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A atualidade dos sinos de Geiler

Geiler von Kaysersberg foi um humanista do século XVI que fez um sermão sobre os tipos de leitores malucos por livros. Foi um comentário feito em cima de um trabalho de alguns anos antes.


Durante os séculos XV e XVI vimos surgir na Europa um importante movimento que abraçou todas as esferas do campo cultural para criticar aquilo que a Igreja católica vinha fazendo há séculos: concentrando e alijando o conhecimento das demais classes sociais. Claro que isso é uma simplificação daquilo que foi o movimento renascentista, mas no seio desse movimento surge o humanismo, uma forma de pensar que colocava o pensamento humano e a razão na frente da doutrina católica. A Igreja sofreu uma série de críticas por conta de sua postura corrupta com a venda de cargos e indulgências, além do escândalo das relíquias sagradas. Alguns membros do clero perceberam a necessidade de se reinventar, de buscar novas formulações para resgatar os fieis perdidos por conta de todos esses problemas. Um destes foi Geiler von Kaysersberg, um humanista que em um de seus sermões fez comentários sobre uma obra escrita por Sebastião Brant, um estudioso em leis do século XV, chamada A Nau dos Insensatos. Tratava-se de uma série de alegorias feitas na forma de poesia que criticava uma série de loucuras e pecados dos homens de sua época. Ia desde roubos, assassinatos até o adultério e a ingratidão. Brant chega até a mencionar a descoberta do Novo Mundo em sua obra, acrescentando novos pecados ao que já era corriqueiro antes. Em Brant, chama a atenção a crítica feita ao intelectual, uma das primeiras de sua obra. Seria um homem erudito que estaria em um ambiente repleto de livros a ponto de se afogar neles. Os óculos na ilustração simbolizam um homem que enxerga o mundo através de uma lente embaçada, um homem que vive longe da realidade.


Em um sermão no século XVI, Geiler faz alguns comentários sobre o livro de Brant e divide esse homem erudito em sete tipos, simbolizados nos sinos que ficam no chapéu de um bufão. Neste artigo queria trazer alguns comentários sobre os sinos criados por Geiler e o quanto alguns deles remetem a estereótipos contemporâneos. É bastante curioso porque isso partiu de um padre tecendo formulações sobre o seu cotidiano e nos dias de hoje conseguimos ver algumas dessas personalidades que destacamos em nossas brincadeiras e memes nas redes sociais. Vamos falar brevemente de cada um dos "sinos" e vejam se vocês reconhecem cada um deles.


Primeiro Sino: "o louco que coleciona livros por ostentação."


Geiler nos apresenta o louco por livros que considera aquilo que coleciona como parte de sua mobília. É aquele colecionador que não se importa muito com os títulos que adquire ou sequer em lê-los, mas se preocupa em como eles ficarão em sua estante. A visão dos livros como ostentação se tornou parte de um estranho hábito ou fetiche onde vemos pessoas de diferentes níveis de riqueza e status apenas colocando essas obras no fundo. Durante a era da pandemia vimos se tornarem piadas na internet os papeis de parede representando livros ou as estantes alugadas. Até mesmo importantes membros da política ou da cultura comprando livros a quilo. É um reflexo de uma sociedade que se distancia dos hábitos de leitura e os entende como um simbolismo estranho do ser erudito ou de pertencer a algum grupo de pessoas privilegiadas. Essa visão do livro existia desde meados do século XVI quando a burguesia desejava encontrar formas de enobrecer e ganhar status social. Nos dias de hoje o efeito é semelhante.


Segundo sino: "O idiota que deseja ficar sábio consumindo livros em demasia"


Em sua descrição sobre este estereótipo, Geiler entende o consumo de livros como algo ligado à nutrição do espírito. Um homem erudito que consome livros demais não implica em alguém obtendo a verdadeira sabedoria. Para Geiler, ele é apenas um glutão que consome o seu alimento sem nenhum critério. Ele compara também a um general que possui soldados demais para uma invasão e se sente confuso e sem saber o que fazer. Mas, queria me concentrar na primeira associação que reflete melhor algumas posturas hoje. Frequentemente vemos maratonas literárias ou metas a serem atingidas ao longo do ano. E esse tipo de iniciativa tem seus prós e contras. É elogiável quando vemos pessoas desejando fazer leituras, saindo de uma inércia provocada por questões da vida. Só que isso se torna rapidamente complicado quando ler se torna uma obrigação onde aquele que fica para trás se sente emocionalmente frustrado. Sem falar no fato de que quantidade não implica qualidade. Quando lemos apenas porque desejamos cumprir uma meta, deixamos de lado o ler para refletir, para compreender temas, para debater conceitos e teorias. Ou seja, a leitura em quantidade pode implicar apenas em uma leitura como um fast-food que deixa um estômago embrulhado.


Terceiro sino: "O idiota que consome livros sem lê-los"


Geiler comenta sobre o leitor que adquire conhecimentos apenas pela curiosidade de tê-los. Podemos associar o simbolismo do homem que passa voando pelas fachadas sem observá-las, como ele nos coloca, ao do flaneur, do homem que passeia. Mas, em um aspecto literário isso é uma visão superficial de como se relacionar a um livro. Na nossa sociedade de consumo, e principalmente dentro do nosso hobby literário, adquirir livros é quase um fetiche. Com frequência postamos nossas imensas pilhas de livros, postamos vídeos de desempacotar o que compramos. Mas, a pergunta é: lemos tudo o que compramos? Sei que existem leitores velozes (e isso cai no segundo sino), mas na maior parte das vezes não lemos quatro ou cinco livros por mês. E no mês seguinte já estamos comprando mais. E nossas pilhas aumentam e aumentam cada vez mais. Faço esse comentário, mas me coloco no meio desse hábito. Até porque a maior parte dos influenciadores literários sobrevivem da novidade. Se não conseguimos falar do livro novo que acabou de sair, perdemos o bonde da expectativa. E de forma indireta incentivamos o hábito de consumo. O que isso nos torna? A crítica feita por Geiler não deixa de ser incômoda porque toca em um fato atual.


Quarto sino: "o louco que ama livros suntuosamente iluminados"


O nosso padre questiona a necessidade de ouro ou flores nas iluminuras de um livro. Quando tantas pessoas passam fome, não é ostentar demais apreciar um livro por sua beleza externa? Ele tece críticas às imagens e ilustrações existentes em uma obra. Em uma visão mais voltada para o catolicismo, Geiler questiona a necessidade delas em um livro quando o mundo que Deus criou é tão mais interessante. É uma crítica que retoma algumas conceitualizações saídas do movimento iconoclasta do final da Alta Idade Média que questionava a existência de imagens e pinturas. Talvez esta seja uma das poucas críticas que não esbarrem na atualidade. Isso apesar de haver um grupo de críticos que sempre questiona a necessidade da inclusão de imagens e ilustrações em livros que se imaginem ser de ficção. Ou posso estender a crítica a quem questiona se quadrinhos seriam literatura ou não (isso é uma enorme discussão que não vem ao caso trazer aqui).


Quinto sino: "o idiota que encaderna seus livros com panos suntuosos"


Nessa imagem, Geiler critica o louco por rótulos, pelo superficial, pelo externo. Isso me remete a uma boa e velha discussão sobre a gourmetização literária, tão comum hoje com os livros em capa dura, impressos em papel especial, com gravuras e imagens feitas por artistas renomados, a pintura trilateral, o alto relevo. Geiler nos faz refletir sobre aonde se situa o conteúdo do que é escrito, aquilo que realmente importa em uma leitura. Hoje se tornou parte de nossas análises o editorial de um livro, os aspectos gráficos dele. E costuma ser um fator determinante em seu sucesso ou não. Recentemente tivemos uma polêmica em relação ao lançamento de O Caminho dos Reis, primeiro volume da série Stormlight Archive, um livro esperado há muito por fãs de fantasia. Frustrando alguns fãs mais puristas a editora afirmou que iria lançar o livro em uma capa brochura e papel mais comum. Era óbvio desde o começo que o livro teria um valor de compra elevado para o contexto de 2022 no Brasil. O povo brasileiro está com baixo poder aquisitivo devido a uma série de problemas econômicos como alta inflação e taxa de juros além de um dólar elevado. Isso impacta em todos os setores produtivos. Estamos pedindo a chegada desse livro há tempos e ao invés de pedirmos que o livro saia no formato mais econômico possível, queremos que ele saia no mais luxuoso e caro. É um contrassenso. É uma ostentação boba, já que o que mais vale na obra é o enorme universo criativo e instigante criado pelo autor.


Sexto sino: "o idiota que escreve e produz livros mal escritos sem ter lido os clássicos e sem nenhum conhecimento de ortografia, gramática e retórica"


Bem, esta é uma crítica bem abrangente nos dias de hoje. Comecemos falando sobre a necessidade do autor ser um bom leitor. Autor que não lê livros de qualquer espécie (sejam clássicos ou contemporâneos) é qualquer coisa. É complicado levar a sério um autor que diz que não gosta de ler nada e se concentra na sua arte. Oras, se um autor escreve é porque alguma leitura lhe influenciou a colocar suas ideias no papel. Sem falar na impossibilidade de ser um bom autor sem conhecer como outros já o fizeram. É como um médico que opera sem ter lido nenhum material de estudo ou um engenheiro que desconhece os processos de construir uma ponte. Alegar purismo em uma atitude estranha não leva um autor a ser alguém melhor; apenas o torna tolo. Não me refiro nem ao menos a ler um livro específico, mas a ler qualquer coisa. Se um indivíduo deseja ser um bom escritor policial, ele precisa ler o que foi escrito sobre o tema para compreender os principais temas, a forma de ambientar, como desenvolver seus personagens. Isso não significa que um bom leitor vá ser um bom autor. Não tem relação.


Paralelamente, o autor precisa estudar os processos de escrita. Precisa dominar bem o idioma no qual está escrevendo. E também precisa ser humilde o suficiente para aceitar críticas, para solicitar serviços de revisão e copidesque. Um dos erros essenciais de um autor iniciante é imaginar que ele domina completamente a arte da escrita e que quem fala mal de seu trabalho é apenas um "hater", alguém que está lá apenas para destruir sua carreira, Autores precisam sair de sua bolha, arriscar serem lidos pelo mundo. Aceitar aquilo que puder ser acrescentado ao seu trabalho e descartar as críticas que são apenas destrutivas. Entender que um grande escritor é formado através de um desenvolvimento de sua escrita que perdurará para todo o sempre. Como bom estudioso, entender que devemos estar constantemente aprendendo e nos reformulando. Somos seres em construção inclusive quanto àquilo que escrevemos.


Sétimo sino: "aquele que despreza completamente os livros e zomba da sabedoria que se pode obter deles"


Conhecimento é poder. Em sociedades que visam o controle e o autoritarismo um dos motes é diminuir aquilo que os livros podem fazer pelas pessoas. Livros nos libertam, nos fazem pensar. É através deles que passamos a compreender melhor a realidade que nos cerca. Seja uma reportagem, um livro de poesias, uma ficção. Qualquer um deles tem o seu impacto sobre nós. Aliás, diferentemente do que se imagina, todo livro é político. Porque somos seres políticos e tomamos ações políticos todos os dias de nossa vida. Ao acordar em nossas casas, ao caminharmos para o nosso trabalho, ao sermos atendidos em hospitais, ao frequentarmos uma escola. Tudo é político. Se um político despreza a cultura é porque ele deseja sua submissão. Indivíduos que não leem estão mais propensos a serem controlados por falsas informações, a não refletirem sobre o que fazem. Não considero o sétimo sino como vindo de um idiota, mas de uma pessoa que sabe o que está fazendo, que planeja com convicção aquilo que pretende. Não sejamos usados por esse tipo de tolo apresentado por Geiler. Sejamos livres.


E aí, algum desses sinos representa alguém que conhece? Representa a si mesmo? Deixem nos comentários suas opiniões sobre esta matéria e vamos debater juntos.






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Conversa aberta. Uma mensagem lida. Pular para o conteúdo Como usar o Gmail com leitores de tela 2 de 18 Fwd: Parceria publicitária no ficcoeshumanas.com.br Caixa de entrada Ficções Humanas Anexossex., 14 de out. 13:41 (há 5 dias) para mim Traduzir mensagem Desativar para: inglês ---------- Forwarded message --------- De: Pedro Serrão Date: sex, 14 de out de 2022 13:03 Subject: Re: Parceria publicitária no ficcoeshumanas.com.br To: Ficções Humanas Olá Paulo Tudo bem? Segue em anexo o código do anúncio para colocar no portal. API Link para seguir a campanha: https://api.clevernt.com/0113f75c-4bd9-11ed-a592-cabfa2a5a2de/ Para implementar a publicidade basta seguir os seguintes passos: 1. copie o código que envio em anexo 2. edite o seu footer 3. procure por 4. cole o código antes do último no final da sua page source. 4. Guarde e verifique a publicidade a funcionar :) Se o website for feito em wordpress, estas são as etapas alternativas: 1. Open dashboard 2. Appearence 3. Editor 4. 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