Você já parou para ler aqueles textos que vem antes do seu romance tão esperado? Ou até mesmo aquele texto bacana e elogioso que vem ao final? Saibam que esses textos tem muito mais a dizer do que simples elogios.
Sempre que pegamos um livro novo, gostamos de ir direto para a ação. Mas, sempre tem aquele textinho inicial repleto de elogios que "atrapalha" o mergulho na aventura. Assim como vocês, nunca dei bola para eles até alguns anos atrás quando passei a entender melhor por que eles estão onde estão e qual o objetivo por trás deles. E, acreditem: eles são realmente importantes para o produto final. Podem até te fornecer dimensões únicas sobre aquilo que está sendo lido. Então, apertem os cintos porque vamos discutir um pouco mais sobre estes nobres elementos de um livro que parecem ser tão ignorados pelos leitores.
Antes de mais nada, precisamos diferenciar o que são prefácios/posfácios, textos de apoio e agradecimentos. Começando pelo último que é mais simples de ser mencionado, eles são aquilo que são: agradecimentos. Nesta subseção do livro o autor faz um relato pessoal sobre suas dificuldades na produção do livro (algo opcional) e depois menciona nominalmente cada uma das pessoas que ele julga terem tido alguma contribuição para o resultado final. Normalmente são familiares, cônjuges, filhos, mas essas menções podem chegar a outros autores ou autoras que influenciaram na escrita, ajudaram com ideias ou toques importantes e até mesmo leitores beta podem ser mencionados. Lembrando que leitores beta são aquelas pessoas encarregadas de fazerem as leituras dos primeiros rascunhos, apontando problemas e possíveis soluções para elementos textuais ou de enredo. Estes podem ser pessoas comuns, de fora do meio literário de convivência do autor ou profissionais contratados. A respeito dos textos de agradecimentos, não há grandes mistérios a serem apontados. Alguns autores fazem longos textos procurando agradecer a todos que estiveram minimamente envolvidos, enquanto outros preferem algo mais simples e direto. Vai da escolha de cada um.
Textos de apoio são estudos aprofundados sobre um determinado texto. Normalmente, os textos de apoio são encontrados em obras mais consagradas, que ou foram sucesso de crítica ou tiveram trabalhos acadêmicos feitos em cima delas. Estes textos nos ajudam a entender nuances ou significados nas entrelinhas que revelem uma outra noção a respeito. Pode ser até como uma obra chegou a influenciar outras que teriam vindo mais tarde. Não esperem encontrar esse tipo de texto em obras mais contemporâneas, estando eles presentes mais em obras clássicas. A exceção a essa regra pode acontecer em coleções específicas como a ZigueZague, da Plutão Livros. Nela, a autora/pesquisadora Ana Rusche faz um panorama da ficção científica no Brasil, citando as principais ondas que forneceram as características locais ao gênero. A escrita desses textos fica normalmente restrita a profissionais da área de literatura ou de alguma área adjacente àquela na qual as temáticas do livro se inserem. Um bom exemplo de um texto de apoio é o que vem nos livros da Penguin Companhia das Letras que buscam dissecar os temas, a biografia do autor e seu impacto no mundo literário. Outro destaque fica para a editora Antofágica que ressignificou a ideia dos textos de apoio ao colocar vários deles em suas obras clássicas, sendo que esses textos são escritos por pessoas de diferentes campos de atuação. Uma medida simples, mas que oferece novas visões sobre textos que poderiam ser entendidos como chatos e opacos.
Um prefácio é uma espécie de vitrine para a leitura. Um texto que serve para nos apresentar aquilo que iremos encontrar nas próximas páginas. Pode ser até uma visão pessoal sobre o que esperar daqui para a frente, sem muitos detalhes técnicos ou acadêmicos. Como um mestre do picadeiro apresentando aos espectadores as atrações que irão tomar o palco e o que podemos esperar delas. Diferentemente dos textos de apoio, prefácios podem ser escritos por qualquer tipo de leitor, não necessitando ser um professor acadêmico ou um especialista da área. O prefaciador pode não ter nenhuma relação com as áreas adjacentes às temáticas abordadas no livro, bastando ter algum tipo de relação afetiva ou interesse especial nele. Algumas vezes pode acontecer do prefaciador dar alguns spoilers sobre a trama, mas isso não é uma regra geral. É mais um acidente de percurso. Fornecer informações sobre o autor ou algumas temáticas presentes na obra são os melhores tipos.
Vou fornecer dois bons exemplos, um de uma HQ e outro de uma obra literária. Na edição da Antofágica do clássico Os Sofrimentos do Jovem Werther, o prefácio (ou texto de apresentação como é chamado no livro) é escrito por Pedro Pacífico, um influenciador literário que trabalha com a formação de novos leitores na internet. Ele descreveu em seu prefácio a importância de um clássico e como o livro de Goethe se encaixa nesse perfil. É um texto simples e que funciona porque parte de um indivíduo que tem bom apelo do público e fornece uma opinião sincera sobre como nós, pessoas comuns, podemos deixar de lado esse preconceito contra clássicos e apenas apreciarmos uma boa leitura, seja de que autor for. Nesse caso, o prefácio funciona como uma espécie de convite à leitura feito por um leitor como nós. Já na HQ El Sueñero, de Enrique Breccia (publicado pela Editora Trem Fantasma), o prefácio é escrito por Paulo Ramos, um acadêmico especialista em quadrinhos latino-americanos. Em seu texto, ele destaca a história da publicação da HQ, que passou por inúmeros percalços e os temas presentes na obra. Temas esses que, para serem compreendidos melhor, precisam ser situados dentro da realidade da América Latina, de sua origem e formação. Percebam que nos exemplos citei dois tipos diferentes de prefácios, um mais informal e despojado e outro mais informativo. Não existe uma regra geral para a escrita de um prefácio. Se me permitem a audácia, tive a oportunidade de escrever o prefácio da nova edição de A Maldição do Lobisomem, do autor Clecius Alexandre Duran. No texto que enviei para o autor, procurei destacar a importância do lobisomem dentro da literatura e como o livro de Duran se encaixava dentro de uma abordagem inédita, interessante e com um estilo próprio de escrita.
Mas, e o posfácio? Este é um texto de reflexão sobre aquilo que foi lido. Considero estes textos finais como uma forma de reunir em palavras a experiência de leitura e tentar tirar algumas conclusões. O posfácio pode ser ainda um texto do próprio autor refletindo sobre a criação do texto, os obstáculos que foram ultrapassados e algumas mensagens finais para os leitores. Este é um texto que pode ser ou mais temático ou mais intimista, dependendo de quem o está escrevendo. Particularmente, tenho uma preferência a achar mais interessante quando o próprio autor o escreve. Seria quase como um balanço do que foi feito por ele em sua obra. Um bom posfácio que pode servir como exemplo é o do quadrinho coreano A Espera, escrito por Keum Suk Gendry-Kim e publicado pela editora Pipoca e Nanquim no Brasil. Nesse texto, a autora revela qual foi a faísca inspiradora para a escrita da narrativa e se ela é ou não é uma história baseada em fatos reais. Ao mesmo tempo, a autora faz um balanço sobre como, às vezes, não damos valor à memória de nossos pais e, escondida no meio de um amor fraternal, pode estar uma história dramática. Ela avalia até mesmo se ela estava ou não preparada anos antes para escrever esta história de vida. Ou seja, um texto que se encaixa em várias característica que apontei antes.
Depois de toda essa exposição, queria convidar os leitores a apreciarem mais estes textos iniciais e finais. Na maior parte das vezes, são textos curtos e que não vão tomar tanto tempo do leitor antes do princípio de uma jornada nas linhas escritas pelo autor. Mais do que isso, estes textos podem fornecer aos leitores novas ferramentas para observarem esta ou aquela ideia escondida nas entrelinhas. Um bom prefácio pode potencializar uma leitura. Para aqueles que foram convidados a escrever um, pensem com atenção no momento da concepção do texto. Tomem cuidado para não estragar algumas surpresas planejadas pelo autor para seus leitores. A melhor forma de raciocínio nesses casos é responder a uma pergunta simples: como posso ajudar os leitores a curtirem ainda mais este material? A partir dessa provocação inicial, verão que o texto fluirá com muito mais naturalidade. Espero ter ajudado com essa matéria e convencido vocês da importância desses textos. E boas leituras!