Uma trama cheia de mitologia e cultura nigeriana se desenrola em torno de Sunny, uma albina que parece transitar entre dois mundos.
Sinopse:
Carinhosamente apelidado de Harry Potter nigeriano, Bruxa Akata tece uma trama de magia e mistério, repleta de mitologia africana. Uma história de amizade, superação e sobre como achar seu lugar no mundo.
Sunny tem 12 anos e sempre viveu na fronteira entre dois mundos. Filha de nigerianos, nasceu nos Estados Unidos e é albina. Uma pária, incapaz de passar despercebida. O sol é seu inimigo. Castiga a pele e a expõe aos olhares curiosos. Parece não haver lugar onde ela se encaixe. É sob a lua que a menina se solta, jogando futebol com os irmãos. E então ela descobre algo incrível – na realidade, ela é uma pessoa-leopardo em um mundo de ovelhas. Sunny é alguém com um talento mágico latente, é uma agente livre. Uma pessoa com poderes que nasceu de pais comuns.
Logo ela se torna parte de um quarteto de estudantes mágicos, pesquisando o visível e o invisível, aprendendo a alterar a realidade, sendo escolhida por um mentor e conseguindo, enfim, sua faca juju — com a qual é capaz de fazer seus feitiços. Mas isso será suficiente para que encontrem e impeçam um assassino em série que está matando crianças? Um homem perigoso com planos de abrir um portal e invocar o fim do mundo?
Bruxa Akata
Escolher a Nnedi Okorafor como autora negra de fantasia para o Desafio Ficções me pareceu uma escolha óbvia: já havia lido alguns autores nigerianos e a cultura riquíssima deles sempre me empolgou. Ainda que separados por um oceano de distância, é impressionante o quanto o Brasil absorveu e se transformou no país que é hoje aos moldes de reinos africanos milenares, como a própria Nigéria (com maior influência da nação iorubá por aqui). Essa conexão América-África, ainda tão distante quando pensamos especificamente na fantasia, precisa ser fortalecida e valorizada.
Dito isso, Bruxa Akata é um livro infanto-juvenil ou young adult bastante focado em valores muito particulares da cultura igbo, como a mitologia, a culinária e os costumes sociais. Apesar de se dirigir ao público jovem, não deve ser confundido com uma narrativa boba, com aqueles romances e crises adolescentes de sempre; não, Bruxa Akata rompe com o estereótipo de young adult ao fornecer uma imersão encantadora em um universo que sequer sonhamos em existir, cheio de pós e facas mágicos, livros de feitiços, máscaras rituais e um sem fim de situações sobrenaturais interessantíssimas.
A começar pela escrita da Nnedi Okorafor, leve, engenhosa e envolvente, o ritmo da leitura torna-se viciante uma vez que se consiga assimilar alguns conceitos básicos que vão sendo explicados. Aqui e ali surgem palavras em igbo, mas nada que um leitor experiente não consiga resolver. Essas palavras, aliás, contribuem para a imersão pretendida e acabam por facilitar uma maior compreensão da história toda, sem que a tradução possa interferir gravemente na narrativa. Os capítulos são curtos e pontuados por inserções de trechos do livro que Sunny está lendo durante a trama para se educar sobre sua posição na sociedade leopardo, o que facilita todo o worldbuilding da autora e é uma grande ajuda para nos situar nas questões mitológicas.
Narrado em terceira pessoa, mas sempre seguindo os acontecimentos sob a perspectiva de Sunny, é possível visualizar melhor todas as situações e entender tanto os sentimentos confusos da protagonista como o desenrolar do mistério construído pelo livro. Sobre Sunny, tudo nela é incomum, algo inaceitável para uma jovem menina de doze anos. Filha de pais nigerianos, nascida nos Estados Unidos e albina, a protagonista de Bruxa Akata pensava que o bullying era o seu maior problema. Isto é, até se descobrir uma agente livre leopardo. Sunny é muito bem construída, uma típica jovem tímida e insegura, mas criativa e ingênua. A autora compôs um quarteto principal para a trama, diferenciando-se dos demais livros do gênero, e todos os personagens são carismáticos, interessantes e contam com dramas e histórias de vida bastante singulares.
Por falar em romper com o típico trio de heróis adolescentes, preciso dizer que acho a comparação entre Bruxa Akata e Harry Potter terrivelmente injusta. Ainda que ambos envolvam adolescentes aprendendo magia e que existam, sim, algumas semelhanças como professores e um lugar mágico acessível somente aos leopardos, basicamente essa é toda a associação que se pode fazer entre as duas histórias. Bruxa Akata é extremamente original na temática, desde os encantamentos à finalidade deles, representando uma magia muito mais simbólica e atrelada à natureza e aos elementos.
Este, aliás, é um dos meus aspectos favoritos na leitura, me surpreendendo positivamente pela quantidade de informações tão diversas do que costumamos consumir por aqui (considerando que a mitologia igbo sequer é considerada na nossa cultura ocidental), mas ao mesmo tempo expressas de forma muito tangível. O sobrenatural age como o elo entre todas as demais nuances do livro e é utilizado em todos os detalhes.
Okorafor trabalha a magia leopardo inserindo receitas, vestimentas, tradições e relacionando inclusive situações cotidianas a uma aura mágica, nos transportando a um lugar de possibilidades infinitas que costumam ser contempladas somente na infância. E é com esse olhar atencioso aos detalhes que a autora nos conquista a todo momento com aventuras, monstros, desafios e vilões que conseguem surpreender até o leitor mais habitual de fantasia.
A história em si não inventa a roda, é linear e gera as expectativas naturais do gênero young adult, mas surpreende pela criatividade e pelos elementos desconhecidos - para nós - que utiliza. Mesmo imaginando como algumas coisas aconteceriam, em vários momentos me peguei ansiosa para descobrir o que aconteceria a seguir e torcendo para Sunny ficar bem. Foi esse tipo de sentimento, de aproximação com a narrativa, que a Nnedi Okorafor conseguiu provocar com enorme habilidade, tornando Bruxa Akata um livro gostoso de ser lido, uma raridade entre tanta mesmice.
Bruxa Akata deixou uma urgência em conhecer a fantasia sob novas expressões culturais e mostrou como são infinitas as possibilidades quando se trabalha com mitos, lendas e costumes que fogem do lugar comum eurocêntrico, apostando nas tradições e em uma escrita empática, leve e graciosa para contar uma história digna de ser conhecida. O livro tem uma continuação ainda não publicada no Brasil. Vamos torcer pela continuação da história de Sunny.
Ficha técnica:
Nome: Bruxa Akata
Autora: Nnedi Okorafor
Série: Bruxa Akata vol. 1
Editora: Galera Record
Tradutor: João Sette Câmara
Número de Páginas: 322
Ano de publicação (no Brasil): 2018
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