Inicia-se mais um ano e mais uma turma no Kouka High, a escola mais tradicional de talentos de teatro no Japão. Em seus salões, apenas as melhores se destacam. Uma escola exclusiva para mulheres onde elas interpretam papéis masculinos e femininos em peças maravilhosas. Dentre todas as novas alunas, duas se destacam: Ai Narada, ex-cantora do grupo idol JPX que abandonou o grupo após uma situação polêmica e Sarasa Watanabe, uma garota alegre e que deseja interpretar Lady Oscar.
O anime que me encantou nessa temporada de verão no Japão (inverno no Brasil) não foi um scifi nem uma superprodução de milhões de dólares da Netflix ou um daqueles super hypados pela crítica. Foi um slice of life com uma produção modesta, história coesa, personagens bem desenvolvidos e um estilo beirando o dramático, se me perdoarem o trocadilho com a narrativa baseada em uma trupe teatral. Kageki Shoujo chegou sem muito alarde, com um daqueles trailers que vemos às dezenas um mês antes das estreias. Acabei escolhendo o anime entre vários para ver porque a sinopse me interessou. Quando assisti ao primeiro episódio o terminei desejando mais. Nessa temporada específica (que já comentei estar muito fraca comparada às anteriores) é o único que assim que sai um episódio, assisto imediatamente. Essa é a prova de que não há a necessidade de investir tantos recursos em uma superprodução, bastando uma boa adaptação e uma história interessante. Recursos ajudam, mas não definem sucesso ou fracasso.
Kageki Shoujo (ou Opera Girl!) é um anime baseado no mangá escrito e desenhado por Kumiko Saiki e ele foi publicado inicialmente pela Shueisha em dois volumes entre 2012 e 2014. Posteriormente a editora Hakusensha republicou o mangá em apenas um volume tankobon. Isso foi em 2019, mas quatro anos antes a autora decidiu escrever uma sequência para o mangá pela mesma editora e ele continua em publicação, contando com dez volumes até o momento. Vale destacar que inicialmente o mangá se enquadrava na categoria seinen, mas quando ele passou para a Hakusensha foi reclassificado como shojo. O anime é uma produção do studio Pine Jam, um estúdio que possui ainda poucos títulos em seu catálogo, mas que posso destacar o divertido Gamers como parte de seu catálogo. Ou seja, sua equipe está acostumada a trabalhar com animações shoujo ou slice of life. A direção ficou nas mãos de Kazuhiro Yoneda que dirigiu dois animes que alguns vão falar bem e outros torcerem o nariz: Gleipnir e Akatsuki no Yona. A direção de som, algo extremamente importante neste anime, ficou com o experiente Yukio Nagasaki (Akatsuki no Yona, o longa de City Hunter, Dragon Ball Kai, Orange). O anime conta com treze episódios e existe material para uma nova temporada. Vamos torcer para a resposta ter sido positiva.
A escola de teatro Kouka é uma das escolas mais disputadas de todo o país. Um rigoroso critério de seleção é realizado para separar apenas as melhores candidatas a se tornarem futuras estrelas. A Kouka é uma escola apenas para garotas e suas peças de teatro usam apenas mulheres em todos os papéis. Mas, essa é uma ocasião especial: inicia-se a 100ª turma da escola e esta promete ser bastante movimentada. Entre algumas de suas alunas estão Sawa Sugimoto, uma aluna extremamente aplicada e conhecedora da história da Kouka; as gêmeas Chika e Chiaki Sawada que conseguiram passar juntas e possuem um talento promissor; Kaoru Hoshino que parece dominar a arte de desenvolver papéis masculinos. Só que duas alunas se destacam entre todas: Ai Narata, ex-integrante do grupo de idols JPX e que saiu do grupo por conta de uma polêmica com um fã; e Sarasa Watanabe, uma aluna estranha, atrapalhada e divertida que possui um tamanho enorme assim como sua ambição de interpretar Lady Oscar. Nos episódios da série veremos como estes vários egos irão conseguir trabalhar umas com as outras e conseguirem aprender a se tornar estrelas para um dia poder cruzar a linha de prata no teatro da Kouka.
Não se deixem enganar com a atmosfera feliz da animação. E muito menos com o caráter trapalhão e animado da Sarasa. O anime consegue ser bem pesado quando ele quer. Vai lidar com temas como stalking, bullying, violência doméstica, anorexia. Esse estilo colorido tem a intenção de amenizar o todo. Só para começarmos a discutir sobre ele, Ai Narata é uma personagem bastante sofrida na trama. Ela e Sarasa formam uma espécie de "casal yuri" (só que não, até o momento) e ambas tem sua personalidade explorada em diversos momentos da história. Desde pequena Ai se revelou ser uma menina adorável, mas sua mãe era uma mulher que se separou ainda nova e a criava sozinha. Quando ela se apaixonou por uma pessoa envolvida com sua carreira, este padrasto de Ai passa a viver com elas (e estamos falando de uma garotinha de seis anos). Como a mãe de Ai precisava viajar muito, frequentemente a menina ficava aos cuidados do pai e do irmão que, apesar de não morar com eles, eventualmente vinha ver como estava a irmã. Mas, o padrasto começa a ter um comportamento estranho frente à menina e se aproxima dela com intenções pouco educadas, para dizer o mínimo. Mesmo sendo muito nova, Ai percebe alguma coisa de perigosa no padrasto e seu sinal de alerta só acende quando as tentativas de seu padrasto passam a se tornar mais e mais frequentes. Não vou contar mais desse plot para deixá-lo a vocês saberem mais.
Essa situação toda faz com que a Ai se torne uma pessoa que detesta homens, exceto seu irmão. Quando ela entrou no JPX, foi uma maneira de sair de casa e da presença de seu padrasto, mas isso a obrigou a interagir com mais pessoas. Esse trauma dela a fez se tornar gélida quanto às relações com membros do sexo masculino e até com pessoas em geral. Ai simplesmente não sabe se relacionar com outros e sequer consegue sorrir. A confusão toda no seu grupo de idols aconteceu durante um meet & greet com fãs. Quando um fã se aproximou demais, ela o afastou violentamente, o que causou um furor na imprensa. Isso provocou sua saída do grupo e ela acabou buscando prestar o concurso na Kouka como uma forma de entrar em um lugar livre da influência masculina. A Kouka então é um escudo de defesa para ela, mas pouco a pouco Ai vai percebendo, com o relacionamento com a Sarasa, que não é possível se esconder para sempre.
Também temos nossa enorme protagonista, Sarasa Watanabe. Mesmo sendo uma garota bondosa e divertida, ela tem um histórico bastante complicado também. Nascida em uma família tradicional de praticantes do teatro kabuki, ela descobriu logo cedo o significado da palavra preconceito. Por ser a filha bastarda de um importante membro da trupe kabuki, ela sempre foi tratada com descaso pelos membros da família principal. Akiya Shirakawa, um amigo de infância de Sarasa que ela chama de namorado, é o herdeiro escolhido para levar a escola Shirakawa adiante. Mas, ele nunca teve o mesmo talento natural de Sarasa. Brincando de observar as aulas de Akiya, Sarasa conseguia aprender pouco a pouco as técnicas do kabuki. Mas, após um entrevero familiar, uma das matriarcas da família acusa Sarasa de estar querendo roubar o lugar de seu filho. Isso leva à expulsão de Sarasa do curso de kabuki e a menina ficou triste e jurou nunca mais pisar em um palco kabuki.
Outro caso que vale a pena mencionarmos é o de Ayako Yamada, uma jovem menina cuja família investiu todas as suas economias para que ela pudesse ser bem sucedida na seleção da Kouka. Uma menina talentosa na arte do canto, nas primeiras aulas de ballet e dança ela é repreendida pela professora, que diz que ela está muito gorda para a Kouka (mesmo a menina sendo magérrima). Isso faz com que Ayako comece a expulsar a comida do seu organismo, atitude comum em meninas com anorexia. Ela vai ficando cada vez mais e mais fraca porque a comida não é mais absorvida e transformada em nutrientes. Alguns professores demonstram preocupação, mas o jeito gentil e introvertido da menina afastam quaisquer suspeitas até que seu organismo não aguenta mais. O que choca nesse episódio é que a professora percebe o que está acontecendo e apenas taxa sua aluna de fraca e que ela precisa ter força de vontade para continuar nos salões da Kouka. É a cultura japonesa da superação e da necessidade de ficar mais forte que pode colocar pressão nos estudantes. Já se discutiu uma série de vezes em reportagens e documentários o quanto a cultura oriental é responsável por um alto índice de suicídios devido às exigências nem sempre gentis cobradas pela sociedade.
Como podem ver Kageki Shoujo tem uma quantidade incrível de temáticas relevantes para o espectador. Isso além de conhecermos um pouco mais sobre essa diferente trupe de teatro e como funcionam suas peças. Aqui se fala de Shakespeare sim, mas também de Riyoko Ikeda e sua Rosa de Versalhes. Afinal o sonho de Sarasa é interpretar a icônica personagem criada por Ikeda, Lady Oscar. Apesar de tratar desses temas mais dramáticos e pessoais, a animação tem uma atmosfera bem positiva com as meninas precisando superar seus dramas e encontrar o caminho para o estrelato. É uma série viciante que vai te segurar por todo o tempo do episódio. Vale demais a pena!
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