Na matéria de hoje vamos comentar sobre a nova adaptação de O Cemitério, clássico de terror escrito por Stephen King. Será que estamos diante de um novo clássico ou apenas mais um fracasso?
Falar de adaptações de livros para o cinema é sempre complicado. Isso porque são mídias diferentes e envolve uma forma de pensar o conteúdo de formas específicas. Não há uma receita certa: nem levar tudo ao pé da letra, nem adaptar demais. É com esse espírito que eu venho falar da nova adaptação de O Cemitério, um dos livros mas icônicos da carreira de Stephen King. Para muitos fãs do autor, é um material que figura tranquilamente no top 5. Seja por sua abordagem cruel no quesito de terror ou no impacto psicológico deixado no leitor após o término da narrativa.
A primeira adaptação fez parte da minha infância. Foi um dos meios de entrada para este universo incrível do medo. Fora a trilha sonora inesquecível dos Ramones que se tornou sinônimo da história da família Creed. A adaptação de 1989 era algo completamente lastimável. Muitos erros de gravação, defeitos especiais, momentos que não tinham o menor nexo com o romance adaptado. Bem longe do glamour e do reconhecimento da crítica de O Iluminado, dirigido por Kubrick. O Cemitério Maldito figura tranquilamente entre as piores adaptações de obras do autor. Entretanto, se tornou um daqueles clássicos trash que ganharam status cult com o passar das décadas.
A nova adaptação segue o ritmo de reboots em alguns filmes clássicos do autor. O sucesso de It no ano passado incentivou novas tentativas. Ainda estamos aguardando, por exemplo, uma adaptação de A Incendiária para os próximos anos. Entretanto, o sucesso de It se deve à excelente produção e ao fato de o autor ter feito adaptações bem pontuais ao mesmo tempo em que manteve um ritmo frenético na narrativa. Todos estavam animados porque O Cemitério tem uma narrativa até simples se comparado a outros livros do autor. Os elementos sobrenaturais da narrativa são poucos e fáceis de serem emulados. Até porque eu considero a história com um foco maior na construção e na relação dos personagens do que no sobrenatural em si. Este atua como desestabilizador para a família Creed.
ATENÇÃO!!! CONTÉM SPOILERS DO FILME E DO LIVRO!!!
A história se foca nos membros da família Creed: Louis, Rachel, Ellie e Gage, além do pequeno gatinho Church. Eles acabaram de se mudar para uma casa à beira da estrada. Seu vizinho Judson Crandall apresenta a vizinhança a ele e tentando fazer com que a família se sinta à vontade no local. Ele aponta também para um local chamado "simitério" onde animais são enterrados. Lendas locais dizem que se trata de um lugar marcado por maus espíritos. Os problemas começam a acontecer quando Church morre atropelado na auto-estrada que passa em frente à casa dos Creed. A partir de então começa uma sequência de acontecimentos estranhos, inclusive quando Church aparece vivo mesmo após ter sido enterrado no "simitério". A sequência final de O Cemitério é uma das mais impactantes em todos os livros (mais de 20) que eu li do autor. Ele não pega leve em suas descrições e, para quem acha que tudo vai acabar bem no final, vai se surpreender.
Antes de passar às críticas negativas, eu queria destacar o que tem de positivo na adaptação. Em primeiro lugar, os diretores conseguiram pegar bem o espírito do cenário e da trilha sonora. Achei a cenografia muito boa, principalmente do "simitério". As cenas são repletas de névoa e as tomadas de câmera reforçam o clima sinistro do local mesmo nos primeiros momentos do filme. Já a trilha sonora também funciona bem com a composição de cena. Gostei e achei que funcionou até o momento em que o filme degringola completamente. A escolha dos atores foi sensacional. Eu sou fã do John Lithgow. Para mim, é um dos atores mais polivalentes de Hollywood, principalmente quando ele se propõe a fazer personagens mais dramáticos (apesar de que os que ele fez em filmes de comédia também serem excelentes). A escolha de Jason Clarke para encarnar o protagonista eu achei normal. A atuação do ator está redondinha, sem grandes firulas. Mas, a Amy Seimetz estava muito bem como Rachel.
E aí vem o meu segundo elogio à adaptação: eles abraçaram bem a relação de Rachel com sua irmã morta Zelda. Esse é um aspecto trabalhado no fundo na trama do livro e que acaba redundando nos problemas que ocorrem mais para o final da narrativa. Esse elemento de amarrar as pontas é bem realizado, mas é mal executado nos momentos finais ( vou comentar mais abaixo). Zelda é uma personagem que afeta diretamente o poder decisório de Rachel; o trauma dos momentos em que Rachel passou a seu lado, vendo a doença definhar sua irmã é o que faz da personagem tão traumatizada. A relação de Rachel com a doença e a morte é muito complicada. Algo que os diretores abordaram na trama em conversas dos pais com Ellie, a filha. O que existe além da morte? Este aspecto assombra a família por todo o filme.
Daqui para baixo são os elementos negativos. E tem muitos. Antes de mais nada é preciso dividir o filme em três atos: a chegada, os estranhos acontecimentos e o clímax. Eu acredito que até a metade do segundo ato, o filme é bom. Não é nenhuma obra revolucionária, mas entrega o necessário para o espectador. Até chega a seguir bem o livro, adaptando alguma coisa aqui e ali sem mexer na essência do que é contado por King. O problema começa a partir do terceiro ato quando parece que os diretores abandonaram o livro de lado e começaram a tomar muitas liberdades criativas. O problema não é a liberdade pela liberdade. Kubrick saiu da narrativa de O Iluminado para criar algo próprio e conseguiu criar algo memorável. O problema é quando as adaptações afetam a percepção da narrativa. O final acaba sendo completamente alterado e não para algo positivo. No livro, o pequeno Gage acaba morrendo por conta das maquinações do ser que ocupa o corpo de Church. O momento em que Gage volta para assombrar a família é assustador. Possivelmente uma sequência de acontecimentos que mais me assombrou na narrativa do autor. Isso porque tudo acontece de forma muito frenético em comparação ao restante do livro que adota um clima mais ascendente e progressivo. São setenta páginas finais que parecem dez.
Os diretores usam também um recurso que acaba soando pobre para o filme: uma quantidade absurda de scare scenes. São aquelas ceninhas de susto súbito em que algumas delas são apenas sustos pelo susto e sem nenhum ganho para a narrativa como um todo. Esse tipo de recurso se tornou comum nos últimos anos principalmente com filmes como Atividade Paranormal ou Sobrenatural que empregam-no com bons resultados. Só que se tornou corriqueiro demais e para O Cemitério Maldito ficou estranho. Alguns momentos bobos como quando a família está chegando até o "simitério" e eles se voltam para trás e são apenas folhas farfalhando. Minutos depois quando eles chegam em casa, a filha alega ter visto uma sombra. Depois poucos momentos depois, isso continua com cenas que não vão a lugar algum. São sustos bestas que cansam o espectador depois de uns trinta minutos de projeção.
No fundo, O Cemitério é um filme sobre pessoas. Sobre os laços que mantém uma família unida. King começa a desfazer esses laços pouco a pouco a partir dos acontecimentos estranhos. Quando Gage retorna à vida é o sinal de que sua vida foi despedaçada. O medo de Rachel por conta do ocorrido com sua irmã Zelda intensifica a situação de terror. Isso porque o leitor foi trabalhado ao longo da narrativa a partir dos flashbacks de Rachel. Quando tudo explode, o payoff é efetivo. Por isso que eu não gostei da forma como a narrativa foi alterada na segunda metade. Porque eu conheço a mecânica de como tudo foi composto para gerar algo inigualável.
Esta nova adaptação de O Cemitério apenas um pouco melhor do que a de 1989. Poderia ter redundado em algo melhor, mas acabou apenas sendo mais uma adaptação ruim e esquecível do autor. Apesar disso, os diretores conseguiram acertar em alguns pontos como questões técnicas e no tema da vida após a morte. Entretanto, as escolhas livres feitas pela direção agiram em detrimento de tudo ao invés de auxiliar o todo.
Livro mencionado:
Ficha Técnica:
Nome: O Cemitério
Autor: Stephen King
Editora: Suma
Gênero: Terror
Tradutor: Mário Molina
Número de Páginas: 424
Ano de Publicação: 2019 (nova edição)
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*Material enviado em parceria com a editora Suma
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