Hora de prestar minhas devidas homenagens e meus agradecimentos a este que foi um dos maiores do mundo naquilo que ele melhor sabia fazer: nos divertir.
Neste último fim de semana recebemos com pesar a morte de Akira Toriyama, o criador de Dragon Ball, Dr. Slump, Sandland e que trabalhou em design de personagens para games como Blue Dragon e vários Dragon Quest. Foi uma perda sentida pelo mundo todo, como se alguém da família tivesse falecido e nos deixasse órfãos de seu estilo e seu jeito brincalhão. Queria usar essa postagem não para uma biografia do autor até porque vocês encontrarão várias por aí que serão melhores e mais precisas do que se eu estivesse colocando aqui. Meu objetivo hoje é conversar e compartilhar com vocês como essa pessoa, esse mangaká incrível fez parte da minha adolescência e formou parte do meu caráter. Quem quiser, pode deixar um pouco disso na seção de comentários e homenagear Toriyama.
O mestre entrou em minha vida de uma maneira não tão óbvia e é curioso pensar isso em retrospecto. Meu primeiro contato com ele foi através do game Chrono Trigger e eu nem sabia que os personagens eram feitos por ele. Estávamos na febre dos 16bits e o game chega em uma última leva de grandes jogos para o SNES. O jogo transbordava personalidade e os personagens eram muito empáticos. Mesmo o protagonista não tendo falas no jogo, ele era o herói aventureiro em sua essência. Corajoso, destemido e que estava ali por seus companheiros. Merle era a princesa rebelde que queria viver uma aventura e não ficar preso ao castelo. Lucca era a grande inventora, melhor amiga do protagonista. À medida em que a amizade entre estes três se aprofunda uma catástrofe se aproxima do mundo e os joga em uma imensa aventura que atravessa o tempo e o espaço. Trouxe Chrono Trigger para vocês primeiro porque é um game que possui alguns dos temas que serão tão comuns nas histórias de Toriyama: aventura, coragem, amizade e muito humor. É curioso pensar o quanto o jogo é o único da Square Enix que jamais teve um remake ou uma continuação. A gente pode discutir aqui sobre Chrono Cross, mas a verdade é que as conexões são tão sutis que somente com muito esforço dá para conectar um ao outro (mesmo tendo a Lucca). Para aqueles que gostam de jRPGs é um daqueles que a gente se lembra com carinho e guarda no coração. E não é uma história complexa demais, mas é a forma como ela é contada que nos encanta e chama a atenção.
Só que é impossível descolar Toriyama de Dragon Ball, uma franquia que é conhecida mundialmente hoje. Na época em que assisti, era já um anime famoso no Japão, e ele começava a ganhar espaço no Ocidente. Assisti Dragon Ball no SBT, nas manhãs de sábado quando passava aquilo que eu considero como uma das melhores programações de animes até hoje. Passava em sequência Guerreiras Mágicas de Rayearth, Fly, o Pequeno Guerreiro (Dragon Quest) e Dragon Ball. Mas não a fase Z que a galera tanto cultura, mas a primeira fase com o Goku ainda criança. Me recordo que gravava os episódios para assistir depois com os meus amigos (em múltiplos VHS) e nos divertíamos muito. Como não rir daquilo? Goku tinha uma inocência travessa e proporcionou momentos absolutamente bizarros como ele tentando verificar se a Bulma era menina ou não, a caçada por uma moça para acompanhar o mestre Kame ou Chichi se declarando para Goku e ele sendo totalmente sem noção. Ou momentos que são considerados inesquecíveis até hoje como o combate entre Goku e Jackie Chun (mestre Kame disfarçado) no primeiro torneio de artes marciais ou Goku tentando subir a torre do mestre Karin. Ali estava imposto todo um senso de aventura. Era divertido estar junto de Goku e seus amigos e partilhar de novas descobertas e encontrar desafios. O personagem é inspirador não apenas pelo seu enorme poder e sua capacidade de aprender novas técnicas, mas porque ele inspira as pessoas a serem melhores.
Toriyama deu o template do que viria a se tornar um clichê comum nos mangás: a do adversário se tornando um companheiro fiel. A derrota de um inimigo poderoso não significava mais a sua morte, mas uma segunda chance para redimir seus erros. Foi assim com Piccolo e depois com Vegeta. Para quem não viu a série original antes da fase Z, Piccolo foi um dos inimigos mais terríveis de Goku, chegando a matar o pobre do Kuririn (esse já morreu umas duzentas vezes coitado). No anime, eles tratam a morte do personagem como algo terrível e que deixa o pequeno Goku muito mal a ponto de ele desejar se vingar de seu assassino. O rei dos demônios acaba sendo derrotado, mas deixa um ovo que viria a ser o segundo Piccolo. Mesmo se tornando inimigos no próximo torneio de artes marciais, o terceiro, Piccolo acaba compreendendo de onde vem a força de seu inimigo. Mesmo estando muito ferido, ele consegue derrotá-lo e se recusa a matá-lo, desejando desafiá-lo novamente outro dia. Essa é a ideia por trás desse novo clichê. A de adversários que trabalham juntos para ficarem mais fortes e tentarem superar um ao outro. Claro que quando imaginamos em adversários que se tornam amigos, vamos imaginar imediatamente o orgulhoso príncipe dos Saiyajins, Vegeta. E é o cara que divide a popularidade junto com Goku até hoje. Tem um episódio muito bacana sobre essa noção de conquistar o respeito que acontece durante a luta entre o pequeno Buu e Goku. No episódio, Vegeta reconhece o quanto Goku é incrível e conta (pelo menos em sua consciência já que ele jamais diria isso em voz alta) o quanto seu rival o fez se tornar uma pessoa melhor. Que estar ao lado dele nas lutas é uma honra e um privilégio. E é todo esse processo de rivalidade e amadurecimento que torna as histórias tão bacanas de serem acompanhadas.
Mas, volto ainda ao senso de aventura, já que o protagonista é um personagem inquieto. Gosto de brincar que o Goku é o pai mais irresponsável do universo porque permanece morto para treinar e depois abandona todos para ficar vários anos treinando um novo adversário para ele mesmo. Mas, o legal do personagem é o quanto ele se diverte não importando o tamanho do obstáculo a ser superado. Aliás, quanto mais elevado é o obstáculo, mais satisfação ele sente ao superá-lo. E olhe que Goku já passou por todo tipo de treinamento maluco como carregar leite, subir e descer uma torre do tamanho do Everest, enfrentar seus piores pesadelos em um labirinto sombrio, colocar uma tampa no meio de um fogão colossal. Ele nos ensina a perseverar diante dos desafios da vida. Se desistimos, significa que morremos por dentro. O ser humano é inquieto e é isso o que Toriyama tenta nos passar. Devemos aproveitar a vida ao máximo, sorrindo, correndo, caindo, levantando e seguindo sempre em frente. Afinal, como Toriyama escreve na última página do último volume de Dragon Ball, as aventuras de Goku não terminaram, e sempre existirão outras histórias a serem contadas. Quero acreditar que tem um pouquinho do Goku dentro do meu coração.
Deixei para falar da parte humorística no final porque este trecho é mais para os fãs mais ardorosos do autor. Até porque o humor de Dr. Slump não é para todos. Para mim, é uma das coisas mais loucas e divertidas que já passou no mundo dos mangás. Arale é a maior troll da face da Terra. E ela faz isso sendo tão ou mais ingênua do que o Goku. São tiradas divertidas, repletas de ironias e piadas que em alguns casos funcionam mais na língua original. Mas adorava as aventuras do cupido, do doutor que é o template para o que viria a ser o Mr. Satan e toda a turminha da vila da Arale. Esse humor descompromissado talvez não funcionasse hoje porque algumas das piadas do Toriyama podem não agradar a todos. Sinto que falta esse humor ingênuo nos dias de hoje, de alguém fazendo piada com cocô ou simplesmente fazendo papel de bobo sendo um super-herói que é a cópia do Superman (o Suppaman). É a criança interior que existe em nós, não importando a idade. Toda vez que penso em como devia ser o Toriyama, relaciono imediatamente a Dr. Slump e penso em uma pessoa engraçada, divertida e sem medo de brincar com as coisas mais bobas. Isso porque o que importa de verdade é sermos autênticos conosco.
Estou terminando esta matéria emocionado, de novo, e me lembrando de todos os momentos em que algum personagem do autor me tirou um sorriso do rosto. E quero poder imaginar que é com essa imagem que ele deseja que nós fiquemos ao se lembrar dele. Toriyama nos deixou com 68 anos de idade e mesmo estando mais velho ainda nos entregava materiais sempre muito legais. Esse ano nos aguarda uma nova encarnação de Dragon Ball com o Goku voltando a ser criança. Ou seja... pura diversão. Ou até quem sabe jogarmos Sandland e conhecermos um universo que ele escreveu de uma forma bem descompromissada e que aprenderemos a conhecer melhor. A verdade é que as aventuras do mestre Toriyama nunca acabaram. Ele passou o bastão para cada um de nós e cabe a nós continuarmos nessa grande aventura chamada vida.
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