Na coluna de hoje, o que vocês acham de sair da nossa zona de conforto literária e explorar novos ares? Será que isso nos ajuda em nossa escrita? Ou apenas polui o que escrevemos? Se segurem aí, que vamos em busca de lugares inexplorados.
Pessoas Queridas,
Dias atrás, neste post, nosso anfitrião Paulo Vinícius sugeriu que o conto pode ser um bom formato para o escritor se aventurar por novos caminhos. Parto daí para falar um pouco mais sobre essas jornadas fora da trilha: os textos em que inovamos, experimentamos e/ou, de qualquer forma, deixamos a nossa zona de conforto.
Mas peraí... O que você quer dizer com zona?
Eu explico. Não sei se isso se aplica a todos os escritores, pois cada trajetória é única, mas acredito que a maioria de nós tem um “território” dentro do qual se move em segurança. As fronteiras não são estritamente demarcadas: você pode se sentir confortável escrevendo sobre determinados temas, dirigindo-se ao público jovem, usando a primeira pessoa, fazendo referência à cultura pop e/ou essas e várias outras coisas ao mesmo tempo.
Um dos aspectos mais marcantes desses territórios costuma ser o gênero literário. Mesmo para quem escreve em vários, quase sempre há um que predomina. No meu caso é a fantasia épica; na verdade, poucas vezes saí de baixo do grande guarda-chuva que é a Literatura Fantástica. E, tanto dentro quanto fora de nosso “nicho”, há escritores cuja simples menção evoca a ficção científica, o terror, o thriller de investigação ou os romances para adolescentes, mesmo que escrevam também outros tipos de obra.
O empenho em consolidar seu nome pode levar um autor a se concentrar num gênero, num tema, num segmento do público. Assim, corre o risco de perder leitores, quando estes “enjoam” do seu trabalho ou mudam de interesse; isso é um problema para os que, como eu, têm apenas dezenove leitores e meio. No entanto, os que possuem uma base maior de fãs podem contar com ela para continuar consumindo e divulgando seu trabalho. Talvez seja por isso que os autores de best sellers sempre são usados como exemplo quando se trata de criticar o uso das famosas “fórmulas literárias”.
E, talvez pela mesma razão, tanto alguns desses mesmos autores quanto aqueles que ainda batalham por um lugar ao sol sentem necessidade de inovar, de se desafiar e de buscar novos caminhos para sua escrita.
E aí? Invisto ou não?
Antes de decidir, é preciso que você pense bem: deve haver pelo menos uma razão, uma motivação para sair da zona de conforto. Ela é... bem, é muito confortável. Eu, por exemplo, continuo adorando escrever os livros e contos de Athelgard, e pretendo fazer isso até o fim dos meus dias. No entanto, por mais que eu goste do meu universo fantástico, e ainda que os livros da série vendessem como água e dessem origem a toda uma franquia da qual eu pudesse viver, não teria como ignorar o chamado do Grande Mestre das Sagas:
Existem outras histórias dentro de mim, e eu tenho que contá-las.
Ficou esquisito, né? OK, esqueça isso de Grande Mestre das Sagas. É só um jeito de dizer que eu crio essas histórias e algo dentro de mim me faz querer escrevê-las. E não sou a única. Para citar apenas dois nomes, J. K. Rowling, que conseguiu tudo que mencionei em escala master, publica uma série policial sob o nome de Robert Galbraith; Nora Roberts é também J. D. Robb, autora da série policial futurística In Death (Mortal, no Brasil). Precisou que sua agente convencesse os editores a publicar algo diferente dos seus romances habituais, e só mais tarde revelou quem era. Talvez não o tivesse feito se a série fosse um fracasso de vendas. Mas escreveu o que tinha vontade de escrever – e isso, acredito, está na base de todas as boas histórias.
Tudo bem, você dirá. Essa vontade é um motivo válido. Mas e se ela não existir? E se você criou um universo fantástico, cheio de possibilidades, e só não mora nele porque não achou a passagem secreta? E se você curte escrever hot, chick lit ou policiais e não faz questão de experimentar outros gêneros? E se você está à vontade e satisfeito com o jeito como escreve?
Se for esse o caso, digo com tranquilidade: não há problema nenhum. Seu trabalho pode evoluir mesmo assim, ser bom e relevante e até mesmo inovador, pois talvez seu território inclua temas e abordagens diferentes dos que se encontram por aí. No entanto, saiba que sair da zona de conforto é sempre um bom exercício; você irá pesquisar novos assuntos, praticar a disciplina e aprender a enfrentar a frustração diante da tela em branco (sim, porque o texto não flui tão fácil fora dos nossos domínios!). Também irá aperfeiçoar sua narrativa, corrigir vícios de escrita, encontrar uma nova voz, ou várias. E, em meio ao esforço e às descobertas dessa aventura literária, é bem possível que as musas te inspirem a produzir coisas incríveis.
Além desse ponto, digamos, subjetivo, não podemos esquecer a parte prática. As oportunidades de publicação se multiplicam ao sair da zona de conforto; há concursos, coletâneas e linhas editoriais em que talvez você possa se encaixar, e assim terá uma chance de conquistar um público diferente do habitual. Tenho experimentado isso com os meus contos fora do universo Athelgard, principalmente os que costumo chamar de “Lado B”, onde exploro um aspecto mais sombrio da minha imaginação. Muita gente que não lia fantasia épica acabou me conhecendo através de contos como este ( https://trasgo.com.br/rosas/) e se interessou por meus outros trabalhos.
Rosas e espinhos
Embora, a meu ver, sair da zona de conforto ofereça mais prós do que contras, algumas pedras sempre podem surgir no caminho. Lembro-me de um autor com quem conversei anos atrás, que tinha feito relativo sucesso com fantasia épica e hesitava em escrever um romance mais realista. Como ele, vocês também podem se questionar:
- E se os meus leitores não curtirem essa mudança? E se meu trabalho não for bem aceito e eu tiver problemas?
Na verdade, como eu disse várias vezes, publicar é dar a cara a tapa. Quer você inove loucamente, quer não ponha nem o dedão do pé fora do seu território, leitores podem comparar o novo trabalho com o anterior e não gostar; é sempre uma aposta. No entanto, é possível minimizar os riscos, como fizeram os editores de Nora Roberts. Imagine que você escreveu um livro sobre bruxaria, mas é um jovem que ainda vive com os pais, e eles são extremamente religiosos; ou é autora de livros infantis, e sabe que os pais e professores pensariam duas vezes antes de comprá-los se vissem que você também publicou “Meu Caminhoneiro Malvado”. Se algo assim acontece com você, não esmoreça, use um pesudônimo e seja feliz – mas em qualquer situação esteja preparado para as críticas, pois obras diferentes podem trazer reações diferentes, principalmente se o público leitor também for outro. Percebi isso quando escrevi minha única obra sob pesudônimo (disclaimer: não é o livro do caminhoneiro).
- Mas e se eu empenhar meu tempo, meu esforço, e o resultado não for bom?
Nesse caso, respire fundo e acredite: valeu a intenção da semente. Não afirmo que deve persistir, porque isso é uma escolha sua. Conheço autores que fizeram algo diferente do usual, acharam que não ficou bacana e voltaram a escrever na zona de conforto, e isso lhes trouxe reconhecimento e satisfação. No entanto, se você se dispuser a tentar de novo, sugiro que se lembre disto: mesmo os textos que floresceram em seu território seguro não surgiram prontos. Você foi se aperfeiçoando, adquiriu ferramentas que o ajudaram a melhorar, e com certeza também não acertou de primeira. Mais ainda: não vai acertar sempre. Então, seja com as obras produzidas na zona de conforto, seja com aquelas em que você se arriscou, sua cara tem de continuar preparada para o tapa. Ou para o afago, ou para as duas coisas. Não há como saber.
Por fim, àqueles que começam agora a se aventurar, deixo algumas dicas:
Para se afastar deliberadamente da zona de conforto, comece por fazer algo que tenha uma conexão com o que você já escreve. Uma mudança muito radical de gênero e, principalmente, de estilo é um desafio maior do que explorar um novo tema ou cenário; você pode cruzar uma ponte, em vez de dar um salto no escuro.
Contos e outros formatos curtos são realmente melhores para começar, e permitem que você tenha várias e diferentes experiências. Além disso, servem para saber quais são os temas, os gêneros, a linguagem com os quais você tem mais afinidade, perceber o que dá ou não resultado, sem despender o tempo e o esforço necessários a escrever um texto mais longo.
Se você tem uma história na cabeça querendo sair, esqueça as dicas acima. Escreva o que for muito diferente do habitual, escreva se for longo, escreva de qualquer jeito.
Participar de coletâneas pode ser uma boa motivação, pois já fornece algumas diretrizes dentro das quais escrever.
A médio e longo prazo, você pode alternar entre (ou trabalhar simultaneamente em) textos que estejam dentro da sua zona de conforto e outros que representem desafio maior. Isso irá manter você confiante e garantir alguma produção enquanto você conquista novos territórios. E variar entre histórias é bom exercício para a imaginação e a criatividade.
Por fim, o mais importante. Lembra-se daquele trecho que ficou perfeito, inspirado pelas musas? Tenha-o sempre à mão e o releia quando duvidar de que seus esforços valem a pena.
Sim. Escrever vale a pena. E você sabe o porquê.
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Opto por sair da zona de conforto desde o começo, seja em explorar leituras mais densas e diferentes da fantasia, ou arriscando em escrever de forma diferente. Não só em gênero, tento ainda escrever em outros estilos, misturando diálogos com narrativa, ora narrando em primeira pessoa, minha favorita, mas em outras histórias eu aceito a utilidade da terceira pessoa.
Acredito que as minhas melhores leituras foram feitas fora da zona de conforto. Por exemplo: eu jamais leria Homens Imprudentemente Poéticos e amado a escrita de Valter Hugo Mãe se não fosse assim. Eu tive um conto selecionado pela Lendari ao arriscar em narrar sob fluxo de consciência e usar uma referência a Machado de Assis nesta história de terror ambientada…
Opto por sair da zona de conforto desde o começo, seja em explorar leituras mais densas e diferentes da fantasia, ou arriscando em escrever de forma diferente. Não só em gênero, tento ainda escrever em outros estilos, misturando diálogos com narrativa, ora narrando em primeira pessoa, minha favorita, mas em outras histórias eu aceito a utilidade da terceira pessoa.
Acredito que as minhas melhores leituras foram feitas fora da zona de conforto. Por exemplo: eu jamais leria Homens Imprudentemente Poéticos e amado a escrita de Valter Hugo Mãe se não fosse assim. Eu tive um conto selecionado pela Lendari ao arriscar em narrar sob fluxo de consciência e usar uma referência a Machado de Assis nesta história de terror ambientada…
Adorei a abordagem. Realmente, escrever o que se conhece ou se aventurar? É um desafio ao qual todo escritor deve responder em determinado momento de sua carreira. Eu me aventurei a sair da minha zona de conforto (o terror) e só ganhei com isso. Cresci como escritor e conquistei amigos em círculos onde não frequentaria se escrevesse apenas no meu mundinho. Grato pelo seu artigo :)
Falar em "Zona de Conforto" para escritores brasileiros já é interessante rsrs, mas entendo a sua posição. Meu percurso pela Literatura segue o mesmo padrão de leituras, se achar o tema interessante, mergulho. Talvez por isso comecei escrevendo contos e publiquei o primeiro profissionalmente em uma antologia Medieval. Depois passei para filosofia urbana, critica social, humor irônico, terror, cyberpunk, steampunk, policial, fantasia, até chegar nos romances. Escrevi sobre temas como "O Jogo" que navega nas fronteiras da fantasia e da filosofia e "Sobreviventes" que mistura distopia cyberpunk com vampiros e transmorfos, sem deixar de lado os contos curtos ou longos de FC e Policial, FC e Realismo Fantástico, e outros temas que me interessam e para os quais me dão…