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Foto do escritorPaulo Vinicius

A Tartaruga Vermelha

Atualizado: 10 de jun. de 2019

Esta é a história da incrível jornada de um homem tentando sobreviver após o naufrágio de seu navio. Nesta ilha deserta, o homem encontrará o real significado de ter uma família. Ah... e tem uma tartaruga vermelha mágica.

Sinopse:


Um homem sobrevive a um naufrágio e se vê em uma ilha completamente deserta. Ele consegue se manter, através da pesca, e tenta construir uma jangada que lhe permita deixar o local. Só que, sempre que ele parte com a embarcação, ela é destruída por um ser misterioso. Logo, descobre que a causa é uma imensa tartaruga vermelha, com quem manterá uma relação inusitada.




O anúncio da aposentadoria de Hayao Miyazaki e Isao Takahata caiu como uma bomba para mim. O subsequente fechamento do Ghibli também me deixou extremamente triste. Nós imaginamos algumas coisas como eternas, como se o universo transformasse determinadas situações em elementos essenciais para a existência. Para mim, o Ghibli era isso: eterno, fundamental. Algum tempo depois surge a notícia de que os membros do estúdio estariam co-produzindo um trabalho de animação a partir de um roteiro de um francês. Me animei na hora. E as notícias foram chegando uma após a outra. Mas, à medida em que chegavam as notícias, elas iam ficando cada vez mais estranhas. A animação teria como base um traço mais ocidental. Pensei na hora "Okay, é o Ghibli, eles gostam de experimentar". A seguir, veio a notícia de que o filme não teria diálogos. Nessa hora eu pensei "What the hell?".

La Tortue Rouge ou A Tartaruga Vermelha é um filme de animação escrito e co-produzido por Michael Dudok de Wit e produzido por Toshio Suzuki, um dos grandes nomes do Studio Ghibli. Esse estilo de trabalho de co-produção não é inédito para o estúdio já que houve outros como Oozanari Dungeon (de 1991) e até mesmo animes mais conhecidos como o filme de Sailor Moon Super S (1995) e o segundo filme de Ghost in The Shell (2004). O filme foi indicado para o Oscar em 2017 e perdeu para Zootopia, mas muitos críticos alegaram que A Tartaruga Vermelha realmente merecia pelo estilo artístico empregado na animação.

Aparentemente o projeto de produção desta animação já vinha sendo negociado desde 2008 quando o diretor do estúdio Wild Bunch, Vincent Maraval, se encontrou com Hayao Miyazaki. Este mostrou a ele um curta chamado Father and Daughter que viria a ser o embrião de A Tartaruga Vermelha. Este curta havia sido produzido por Michael Dudok de Wit e Miyazaki quis trabalhar com ele na época. Mas, por conta de outros projetos e sua pendente aposentadoria, tudo foi deixado de lado. Mas, a Wild Bunch acabou entrando em contato com o francês e foi dada a continuidade do projeto que contou com o apoio do Ghibli na figura de Toshio Suzuki. A recepção da crítica foi muito positiva pela ousadia do projeto. Recebeu diversas premiações como o Annie Awards de melhor animação com produção independente, e o San Francisco Film Critics Circle além de ter sido indicado ao Oscar e a algumas categorias em Cannes. No Rotten Tomatoes a média de resenhas ficou com 8.1 em 107 delas.

A animação é linda. Não há muito o que falar nesse sentido. Quem é fã do trabalho do estúdio ou até quem curte animação japonesa, vai estranhar o traço dos personagens, sem dúvida alguma. Eles empregaram nitidamente um desenho mais ocidentalizado com a construção do corpo dos personagens bem típica de desenhos como Tintin e Corto Maltese. Eu poderia ver A Tartaruga Vermelha na televisão e jurar que estava vendo algo do Hergé. A construção facial, as expressões nos olhos, os cabelos, o formato das mãos e dos pés e até mesmo o tamanho lembra demais o Tintin. Impressiona a palheta de cores escolhida para a animação. Tudo muito bege e azul que dá um efeito de amplitude onde o horizonte parece não ter fim. Todas as cenas parecem muito grandiosas e eu creio que isso foi feito para fazer do personagem um pequeno grão de areia em um lugar solitário. Aliás, se formos pensar dessa forma, a grandiosidade de tudo serve para aumentar a sensação de solidão no cenário.

A trilha sonora instrumental é bem colocada de acordo com as cenas. Possivelmente o espectador não vai sentir tanto a presença das músicas porque elas acabam se tornando naturais junto do ambiente. As músicas são baixas e melancólicas, compondo o humor do protagonista no cenário. Existem dois momentos de ação que recebem uma trilha mais agitada, mas mesmo assim nem é tão agitada assim. Como estamos nos referindo a um filme sem diálogos, os efeitos sonoros são imprescindíveis para A Tartaruga Vermelha. E aqui o Wild Bunch e o Ghibli se superaram. Eu achei que veria algo chato já que eu teria que prestar atenção o tempo todo para captar tudo que estava acontecendo. Entretanto, a sensação que dá é que a animação te puxa para dentro da tela e todos os sons parecem estar ecoando de todas as partes ao seu redor. Claro, assistir a um filme desses em um cinema bem equipado ajuda, mas caso a direção não tivesse conseguido construir bem a relação entre personagem - cenário - efeitos sonoros, tudo ficaria estranho.

Os movimentos dos personagens e as tomadas de câmera podem parecem um pouco estranhos em alguns momentos. Eu achei que como eles carregaram bastante na construção dos personagens, isso acabou prejudicando um pouco a fluidez dos movimentos. Em alguns momentos parece que estou vendo uma cena de um jogo bem antigo de Mega Drive chamado Out of This World. O personagem corre, dá uma freada brusca, muda a direção do corpo, e depois segue em outra direção. Outras cenas possuem tomadas bizarras de câmera como ele subindo as rochas de uma colina e a cena possui um visual bidimensional com tudo em silhueta. Achei bonito, mas ao mesmo tempo pode parecer estranho para quem quer ver apenas mais uma animação. Por falar nisso, não vá com esse espírito. Se você for esperar algo dinâmico com explosões, luta e muita aventura, esqueça e procure outra coisa. A Tartaruga Vermelha é um filme reflexivo e até um pouco triste. A animação compensa em vários momentos com lindas cenas como o momento em que o protagonista nada ao lado da tartaruga vermelha ou quando o filho do protagonista vê um momento congelado no tempo quando ele está em cima de uma onda e enxerga tudo em perspectiva.

A temática mais óbvia presente na animação é a solidão. O protagonista é um náufrago que precisa sobreviver em uma ilha deserta. Ele precisa encontrar alimentos, abrigo e sobreviver às intempéries. Uma típica história de Robinson Crusoé, mas sem o Friday. Ao longo da animação, vemos a luta do protagonista para buscar uma forma de sair daquela ilha a todo custo. Ele tenta montar várias jangadas e vê suas tentativas sendo em vão ao ser confrontado com uma tartaruga vermelha que destrói todas as suas embarcações. Pouco a pouco o personagem vai se frustrando com tentativa após tentativa sendo interrompida por um inimigo avassalador. Tudo no personagem na primeira metade da história transborda solidão. Ele não vê nenhum rastro de um resgate ou mesmo de um navio à distância. Chega um momento em que ele acaba confrontando o animal e tentando buscar uma resolução ao seu problema.

E aí chegamos ao segundo tema: homem x natureza. O tema da sobrevivência traz esse embate com a natureza a reboque. Até onde o homem é capaz de ir para conseguir retomar sua "vida civilizada". É neste momento que o homem se torna fera e suas decisões acabam não sendo as melhores. E é isso o que acontece com nosso protagonista. Ele logo percebe o mal que fez e tenta consertar os seus erros. Seus esforços são recompensados a seguir. Em outro momento da história, o protagonista, sua esposa e seu filho precisam lidar com uma catástrofe que abala a ilha. Apenas com força de vontade e perseverança é que toda a família vai conseguir se manter unida. São muitos os momentos em que todos os personagens envolvidos na história precisam lidar com a gentileza e a brutalidade da natureza ao mesmo tempo: quando o filho fica preso na caverna subaquática, quando o filho precisa encontrar o pai mais tarde ou até quando o casal decide permanecer junto quando o filho se vai.

Esta também é uma história sobre uma família. A relação de um homem com uma mulher e de pais e seus filhos. A relação do casal é absolutamente linda e pura. A honestidade no olhar do homem e a doçura refletida nos olhos da mulher é de derreter o coração de qualquer um. Todo o relacionamento dos dois é construído com muita sutileza a partir de trocas de olhares, toques de mãos e momentos conjuntos. Mesmo quando chega ao final (não vou contar... juro) ainda vemos a doçura que transborda dos protagonistas. O nascimento do filho vem para dar um novo elemento para o casal. O pai e a mãe buscando passar seu conhecimento ao filho e o amor que eles tem por ele. Diante de uma situação completamente adversa vemos uma família surgindo. Quando o filho cresce, o inevitável acontece: o momento da partida. Todos esses temas são apresentados de uma forma tão orgânica que as horas se passam na animação e não sentimos que isso acontece.

Os elementos mágicos servem apenas para compor o maravilhoso na animação. É lógico que o Ghibli iria inserir algum dos elementos de enredo que os tornaram tão famosos. Mas, não existe nenhum hocus-pocus, nem abracadabra. Se eu pudesse classificar a animação de alguma forma, diria que se trata de um realismo mágico já que o elemento fantástico é tratado com absoluta naturalidade. Aliás, não se trata nem do foco da animação. Ele complementa o aspecto narrativo pretendido pelo autor.

A Tartaruga Vermelha é mais uma daquelas animações atemporais que só o Ghibli é capaz de criar. Claro, desta vez se tratou de um trabalho cooperativo, mas o espectador que acompanha o trabalho do estúdio vai reconhecer os elementos que tornaram o estúdio tão famoso. Tudo está na forma como a narrativa é composta. Recomendo a animação para toda a família muito por causa dos temas trabalhados. Esta é mais um dos trabalhos atemporais do estúdio, mesmo que ele tenha apenas co-produzido a história.

Ficha Técnica:


Nome: A Tartaruga Vermelha

Diretor: Michael Dudok de Wit

Produtores: Toshio Suzuki, Isao Takahata, Vincent Maraval, Pascal Caucheteaux, Grégoire Sorlat e Léon Perahia

Roteiristas: Michael Dudok de Wit e Pascale Ferran

Estúdio: Prime Linea Distributions, Why Not Productions, Wild Bunch, Studio Ghibli, CN4 Productions, Arte France Cinéma e Belvisium Corporation

País de Origem: Japão, Bélgica, França e Alemanha

Tempo de Duração: 80 min

Ano de Lançamento: 2016





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