo caminho certo porque as coisas não são maniqueístas como ele imagina ser. Esse é o conflito básico entre os personagens.
A narrativa é boa, e produz alguns momentos bem legais, mas peca bastante em outros. A primeira metade da história é perfeita para mim. Imaginava que North iria ficar mais na existência de Harry e seus conflitos morais. Ela toma um rumo de história de ação e espionagem na metade para a frente que me decepcionou. Se o livro continuasse a ser só um livro de ficção comum, como foi o livro de Niffenegger, ele teria sido mais eficiente em agradar o leitor. Talvez eu tenha esperado um livro diferente, e isso tirou parte do meu prazer na leitura do mesmo. Enfim, recomendo o livro, com algumas ressalvas aqui e ali no que diz respeito ao desenvolvimento de personagens e ao abuso de conveniências.


Ficha Técnica:
Nome: As Primeiras Quinze Vidas de Harry August
Autora: Claire North
Editora: Bertrand Brasil
Tradutor: Ângelo Lessa
Número de Páginas: 448
Ano de Publicação: 2017
Link de compra:
