Vamos começar uma série de matérias com autores de fantasia e ficção científica que entraram em domínio público desde 2021. Pode ser uma boa para conhecer estes autores que logo estarão em muitas prateleiras.
Vamos começar esse ano uma série de matérias falando sobre alguns autores que entraram em domínio público e passaram a ter suas obras mais exploradas pelas editoras brasileiras. Lembrando que no Brasil a legislação de direitos autorais coloca esse prazo em 70 anos após a morte do autor. A partir de então não há mais a necessidade de pagar direitos autorais (salvo em alguns casos bem específicos). 2021 foi o ano em que George Orwell entrou nesse grupo seleto, mas outros autores menos badalados também entraram. Este é o caso de Olaf Stapledon, considero por alguns como o pai da ficção científica. Nesta postagem vou comentar brevemente a vida e a carreira dele assim como suas obras de maior destaque.
Olaf Stapledon é um britânico nascido em 1886 na província de Cheshire. Ele se formou em História Moderna em Oxford em 1909 tendo obtido um diploma de Bacharel em Artes e mais tarde transformou esse título em um mestrado. Atuou por dois anos como professor e mais tarde se envolveu mais ativamente com projetos educacionais pela Workers' Educational Association em Liverpool. Durante a Primeira Guerra ele entrou com um pedido de rejeição consciente, no qual um indivíduo inglês poderia se recusar a servir como combatente com base nos princípios da liberdade de pensamento. Contudo, ele foi motorista de ambulância para resgatar feridos na França e na Bélgica. Por conta disso, ele foi laureado com a cruz de prata por seus esforços. Esse trabalho voluntário durou de 1915 a 1919 e influenciou fortemente o seu pensamento a respeito do pacifismo e da civilização. Curiosamente, Stapledon defendeu o esforço de guerra durante a Segunda Guerra Mundial. Nesse sentido temos poucas informações sobre a que se deu essa mudança repentina de posicionamento ideológico. Fato é que o autor passou a se envolver fortemente com o movimento de esquerda ligado ao Partido Common Wealth.
Apesar de ser mais conhecido por seus livros de ficção científica, sua carreira começou com livros de filosofia, como um material no qual ele discutia sobre a ética na civilização ocidental. O final da década de 1920 é o período em que a literatura pulp se populariza e Olaf Stapledon deseja alcançar um público maior. Através de suas obras de ficção científica seu objetivo era difundir seus pensamentos acerca do desenvolvimento da humanidade. Last and First Men (1930) é seu primeiro grande trabalho e o incentiva a se tornar escritor em tempo integral. Apesar de publicar vários livros de ficção científica como Sirius e O Estranho John, ele alterna com livros de filosofia. Com o final da Segunda Guerra Mundial, ele iniciou uma série de viagens para falar em palestras por toda a Europa. Um destaque foi sua fala no Congresso Mundial dos Intelectuais pela Paz ocorrido na Polônia em 1948. Ele também se envolveu com o movimento anti-apartheid em 1950, mas sua saúde ficou fragilizada e ele acabou falecendo devido a um súbito ataque cardíaco em 1951.
Entre as grandes temáticas exploradas por Stapledon está a luta de povos sencientes contra um universo cruel e indiferente aos seus esforços. Universo este que é grande demais para a nossa compreensão e seus desígnios nos escapam de todo. Entre alguns autores influenciados por sua obra estão Arthur C. Clarke, Brian Aldiss, Vernor Vinge e C.S. Lewis. Outro grande tema presente em sua obra é o de uma inteligência superior formada pela junção de inúmeras mentes que formam uma espécie de coletivo. Alguns avanços científicos como a esfera de Dyson (em Star Maker) são originados de sua obra. Freeman Dyson afirmou que a leitura do livro foi importante para sua pesquisa. Já Last and First Men lida com questões de engenharia genética e terraformação. Suas obras de filosofia foram fortemente criticadas, principalmente por C.S. Lewis que considerava as ideias de Stapledon uma anormalidade.
Principais Obras:
1) Star Maker (1937): é uma narrativa que trata da história do Universo. Um narrador é transportado para fora de seu corpo através de meios que ele não consegue compreender. Essa mudança lhe fornece a habilidade de explorar a galáxia e outras civilizações. Sua mente é levada a uma civilização de outra galáxia com um nível de desenvolvimento semelhante ao da humanidade. Ele nomeia o planeta como a Outra Terra e sua mente acaba se fundindo com a de um de seus habitantes. À medida em que eles viajam juntos, outras mentes se unem à sua, formando uma espécie de coletivo de mentes. Com isso o autor vai passando de uma perspectiva mais localizada para algo mais macro que envolve civilizações e galáxias inteiras. A novidade em sua escrita é como ele consegue imaginar diferentes tipos de civilizações, métodos de guerra, uma noção de multiverso e de que as estrelas podem ser seres sencientes. O clímax da série vai se dar quando ele finalmente encontrar uma resposta à pergunta sobre quem criou o universo.
2) Last and First Men (1930): descreve o desenvolvimento da humanidade a partir do presente até dois bilhões de anos no futuro. O autor mostra as mudanças que a humanidade vai sofrendo pouco a pouco neste largo período de tempo. Nossa espécie humana é o ponto inicial da história. Ou seja, estamos diante de uma história geracional, décadas antes de Isaac Asimov escrever a sua trilogia Fundação. E possui uma linha narrativa semelhante onde não há um protagonista específico e o próprio pano de fundo possui essa função. O conceito por trás da obra é o de ciclos recorrentes de história, como a noção da cobra que morde o próprio rabo. Na sua obra vemos espécies humanas que recorrem e superam ciclos de selvageria e guerra. O livro também lida com uma mente coletiva formada pela junção de várias inteligências. Durante o desenvolvimento dessas várias espécies humanas temos momentos em que a manipulação genética se torna recorrente. O jogo de PC Deus Ex fez menção a trechos dessa obra de Stapledon. O autor chegou a escrever um segundo livro chamado Last Men in London, mas que não teve tanto sucesso como o primeiro. Alguns críticos alegam que Star Maker seria uma sequência filosófica desse livro.
3) Sirius (1944): escrito em 1944, conta as aventuras de um cachorro chamado Sirius que desenvolveu inteligência humana. Ao longo do livro, Sirius questiona o que ele é dentro da realidade que o cerca. Somos guiados pelos pensamentos e pelo subconsciente do protagonista que lida com diversas questões humanas tendo Sirius como observador. Os personagens secundários do livro precisam enfrentar diversos problemas, pois existe um grande medo de o cachorro ser levado para um circo para se tornar uma de suas atrações. No fim, se trata de uma grande história de família, mas com profundos tons filosóficos. É uma bela história publicada ainda no período da Segunda Guerra Mundial em um momento em que se discutia os motivos pelos quais os países entraram em conflito e se desejava terminar tudo aquilo o quanto antes com o menor número possível de mortes. O arrastar da guerra por quase oito anos causou um profundo pessimismo em intelectuais como Stapledon que pode ser observado na maneira como o autor encerra o livro.
Não sendo muito conhecido no Brasil pelos fãs de ficção científica, Stapledon coloca em suas obras uma série de ideias que se tornarão recorrentes entre os grandes autores da chamada Era de Ouro do scifi. Vale a pena conhecer sua obra principalmente pelo fato de o autor ter sido um militante que ora lutou pela paz, ora pela guerra e depois voltou atrás ao ver o rastro de sangue deixado para trás. Suas obras começaram a ser exploradas por editoras como a Andarilho e a Skull, mas gostaria de ver editoras maiores e mais populares o explorando. Livros como Star Maker e Last and First Men precisam ganhar mais espaço nas estantes dos leitores. Até para podermos discutir algumas das influências de Clarke, Asimoc e tantos outros.
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