Na última animação feita por Isao Takahata, vamos conhecer a lenda da princesa Kaguya. Nascida de um broto de bambu, ela é criada no campo até o momento em que ela é levada com toda a pompa para a grande cidade. Mas, Kaguya sente falta da vida simples do campo onde todas as cerimônias e formalismos não existiam.
Sinopse:
Esta animação é baseada no conto popular japonês “O corte do bambu”. Kaguya era um minúsculo bebê quando foi encontrada dentro de um tronco de bambu brilhante. Passado o tempo, ela se transforma em uma bela jovem que passa a ser cobiçada por 5 nobres, dentre eles, o próprio Imperador. Mas nenhum deles é o que ela realmente quer. A moça envia seus pretendentes em tarefas aparentemente impossíveis para tentar evitar o casamento com um estranho que não ama. Mas Kaguya terá que enfrentar seu destino e punição por suas escolhas...
Na semana de despedidas, vamos falar de O Conto da Princesa Kaguya, última animação produzida por Isao Takahata. Diferentemente de Miyazaki, Takahata gosta de trabalhar com temas que remetam diretamente ao japonês, trazendo à tona um sentimento nacionalista. Mas, esta não deixa de ser uma história linda e marcante sobre uma princesa que tenta encontrar o amor.
Kaguya nasceu de um broto de bambu no meio da floresta. Ela foi encontrada pelo cortador de bambu Sanuki no Miyatsuki, um senhor de idade, que acredita que ela tenha sido enviada pelos deuses do paraíso. Kaguya é criada no meio do mato, brincando com os moleques do campo, roubando frutas do vizinho, perseguindo animais e subindo em árvores. Uma infância difícil, porém feliz. Apesar de Miyatsuki e sua esposa a chamarem de Princesa, a menina recebe o nome de Takenoko, porque ela parece esguia como o caule de um pequeno bambu. Durante sua infância, a princesa conhece Sutemaru, o mais velho entre os meninos, por quem ela desenvolve sentimentos de afeição. Um dia, Miyatsuki encontra um bambu brilhante de onde sai ouro e depois belos kimonos. Ele entende que os deuses desejam que a princesa seja criada em uma grande mansão na capital. O casal se muda junto com a princesa para a cidade onde ela recebe educação para ser uma princesa com lady Sagami. Ela até recebe um nome de princesa, comprado por Miyatsuki com o ouro dos deuses: Kaguya, "aquela que irradia luz". Mas, sua vida na capital em nada se parece com sua infância: repleta de formalismos e atividades que não a interessam. Se antes ela podia correr livremente, agora ela vivia confinada. Pouco a pouco, Kaguya vai perdendo sua luz interior. Até o momento em que os chefes importantes tomam nota da beleza irradiante da princesa e vão até ela para se casar. Mas, a princesa quer presentes impossíveis deles. Isso porque Kaguya não deseja se casar; deseja ser eternamente livre. Será que os chefes conseguirão os presentes? Será que Kaguya terá que se casar? Ou ninguém será capaz de domar a princesa?
Eu fiquei surpreso ao pesquisar sobre a recepção desta animação. Ela teve bastante sucesso no mercado internacional e recebeu diversos prêmios como o de Críticos de Cinema de Los Angeles, o Festival de Mill Valley e até o Monstra Awards (dado por um festival de animação em Lisboa). A animação também foi indicada ao Oscar de 2015 apesar de não ter vencido. Me surpreende porque assim como alguns outros filmes de Takahata, esta é uma história que fala no íntimo do japonês. O Conto da Princesa Kaguya era para ter sido lançado ao mesmo tempo em que Vidas ao Vento, como se fosse uma canção de despedida da dupla Isao Takahata e Hayao Miyazaki. Tal não aconteceu porque os produtores ficaram preocupados de que o roteiro não estivesse completo e pudesse ficar estranho. Ele saiu um ano depois.
Para aqueles que acompanham as nossas resenhas, vocês sabem que Takahata gosta de fazer trabalhos experimentais. Kaguya é mais um desses casos. Ele usa uma animação estilizada como se os personagens tivessem sido desenhados por uma pena, ao estilo dos manuscritos antigos do Japão mitológico. Em algumas cenas de mais ação, a pena fica borrada significando momentos de mais dinamismo ou em outras cenas, o desenho fica mais claro, significando um ar mais bucólico. Adorei a paleta de cores da animação puxando muito para tons rosados como as flores de cerejeira. Muito branco e rosa; o branco voltado para as vestimentas usadas pelas princesas do Japão antigo. A trilha sonora seria composta por Shinichiro Ikebe, mas acabou ficando novamente a cargo de Joe Hisaishi. Ele não foi convidado em um primeiro momento porque estava montando a trilha sonora de Vidas ao Vento, mas felizmente aceitou fazer a dobradinha. O compositor abusa dos sons de koto, um instrumento usado pelas mulheres da nobreza do Japão medieval. As composições fornecem todo o clima de história mitológica. Antes de passar à resenha, quero deixar a letra de Warate Uta (a Canção do Menino), que Kaguya repete ao longo da animação:
Música do Menino
Gira, gira, gira
Roda de água, gira
Gire e chame o senhor sol
Gire e chame o senhor sol
Pássaros, insetos, bestas
Grama, àrvores, flores
Traga a primavera e o verão, outono e inverno
Traga a primavera e o verão, outono e inverno
Gira, gira, gira
Roda de água, gira
Gire e chame o senhor sol
Gire e chame o senhor sol
Pássaros, insetos, bestas
Grama, àrvores, flores
Flor, frutifique e morra
Nasça, cresça e morra
Ainda assim o vento sopra, a chuva cai A roda de água gira Vidas vêm e vão no seu tempo Vidas vêm e vão no seu tempo
A animação é baseada em uma história folclórica japonesa chamada de O Conto do Cortador de Bambu. Ela fala de uma princesa que pertence aos povos que moram na Lua e vêm à Terra porque se afeiçoou muito aos homens. Ela deseja compreender o que faz os homens serem criaturas tão interessantes. Vivendo como uma mortal ela começa a compreender todas as nuances do ser humano: a raiva, a tristeza, a alegria, a cobiça, o amor. No fim, ela acaba tendo que voltar à Lua, mas não consegue permanecer para estar ao lado de seu grande amor.
As histórias do folclore japonês são contos reflexivos. Não são histórias bonitinhas e com final feliz. Por esse motivo, a animação é uma história muito melancólica e triste de uma jovem que tenta descobrir seu grande amor e não consegue. Quando ela se dá conta do que realmente quer é chegada a hora de ela partir e deixar sua casca mortal. Por essa razão, Kaguya pode não agradar a todos. Até eu não recomendo a animação para crianças, não da mesma maneira que eu recomendaria Ponyo, por exemplo. Ela é uma dura lição sobre o amor e como devemos valorizar e perceber o amor que nos cerca.
Um dos temas trabalhados na animação é a liberdade para escolher. Kaguya é uma menina obediente que quer ver a felicidade de seus pais terrenos. Apesar de ser uma menina levada, ela procura ser leal e obediente. Mesmo quando seus desejos não são os mesmos de seus pais, ela continua a agradá-los e segue para a capital. Somente no final da animação ela se dá conta de que precisa ser um pouco egoísta e perseguir os seus desejos. Outro detalhe neste sentido é a felicidade que os pais de Kaguya acham que estão dando a ela não é a mesma coisa que a menina deseja. Miyatsuko vai perceber tarde demais o seu erro. Uma frase ótima dita por Kaguya na metade final da animação é a de que desde que seu pai havia colocado aquele chapéu (um chapéu de nobre japonês) ele havia encontrado a felicidade para si e não para ela. A felicidade que o povo da Lua deseja para ela também não é a que a princesa queria. Ou seja, no fim das contas, Kaguya fora feliz apenas durante sua infância.
Outra dura lição é a de que a felicidade pode estar nas coisas mais simples da vida. É um conceito típico da religião budista. Apenas quando Kaguya vivia no campo, curtindo a natureza, é que ela estava feliz. A riqueza trouxe apenas responsabilidades fúteis das quais a princesa nada compreendia. Cada novo nível de complexidade trazia mais tristeza para a princesa. Seu coração acaba explodindo e ela deseja apenas se ver livre de toda aquela encenação que nada lembrava a sua vida simples de Takenoko.
Podemos estruturar a história em três atos: a infância de Kaguya, a ida para a capital e o retorno às estrelas. O enredo segue muito bem esta estrutura e eu gostei da forma como ele foi contado. Não me senti cansado e a história é muito interessante. Talvez vocês se incomodem com a primeira meia hora porque ela é a mais enrolada até que nos acostumemos com o ritmo lento da história. A animação é longa e ela dá uma virada brusca nos trinta minutos finais. A busca dos chefes pelos presentes à Kaguya segue aquele sentido dos contos de fada em que o indivíduo precisa superar uma série de obstáculos.
O Conto da Princesa Kaguya é uma história fascinante sobre um mito que nos ensina a valorizar as coisas simples da vida. Eu me interessei porque não conheço tanto da mitologia oriental. O estilo da animação também é curioso com uma singularidade típica do estúdio Ghibli. A trilha sonora é fantástica, algo completamente esperado da genialidade e competência de Joe Hisaishi. Não recomendo a todos por ser uma animação muito triste e melancólica; talvez não agrade ao público infantil.
Na próxima semana, a última animação do Ghibli que faltou resenhar: Arriety e O Mundo dos Pequeninos.
Ficha Técnica:
Nome: O Conto da Princesa Kaguya
Diretor: Isao Takahata
Produtor: Yoshiaki Nishimura
Roteiristas: Isao Takahata e Riko Sakaguchi
Baseado em O Conto do Cortador de Bambu
Estúdio: Studio Ghibli
País de Origem: Japão
Tempo de Duração: 137 min
Ano de Lançamento: 2013
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