Surgiram nas últimas semanas pesadas críticas à forma como o Hugo Awards distribui seus prêmios e até como seleciona seus finalistas. Saibam do que se trata na postagem a seguir.
Todos os anos são distribuídos diversos tipos de prêmios de fantasia e ficção científica pelo mundo todo. Aqui no Brasil acabamos sabendo pouco a respeito destes prêmios porque estes dois gêneros eram marginais até pouco tempo atrás. Com o crescimento do público e o sucesso de séries de TV, as editoras se conscientizaram que era necessário trazer obras de boa qualidade, caso contrário o público não compraria a idéia. Dentre estes prêmios destacam-se o Nebula Awards (que premia os melhores do sci-fi eleitos por especialistas), o Locus S/F que inclui os dois gêneros e o principal deles e o mais antigo, o Hugo Awards. O Hugo Awards é uma premiação criada em 1955 em homenagem ao criador da revista Amazing Stories, Hugo Gernsback. Para ter direito a fazer suas nomeações a cada categoria dos Hugo Awards basta que a pessoa compareça ao WorldCon (um grande evento de ficção científica ocorrido anualmente nos EUA) e pagar uma taxa (que atualmente gira em torno de 50 dólares). Todos os anos o Hugo Awards elege os melhores do gênero e por esse prêmio já passaram diversos títulos como Duna (de Frank Herbert), Fundação (de Isaac Asimov), Os Despossuídos (de Ursula Le Guin) entre outros. Em diversos momentos os Hugo Awards foram cercados de polêmica. Uma delas dizia respeito ao fato de apenas autores brancos serem premiados. Isso rendeu durante várias décadas e isto é bem verídico até porque o gênero de ficção científica sempre foi algo de nicho, ou seja, que apenas um pequeno grupo de escritores topavam fazer. Se formos analisar a priori, durante as décadas de 50 a 70 tivemos a profusão de um pequeno grupo formado pelo trio Asimov, Heinlein e Clarke, mas também Ray Bradbury, Ursula Le Guin, E. E. Doc Smith, Clifford Simak. Era um grupo pequeno e marginalizado por outros gêneros literários. Mas aí os senhores e as senhoras me perguntam: ué, mas qualquer um que tenha um título de membro obtido na WorldCon pode votar; logo, representa a vontade popular, certo? Como diria um velho e famoso filósofo da Escolinha do Professor Raimundo, há controvérsias. Isso porque aqueles que frequentam a WorldCon não necessariamente representam a opinião popular. Brad Torgesen (do qual voltaremos a falar a seguir) critica esse fãs que frequentam a WorldCon porque os verdadeiros fãs estão assistindo ao novo filme dos Vingadores no cinema. Na minha opinião, eu até concordo com Torgesen na medida em que a maior parte dos fãs não vai se dar ao trabalho de comprar um título de membro dos Hugo em uma WorldCon. Eles vão preferir votar naqueles que foram nomeados pelos que foram na WorldCon e compraram o título. Trata-se de uma votação indireta em títulos já selecionados por voto “popular”.
Pois é. Como tudo na vida pode ser pirateado, pessoas nos EUA descobriram como piratear os Hugo Awards. Tudo começou a partir de uma proposta feita pelo Sr. Brad Torgesen e Larry Correia, dois escritores de ficção científica. Em 2014, muitos escritores de minorias étnicas foram escolhidos como finalistas dos Hugo Awards (dentre eles, Alif, o Invisível da muçulmana G. Willow Wilson). Na época, todos os veículos de imprensa e sites especializados se animaram ao perceber que haviam surgido novos expoentes do gênero. Isso significava uma renovação do mercado editorial. Porém, a repercussão das premiações foi imediato. Torgesen e Correia criaram uma campanha chamada Sad Puppies. Eles já vinham se utilizando do Sad Puppies para hackear a premiação por dois anos. Agora em 2015 eles foram além. Conseguiram dominar todas as premiações indicando nomes que eles quisessem a partir de quaisquer critérios que eles pensassem naquele ano. No blog de Torgesen, isso era uma maneira de fazer um protesto aos Hugo Awards e ao público que fazia as nomeações de quem seria premiado. Leiam o manifesto abaixo:
Na última década... nós vimos as votações para o Hugo Awards serem ideológicas, já que o WorldCon e o grupo de fãs do gênero terem pretendido usar os Hugo como uma premiação de ação afirmativa: dar Hugos porque um escritor ou artista é (insira aqui minoria subrepresentada ou grupo vitimizado aqui) ou porque um certo trabalho possui um personagem (insira aqui minoria subrepresentada ou grupo vitimizado aqui).
Em primeiro lugar, não posso deixar de passar, mas se trata de uma afirmação extremamente preconceituosa. É o velho debate das cotas nas universidades (e eu sou totalmente a favor... e eu sou branco europeu... mas sempre com um pezinho na África). Eu até entendo a essência da crítica, mas isso também tira o mérito daqueles escritores de etnias marginalizadas que tiveram trabalhos estupendos como Nnedi Okorafor. O fato de eu ser uma minoria étnica não me torna inferior a nada. Sobre o uso ou não do prêmio como ação afirmativa, eu acho que o problema está na própria essência do Hugo Awards. Aqueles que escolhem é que deveriam passar pelo escrutínio da maioria dos fãs, já que hoje vivemos um mundo altamente conectado e globalizado. Vários prêmios já aderiram a isso como o Gemmel Awards que premia escritores de fantasia. O que me parece é que Torgesen está fazendo puro e simples bullying. Eu não vou responder a uma atitude que eu considero reprovável fazendo algo ainda mais reprovável. Na década de 1920, quando Hugo Gernsback criou a Amazing Stories ele queria popularizar o gênero do qual tanta gostava. Se ele visse que o seu prêmio se tornou uma plataforma para que intelectuais bobos possam provar pontos de vista, garanto que ele ficaria triste. Não conhecia essa história e soube que, de fato, a premiação em 2015 estava cercada por uma situação polêmica. Se a gente for entender política como a expressão da vontade popular então os Hugo Awards são realmente políticos. Políticos no sentido de que vamos lutar para que nosso autor favorito ou obra favorita seja nomeado como melhor do ano. E olhe que nem é preciso tantos votos assim para que uma obra seja nomeada para os Hugo Awards (meu colega Felipe Cotias, que tal fazermos uma campanha chamada Viva Brasil em que a gente escolhe alguma obra sua para ganhar os Hugo Awards?... até racho contigo o título de membro). Atitudes como a desses dois autores é reprovável porque tira aquele prazer de ler todos os títulos indicados para escolher qual, de fato, é o melhor. Ou as velhas discussões entre fãs sobre que autor foi melhor do que o outro esse ano. Vou estar fazendo mais postagens sobre os Hugo Awards e o Sad Puppies nas próximas semanas. Fiquem ligados!
Comments