Em 1944, durante a Segunda Guerra, uma enorme mentira ajudou a salvar milhares de judeus que estavam confinados na embaixada da Espanha. A ação de um homem que ficou em segredo durante décadas. E agora, Giorgio Perlasca recebe o seu devido reconhecimento. Mas, vocês já ouviram falar do herói invisível?
Todos já conhecemos a história de Anne Frank. O quanto ela sofreu durante as perseguições nazistas na Alemanha da Segunda Guerra Mundial. Como ela se escondeu em um sótão e foi conduzida mais tarde a um campo de concentração. Também conhecemos a história de Schindler, alguém que procurou ajudar judeus a fugir das perseguições. Steven Spielberg dirigiu um filme maravilhoso sobre o tema. Mas, além desses personagens, existiram muito outros que tiveram maior ou menor influência sobre os destinos dos prisioneiros de guerra. Uma dessas histórias é a de Giorgio Perlasca e que foi contada neste emocionante relato. A importância de um livro como esse é a de valorizar os sacrifícios deles diante de tamanha violência perpetrada ao longo da guerra.
Perlasca era um oficial italiano que atuou a serviço da Espanha por muito tempo. Ele acabou sendo deslocado para Budapeste, na Hungria, por volta de 1944 e acabou confinado por lá. Quando a guerra estourou ele não tinha os documentos necessários para retornar para a Itália. E, para piorar, quando a Itália se rendeu aos Aliados, os italianos que estavam em locais sob controle dos nazistas passaram a ser perseguidos como traidores. Perlasca trata então de procurar ajuda junto à embaixada espanhola na cidade e usa seus atalhos para obter documentos necessários para sua saída. Por causa de sua situação, o embaixador Sanz Briz oferece uma mudança de nacionalidade a ele, encurtando um longo processo que tomaria dois anos. Antes de sair da cidade, Perlasca tem uma mudança na consciência, percebendo o grau de violência dos nazistas diante dos judeus. Ele decide então ajudar o embaixador a cuidar das casas protegidas por ele que continham judeus confinados. Ele teria que levar alimentos e conferir o estado de saúde e psicológico de todos. Além de se informar quanto aos ataques de nazistas a esses locais.
Esse novo "trabalho" de Perlasca vai ser repleto de dificuldades e obstáculos. Chefes de polícia corruptos, nazistas vingativos que não se importam com documentos oficiais, abrigados que estão desesperados para sair ou ter notícias de seus familiares. Mas, talvez o maior obstáculo para ele vai ser quando a Espanha decide fechar sua embaixada em Budapeste. Sanz Briz é chamado para comparecer a Berna e Perlasca fica livre para retornar para sua terra natal. Mas, e as casas protegidas? Bem, estas não tem mais o aval do governo madrilenho e vão ser abandonadas à própria sorte. É aí que entra a coragem do protagonista desta história. Ele decide ir até o responsável por administrar a cidade e cria uma enorme mentira alegando que Sanz Briz apenas foi obter novas instruções na Suíça e ele, Perlasca, foi deixado como responsável temporário pela embaixada. Uma mentira que o coloca na linha de fogo, caso os húngaros descubram o que realmente está acontecendo.
Para termos uma ideia, Perlasca ajudou a proteger mais de três mil judeus. Números falam mais alto do que palavras, às vezes. E é esse número que o torna um herói. Mas, mesmo que fossem 10 ou 20, isso não diminuiria sua importância. O que chama a atenção no relato é a simplicidade que Perlasca mantém antes, durante e depois do ocorrido. Isso porque ele manteve esta história para si por décadas. Não por causa de um orgulho infundado, mas pela sua crença de que o que ele fez foi algo que qualquer um teria feito em seu lugar. Essa simplicidade na maneira de encarar o que foi, de fato, as ações de uma pessoa justa é tocante. Só ficamos sabendo dessa história porque alguns sobreviventes de Budapeste buscaram-no décadas mais tarde. No posfácio do livro, o filho de Perlasca comenta sobre o choque que ele teve quando teve contato com os sobreviventes e do carinho que eles nutriam por seu pai.
O livro é um bom relato narrativo apesar de eu não ter curtido muito a forma como ele foi contado. Como se trata de um livro baseado em um relato, um exemplo de história oral, teria sido possível explorar mais os sentimentos do entrevistado. Em vários momentos, o livro parece um relato factual cru. Tem alguns capítulos bem legais mostrando o ponto de vista de Helga e Eva, duas sobreviventes de Budapeste que parecem ter emprestado algumas de suas impressões sobre o período. No mais, parece que A fez isso, depois A fez aquilo, B respondeu com isso. Dá uma truncada na forma como a gente se relaciona com a narrativa. Mesmo assim, é um relato emocionante e eu tive minha cota de ciscos no olho.
O Herói Invisível me fez colocar minha vida em perspectiva. O que eu estou fazendo pelos outros? Depois que a narrativa de Perlasca ganhou o mundo, ele precisou ir a diversos eventos de divulgação, participar de entrevistas. Mas, talvez o mais representativo foi o reconhecimento que lhe foi dado por Jerusalém. Ele foi reconhecido como um homem justo e teve uma árvore plantada em seu nome no Yad Vashem. Isso tem um enorme valor na religião judaica, representando um dos motivos pelos quais é dito na Torá que Deus não destruiria a Terra, tomada de pecadores. É pela presença de homens como Perlasca, que doam suas vidas a uma causa nobre, imaginando estarem apenas realizando o que qualquer um de nós faria em seu lugar.
Novamente eu me pergunto: o que estou fazendo pelos outros? Não digo que deveria haver outro conflito de igual gravidade para passarmos por provações. Nada disso. O que eu acho é que hoje nos tornamos enclausurados em nossas próprias vidas e individualidades e nos esquecemos do próximo. Em uma época de pandemia global, torço para que bons homens como Perlasca possam fazer o que qualquer um de nós faria. Que possamos refletir sobre nossas ações e entender que o mundo precisa que sejamos capazes de realizar boas ações. Por menores que elas sejam, qualquer coisa que façamos pelo próximo sem nos importarmos com status, fama ou dinheiro, é alimento para nossos corações.
Livro Citado:
Ficha Técnica:
Nome: O Herói Invisível
Autores: Luca Cognolato e Silvia del Francia
Editora: FTD Educação
Gênero: Relato/Não-Ficção
Tradutor: Maurício Santana Dias
Número de Páginas: 168
Ano de Publicação: 2015
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