Genjitsu Shugi Yuusha é um isekai com uma proposta bem curiosa: um herói convocado para um mundo de fantasia e que resolve solucionar os problemas do mundo através de medidas realistas como reforma agrária, investimento em diplomacia entre outros. E tem Nicolau Maquiavel debaixo do braço.
Já vimos inúmeras histórias de personagens que saem de nosso mundo e são convocados a um mundo de fantasia. No Japão isso é um gênero de histórias chamado isekai. Um dos primeiros e mais famosos animes desse gênero é SwordArt Online. Quase sempre o personagem é alguém que conhece muitos games, leu livros de fantasia ou simplesmente foi abençoado com poderes além da imaginação. Isso faz com que os personagens desse tipo de história sejam formidáveis, manuseando habilidades que podem mudar o mundo. Todos os anos dúzias desses animes são produzidos, mas na temporada de julho de 2021 estreou uma história bem curiosa. Mais uma vez temos um herói que é convocado a um mundo de fantasia para salvar o reino de uma invasão. Só tem um pequeno problema: o personagem não sabe lutar. Sua habilidade é a da diplomacia. Então veremos como um herói realista irá reconstruir um reino. Não através da pura força física, mas pela política e economia.
Genjistu Shugi Yuusha no Oukoku Saikenki (ou Genkoku, numa forma reduzida) ou How a Realist Hero Rebuilt the Kingdom é um anime baseado em uma light novel escrita por Dojyomaru publicada desde 2014. Conta com 15 volumes até o presente momento e ainda está nas prateleiras pelas mãos da Shoetsuka ni Naro. Depois de 2016, a novel passou a ser publicada pela Pixiv e conta com a mesma quantidade de volumes. Também tem um mangá cujo roteiro pertence ao autor mesmo e a arte é de Satoshi Ueda. Pertence à demografia shonen, possui sete volumes até o momento e é publicada na Comic Gardo desde 2017. A animação pertence ao estúdio J.C. Staff (de Dungeon ni Deai e Shogukei no Souma), ou seja, um bom estúdio que sempre consegue entregar materiais de boa qualidade. O experiente Takashi Watanabe (de Slayers e Shakugan no Shana) ficou com a direção e os roteiros caíram nas mãos de Gou Zappa (de Ahiro no Sora e Moriarty, o Patriota) e de Hiroshi Oonogi (de Full Metal Alchemist Brotherhood). O que podemos ver é que o anime possui uma equipe bastante calejada na produção que não decepciona. A série conta com 13 episódios até o momento, mas está na cara que se trata de um split coeur, ou seja, uma temporada dividida em duas de 13 episódios. Até porque tem material para isso; por incrível que pareça o estúdio adaptou só 2 volumes da light novel.
A história tem como protagonista o jovem Kazuya Souma, que perdeu seu avô recentemente, a última família que lhe restava. Um cara letrado, que tem uma paixão por livros e por conhecimento em geral. Um dia, ele acaba sendo transportado para um outro mundo e desperta em uma espécie de salão real onde todos se alegram ao vê-lo. Ele é informado que fora convocado para ajudar a superar os problemas do reino que se vê às voltas com dívidas, revolta civil e possível invasão de reinos vizinhos. Os feiticeiros que o convocaram, imaginaram que Souma se tratasse de um poderoso guerreiro, algo que o protagonista logo descarta. Ele não conhece absolutamente nada dos caminhos da espada, mas promete de coração ajudar o reino. O rei e a rainha transferem seus poderes para Souma, que se torna rei interino de Elfrieden. Para consumar os novos poderes de Souma, o rei anterior oferece a mão de sua filha Liscia em casamento. Diante de toda uma situação inesperada, Souma procura respirar e entender o que está acontecendo no reino e decide iniciar uma reconstrução completa do reino. E ele começará buscando corrigir os problemas de abastecimento de alimentos. Mas, em pouco tempo, Souma irá descobrir as dificuldades de ser um rei e as enormes responsabilidades que vem com esse título.
Quem está esperando um anime de ação, com guerras, morte e sangue, pode se decepcionar um pouco. Genkoku é mais um anime de ideias e o personagem vai buscar solucionar os problemas com diplomacia e inteligentes estratagemas. Toda a primeira metade da temporada é voltada para solucionar problemas econômicos. Ele inicia um ambicioso projeto de reforma agrária, constrói mais uma cidade portuária e refaz as rotas de comércio. Até temos momentos de guerra, mas como a série não é focada nisso, temos alguns cortes nesse sentido. Quem ficar interessado em conhecer a light novel vai ver que o Dojyomaru não é fã dessa pegada mais belicista. Souma é um personagem sagaz e matreiro em diversos momentos que ao se ver com poderes reduzidos devido ao estado de crise de seu reino, recorre a planos audaciosos. Um filósofo de nosso mundo é mencionado inúmeras vezes por Souma: Nicolau Maquiavel. Filósofo político do século XV, atuou ao lado de inúmeros chefes de Estado em uma Itália completamente diferente dos dias de hoje, formada por cidades autônomas. Foi conselheiro e escreveu um livro considerado um manual de política até os dias de hoje chamado O Príncipe. Souma segue vários conselhos fornecidos por Maquiavel à época e tenta aplicá-los em assuntos corriqueiros como, por exemplo, estabelecer a legitimidade de sua autoridade, quais setores investir, como lidar com revoltas civis, como se portar. Alguns pontos podem parecer estranhos, mas o autor segue a fórmula à risca.
A animação em si dá para o gasto. Não é nenhum primor técnico, mas é bem dirigida e fiel ao material original. Fiquei espantado de o quanto a J.C. Staff decidiu seguir o que Dojyomaru escreveu de forma bem precisa, sem pular muito da história. Até as histórias extras estão presentes. A ambientação criada pelo autor é bem instigante e repleta de problemas a serem resolvidos. Alguns pontos de enredo são inseridos no início da história e só são retomados muito adiante, como o motivo pelo qual Souma abriga a pequena loba de prata capaz de falar com outros animais e demônios (este último um segredo de Estado a ser explorado pelo protagonista). Nessa primeira parte do anime, Souma vai precisar lidar com a ameaça de Amidonia e a revolta dos antigos generais ligados ao rei anterior. Revolta essa que é alimentada por Amidonia na esperança de reaver territórios tomados por Elfrieden há muito anos atrás. Toda essa articulação causa o caos em um reino que ainda está se reinventando. A trilha sonora do anime está lá, também sem ajudar ou comprometer. Em um anime como Genkoku a história e o desenvolvimento dos personagens acaba se tornando o aspecto mais interessante de tudo.
Os demais personagens vão pouco a pouco se integrando ao núcleo do personagem. Liscia é a personagem mais importante da narrativa, depois de Souma. Sendo filha do rei anterior, vê sua vida virada de cabeça para baixo ao ser usada como moeda de troca para agradar este homem vindo de outro mundo. Inicialmente a reação dela é de recusar a figura do rapaz e se colocar contra ele. Mas, Souma não revela interesse em se casar com Liscia e só a mantém por perto no caso de alguém contestar sua autoridade. Com o passar do tempo, a garota percebe as boas intenções de Souma e vai se apaixonando por ele. Mas, mais do que isso, Liscia percebe o quanto Souma é necessário para Elfrieden. A mente frenética dele, buscando soluções fora da caixinha surpreende. Vai ser durante a revolta dos generais que veremos o quanto ela confia Elfrieden a Souma quando coloca sua própria vida em risco para ajudá-lo.
Por ser uma temporada mais curtinha, não houve oportunidade de explorar outros personagens secundários da história. Logo no começo do anime, Souma faz uma espécie de concurso real para a escolha de seus novos ministros. Ele precisa de pessoas especializadas em campos de conhecimento específicos para auxiliá-lo nas várias tarefas de um rei. É aí que surge a guerreira e guarda-costas, Aisha, uma elfa negra que pede a ajuda de Souma para recuperar a Floresta Guardada por Deus; Juna, uma meio-sereia e neta da Duquesa Excel Waters, que possui uma enorme mente para o comércio e diplomacia; Hakuya, um homem de extrema astúcia e inteligência que se torna o Primeiro-Ministro em troca de livre acesso à biblioteca real; e Poncho, um homem viajado e conhecedor de todo tipo de alimentos e temperos que se torna o ministro da agricultura. Nessa primeira metade da história temos uma dupla de episódios que mostram mais do Poncho, mas boa parte desse primeiro arco é focado em Aisha e Juna.
Genkoku é aquele tipo de anime divertido que merece um pouco de sua atenção pela criatividade e ousadia dos produtores de saírem do lugar comum de animes do gênero isekai. Achei que o J.C. Staff errou um pouco em dividir a temporada dele, tendo preferido que o anime atrasasse um pouco, mas se mantivesse direto por uma temporada completa. Só no finalzinho é que ele pega mais velocidade e emoção a partir do momento em que Souma conhece melhor as regras do mundo em que se encontra. Mas, certamente é um dos que entraram no meu radar e que começaram frios para depois terem melhorado bastante.
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