Uma narrativa poderosa coloca a dinâmica social em cheque ao reposicionar a mulher como dominante.
Sinopse:
O que você faria se tivesse o poder em suas mãos?
“Jogos vorazes encontra O conto da aia.” (COSMOPOLITAN)
Em um futuro próximo, as mulheres desenvolvem um estranho poder: elas se tornam capazes de eletrocutar outras pessoas, infligindo dores terríveis... até a morte. De repente, os homens se dão conta de que não estão mais no controle do mundo.
“Um olhar fascinante no que o mundo poderia ter se tornado se o sexismo dos últimos milênios tivesse tomado rumos diferentes. Engenhoso... merece ser lido por todas as mulheres (e, claro, por todos os homens).” (THE TIMES)
“O poder é uma leitura explosiva.” (FINANCIAL TIMES)
“Um romance envolvente, que nos obriga a encarar uma distopia que já existe... e que está entre nós há séculos.” (MICHAEL SCHAUB, NPR)
Alerta de gatilho: violência explícita e estupro.
Crise e ruptura
"Elas entenderam a força que tinham, todas ao mesmo tempo."
Naomi Alderman tem sido reconhecida como uma das autoras mais promissoras e talentosas da ficção especulativa pelo mundo. O Poder, um romance inspirado nas narrativas de Margaret Atwood - e apoiado pela própria - foi eleito um dos melhores livros de 2017, recebendo menções, inclusive, do ex-presidente Barack Obama. Com tanto gabarito, O Poder nos pareceu uma escolha óbvia para representar um lançamento de 2018 (no Brasil).
Prosseguindo, então, com o nosso desafio #LeiaMulheres, precisamos relacionar a nossa proposta e o conteúdo trazido por nós à situação atual da mulher no cenário mundial. A verdade, por mais dolorosa, é que apesar de tantos avanços científicos e dos inúmeros movimentos lutando pela equidade de gêneros, tratamentos igualitários, políticas de conscientização a respeito da violência contra mulheres e dos males do machismo para toda a sociedade, apesar de tudo isso, estamos retrocedendo enquanto humanidade. O discurso anti-feminismo e a disseminação do ódio por mulheres tem se proliferado em diversas camadas sociais, de ricos a pobres de todas as faixas etárias. Estamos levando a culpa por coisas inimagináveis, e o pior é que já vimos tudo isso acontecer em todos esses séculos de luta.
Ok, mas por que eu estou falando sobre isso? Além da reflexão, o ponto é que estamos chegando em um momento perigoso, onde tensões se acumulam e levam a mais violência, mais ódio e, consequentemente, aos caos. O Poder entra nesse exato momento.
O fim do patriarcado
"Você pode voltar atrás na ordem que deu ao relâmpago?"
O Poder tem uma escrita bem peculiar. Esse é o primeiro elemento na construção de uma narrativa preocupando-se em conectar todos os detalhes e esforçando-se para alcançar uma atmosfera factível. Naomi Alderman foi mentoreada por Margaret Atwood, uma das maiores autoras de ficção especulativa da atualidade, e carrega fortes influências de O Conto da Aia.
Alderman aposta em seu talento para trazer os elementos da própria escrita para dentro da história, transformando a estrutura narrativa em um dos elementos-chave para a compreensão do plano geral. Funciona assim: iniciamos a leitura com uma espécie de contagem regressiva que não entendemos onde vai chegar, até porque, bloco após bloco dessa regressão, especialmente nos primeiros, não sentimos que essa coisa - seja lá o que for - está chegando. Falta quanto tempo para quê? Observamos as transformações da sociedade, das mulheres e dos homens e das relações, mas não conseguimos visualizar a linha de chegada. O mistério vai se desvelando conforme vamos entendendo, naturalmente, a gravidade da situação.
Outra questão importantíssima nessa escrita peculiar da Alderman é a troca de cartas que ocorre logo no começo do livro e, posteriormente, ao final, além das inúmeras ilustrações e comentários. Tudo é construído como um livro de relatos supostamente reais, históricos, que abriga quatro pontos de vista sobre a situação, acompanhando as personagens Allie, Roxy, Tunde e Margot.
"Por baixo de cada história, existe outra história. Existe uma mão dentro da mão. Existe um soco dentro de cada soco."
No entanto, e aí talvez seja uma questão de gosto estilístico, a forma escolhida por Alderman para a narração é um tanto incômoda, travada, cheia de quebras, repetições e pontos finais. A sensação deixada para o leitor é a de um trabalho pobre em coesão textual, forçando o leitor a interromper o ritmo narrativo a todo momento. Os capítulos são curtíssimos e as frases menores ainda. No fim das contas, o que me impressionou mesmo foi a utilização da metalinguagem e da sábia construção de referências e utilização da estrutura narrativa como ponto de vantagem para a própria história. Na escrita em si acredito que a autora ainda poderia evoluir muito.
Agora, falando brevemente das personagens, somos apresentados a quatro protagonistas completamente diversos entre si e igualmente importantes para o cenário geral, cada um em sua esfera de atuação.
Todos são muito bem desenvolvidos, com destaque para Tunde, o único homem observado de perto. É pela perspectiva dele, inclusive, que acontecem algumas das cenas mais violentas e chocantes de O Poder. Tunde é um jornalista comprometido a mostrar ao mundo inteiro o que realmente está acontecendo, o que estão fazendo com as mulheres e o que as mulheres estão fazendo com os homens. É uma perspectiva mais brutal porque, na condição de homem, Tunde é rapidamente transformado em antagonista. A autora fez um trabalho excelente em trabalhar com a visão masculina sobre o assunto.
Além de Tunde, temos também Margot, uma política bastante interessada na utilização do Poder em sua campanha, Roxy, uma jovem famosa por sua família de mafiosos, e Allie, que serve como ponto central e difusor de toda a ideologia que a história carrega. Allie interliga tudo e, em lado oposto a Tunde, é através dela que vem a nossa compreensão do que está acontecendo. As personagens são carismáticas, especialmente Roxy e Tunde, e os pontos de vista vão se intercalando até construir a narrativa completa, tentando cobrir todas as questões abordadas.
"A única onda que muda tudo é o tsunami. Você tem que demolir as casas e arrasar a cidade se quiser ter certeza de que ninguém vai te esquecer."
Então chegamos na parte principal: a história. Retomando a introdução, por que falar sobre os anos de abuso sofridos pelas mulheres e que continuam a sofrer diariamente? Por que falar sobre feminismo e sobre a nossa luta? Bom, O Poder é, essencialmente, um livro feminista. Ocorre uma inversão de papéis sociais no mínimo polêmica, talvez até mesmo problemática, dependendo do ângulo pelo qual analisamos a obra. É importante salientar, portanto, que os abusos a que somos submetidas podem ter consequências catastróficas e, talvez, irreversíveis para todos, homens e mulheres.
Em O Poder, o patriarcado quebra diante da habilidade elétrica recém descoberta nas mulheres, que gradativamente, por meio de inúmeras rebeliões, tomam o poder na base da lei do mais forte. O movimento ganha força a partir do momento em que uma seita, uma releitura bíblica ressignificando toda a Criação e colocando Maria como figura central (a mãe, não o filho), assume as rédeas da situação como principal conselheira, assim como a Igreja sempre fez. A partir daí é ladeira abaixo e a história se torna muito ágil e violenta, cheia de cenas explícitas e, devo dizer, bem chocantes. Como seria, afinal, se as mulheres instaurassem o matriarcado?
É perceptível o porquê de O Poder ter sido considerado um dos melhores livros de 2017, afinal, ele toca em questões que ninguém quer sequer pensar, muito menos debater, e expõe mazelas sociais profundas causadas por séculos de machismo, feridas essas que doem justamente pela inversão de sujeitos dominantes. Alderman soube utilizar todos esses recursos e entregou um trabalho que merece, e muito, ser lido com calma e com uma boa reflexão crítica.
Ficha técnica:
Nome: O Poder
Autora: Naomi Alderman
Editora: Planeta
Gênero: Ficção especulativa
Tradutor: Rogério Galindo
Número de Páginas: 368
Ano de lançamento (no Brasil): 2018
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