A partir da leitura da coletânea Vinte e Um, escrita por Nelson de Oliveira, queria falar um pouco sobre a habilidade de contar histórias curtas.
Histórias curtas representam uma janela para a mente de um autor. São narrativas rápidas que podem ter desde uma ou duas páginas até trinta (dependendo do editor). Parece um tipo simples de escrita onde não existe uma preocupação com a grande narrativa ou com o desenvolvimento de personagens. Só parece mesmo. Para muitos escritores, escrever contos é mais complexo do que parece. Não é nem um pouco incomum um bom escritor de narrativas longas ser um péssimo contista. E vice-versa. De um ano para cá, eu venho lido os trabalhos de um autor chamado Nelson de Oliveira, alguém que já possui décadas de estrada no mundo literário e que, para o meu completo azar, eu só fui conhecer recentemente. Lógico que como um bom amante de ficção especulativa eu já tinha ouvido falar do trabalho dele, mas com aquela aura de grandiosidade que acaba te afastando um pouco de ler. Aquele nosso receio tolo de imaginar que nunca estamos preparados o suficiente para um Dostoievski, um Tolstói... bem, para mim era o Nelson de Oliveira, o Haruki Murakami, o Saramago.
Pois, bem, tive a felicidade de conhecer outra pessoa que acabou me apresentando (digitalmente) o Nelson de Oliveira e hoje tenho a felicidade de ter uma parceria com ele. Desde então tenho recebido materiais sensacionais da Patuá e do próprio autor. E, como se tratam de leituras de parceria, eu tenho que ler os materiais para cumprir meus compromissos. Tive que superar os meus receios. É então que eu me deparei com uma constatação: Nelson de Oliveira/Luis Brás é principalmente um contista. Através de suas histórias ele explora diferentes narrativas ou simplesmente realiza experimentos semânticos. Se você ainda não leu nada do autor, leia. Ele consegue dizer muito mais em histórias curtas do que eu já vi em narrativas mais longas.
Para usar alguns exemplos do que ele pode fazer, eu peguei o livro Vinte e Um, um conjunto com vinte e uma narrativas curtas. Em Fábula Rasa, ele emprega o estilo de construção de um conto de fadas para satirizar a história de Branca de Neve. Isso é o que parece óbvio em um primeiro momento, mas o que o conto realmente esconde é que o autor brinca com a habilidade de criar nomes para personagens e se referir a eles durante a narrativa. Temos o hábito de sempre buscar um referencial quando alguém emite uma oração. Mas, e se o referencial não é tão claro? E se as frases forem jogos de palavras labirínticas que tiram a sua percepção de de onde a frase está sendo emitida? Essa é a brincadeira escondida nesse conto.
Já em Doce Dilema Azul de Bolinhas Amarelas ele mais uma vez brinca com o referencial. Mas, aqui a ideia é fazer uma espécie de telefone sem fio. Fulano disse para beltrano que disse para ciclano o que ele não entendeu que fulano disse. Boa parte de nossas mensagens se perdem à medida em que a levamos a outras pessoas. Homens tem extrema dificuldade com detalhes. Isso é algo cientificamente comprovado. O que acontece é que quando uma mensagem sai de um ponto A, com certeza ela terá uma outra conotação quando chegar ao ponto E. No conto ao final a pessoa que recebe as informações desiste de tentar entendê-las porque elas não fazem mais o menor sentido.
Crime e Castigo é outra brincadeira com como a fidelidade da recepção de uma mensagem depende muito da idoneidade de alguém. Temos um inspetor buscando resolver vários mistérios. Mas, suas conclusões são sempre as mais absurdas possíveis. Ora, se o culpado não é encontrado, por que eu deveria acreditar em quem se diz ao lado da lei? Vivemos em um país onde a lei é relativa e obedece a quem pode ou tem mais. Isso está refletido nas brincadeiras semânticas feitas por Nelson ao londo das sete páginas do conto. A ideia não é te mostrar uma narrativa com início, meio e fim, mas te fazer refletir sobre uma condição básica do brasileiro vivendo uma franca desigualdade social.
O que eu posso afirmar após a leitura de Vinte e Um é o quanto eu curto contos. Acho que nós, leitores de gênero, ainda não temos um apreço tão grande aos escritores que vivem dessa arte. É, sem dúvida, uma experiência diferente dos tijolos de setecentas páginas. Digo mais: boa parte dos contos que eu li do autor eu precisei ler mais algumas vezes de forma a buscar as mensagens escondidas, os easter eggs. São leituras mais longas do que parecem em um primeiro momento. A capacidade criativa do autor, sua habilidade de aproveitar ao máximo o pouco espaço contido em um conto demonstra a sua imaginação, sua capacidade de compressão.
Obras como Vinte e Um e Às Moscas, Armas são verdadeiras aulas de como escrever contos. Sempre recomendo a um autor iniciante que produza contos como uma forma de treinar sua habilidade de escrita. Para os experientes, um conto pode servir como um espaço para testar coisas novas. E que tal aprender com um mestre? Fica aqui a dica dessas ótimas coletâneas.
Livro citado:
Ficha Técnica:
Nome: Vinte & Um
Autor: Nelson de Oliveira
Editora: Patuá
Gênero: Ficção Especulativa
Número de Páginas: 168
Ano de Publicação: 2020
*Material enviado em parceria com a Editora Patuá
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