Esta é a autobiografia de Marjane Satrapi. Ela vivenciou inúmeras mudanças sócio-políticas no Irã, precisando lidar com a Revolução Islâmica enquanto se tornava uma adolescente. Vamos ver as alegrias, as tristezas, as dúvidas e as angústias de uma jovem que só desejava se expressar em uma sociedade fechada.
Sinopse:
Marjane Satrapi tinha apenas dez anos quando se viu obrigada a usar o véu islâmico, numa sala de aula só de meninas. Nascida numa família moderna e politizada, em 1979 ela assistiu ao início da revolução que lançou o Irã nas trevas do regime xiita - apenas mais um capítulo nos muitos séculos de opressão do povo persa. Vinte e cinco anos depois, com os olhos da menina que foi e a consciência política à flor da pele da adulta em que se transformou, Marjane emocionou leitores de todo o mundo com essa autobiografia em quadrinhos, que só na França vendeu mais de 400 mil exemplares. Em Persépolis, o pop encontra o épico, o oriente toca o ocidente, o humor se infiltra no drama - e o Irã parece muito mais próximo do que poderíamos suspeitar.
Essa foi a minha primeira experiência com um quadrinho autobiográfico (isso se eu tirar A Arte de Charlie Chan Hock Chye, que não é bem uma autobiografia). Sem dúvida alguma é uma história que precisava ser contada e não apenas é o relato das mudanças sociais dentro de um país como as angústias de uma menina passando pelas transformações típicas da adolescência para a vida adulta. Marjane conta estas histórias ora com um tom irônico, ora com um tom sério. É clichê falar dessa forma, mas creio que nesse caso seja completamente válido afirmar que esta é uma daquelas HQs que precisam ser lidas.
É muito curioso quantos links podemos fazer com a situação de nosso próprio país neste momento. Isso porque a Revolução Islâmica aconteceu de forma a atender os anseios de uma população cansada de um regime que já não tinha o mesmo efeito sobre a vida das pessoas. Um regime que estava viciado com várias denúncias de corrupção feitas pelas pessoas. Surge uma alternativa com base na ala religiosa do país apoiados por uma ala ligada aos ideais socialistas. O que se vê são manifestações, greves e pedidos de saída da monarquia. Quando este sai do poder vemos um país mudando de uma hora para outra. O que começa como euforia em pouco tempo vai se tornando apreensão até se tornar uma violência escancarada com a oposição sendo dizimada progressivamente. O curioso disso tudo é que estou fazendo um parágrafo absolutamente histórico, mas é a narrativa de Satrapi que toma lugar e através das experiências cotidianas dela é que vemos estes fatos acontecerem.
A nossa protagonista vem de uma família progressista e libertária. Então é até lógico que a filha também o fosse. Quando a revolução toma conta e ela passa a ser obrigada a seguir os preceitos islâmicos, é claro que ela vai questionar. Porém, a sociedade vai se fechando pouco a pouco e a minoria que reage às mudanças vai sendo debelada até se acostumar com o novo regime. É aí que vemos como é uma sociedade fechada onde as pessoas não possuem liberdade. O problema geral não é necessariamente o governo já que ele não pode estar em todos os lugares ao mesmo tempo. Seu vizinho se torna a ameaça já que ele deseja obter favores do governo que logo se torna corrupto. A fachada de libertador dá lugar à verdadeira vocação do mesmo que é o medo e a intimidação. O anseio e o desejo da população dão lugar à submissão. E a nossa protagonista acaba sendo sufocada por essa sociedade que não lhe dá o espaço.
Porém, é preciso levar em consideração que a história também é uma jornada de amadurecimento de Satrapi. Ela vai formando o seu caráter com as experiências vividas. E como qualquer ser humano, nem sempre vamos concordar com suas decisões. A honestidade da narrativa da autora é encantadora até porque ela poderia ter romantizado sua vivência. Não o fez. Isso deu verossimilhança e confiabilidade em seus relatos. Passamos pela angústia de ter de mudar de casa, de conhecer o amor e de lidar com fracassos. Sua estadia na Europa foi um fracasso retumbante, mas ajudou-a a seguir em frente com seus estudos e a lidar com suas questões. A partir de diversas situações como o namorado, o grupo de alunos pseudo-intelectuais e ter de lidar com a moradia vemos a personagem crescendo e florescendo. Talvez para mim um dos melhores trechos seja quando ela realmente está na sarjeta e acaba indo parar em um hospital. É ali que ela aceita seus limites e realiza o que precisa fazer.
No fundo, se pararmos para pensar, sua história é muito cíclica. Ela nunca deixa de ser uma iraniana (na verdade, uma persa) em seu coração. Sua luta é interna, para aceitar sua herança e lutar por seus direitos. Em vários momentos ela é uma agregadora, ao conversar com suas colegas sobre questionar o status quo. Seu pensamento como mulher é incrível e a forma como ela faz as coisas acontecerem é inspiradora. Lógico que nem tudo dá resultado e em algumas ocasiões ela acaba se envolvendo em problemas. Isso é ser humano. Mas, acho que mais do que tudo, Satrapi é uma mulher em busca do seu espaço. No final, ela se empodera e sabe o seu espaço social e como abri-lo para combater o preconceito de gênero.
A história de Persépolis é encantadora. Triste, em alguns momentos, mas que história de vida não é triste? Com muita sensibilidade e autoridade, a autora nos traz uma história poderosa sobre um lugar em nosso planeta onde a busca de um povo redundou em algo ruim para um grupo de pessoas. E como é possível lutar contra o que achamos ser errado em prol de nossos direitos.
Ficha Técnica:
Nome: Persépolis
Autora: Marjane Satrapi
Editora: Quadrinhos na Cia
Gênero: Autobiografia
Tradutor: Paulo Werneck
Número de Páginas: 352
Ano de Publicação: 2007
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