Neste aniversário da autora, quais as lições que ela me ensinou? Vou refletir algumas de suas mensagens repassadas através de suas leituras e gostaria que vocês se juntassem a mim nessa jornada.
Neste dia 22 de junho Octávia Butler faria 73 anos. Sua obra se tornou conhecida no Brasil há poucos anos embora seja muito conhecida nos Estados Unidos, inclusive sendo parte do currículo escolar do que equivale ao nosso ensino médio. Mesmo tendo menos da metade de suas obras sido publicada por aqui, fruto dos esforços da editora Morro Branco, ela abriu uma série de debates sobre os mais diversos temas. E neste aniversário da autora queria compartilhar nestas linhas o que pude aprender com esta fascinante autora.
Aprendi com Octávia Butler a arte de contar histórias que nos fazem refletir. Porque a literatura é entretenimento, mas não é apenas entretenimento. Cada um de seus livros ecoa algum tema a nós. Alguns deles nos emocionam, outros nos machucam, outros nos encantam, mas nenhuma de suas histórias nos deixam ilesos. Sua literatura tem o dom de possuir camadas por cima de camadas, sendo mais profundas do que uma simples frase. É quase como se pudéssemos dizer que seus livros tratam de hipóteses cujos argumentos são apresentados pelos personagens ao longo de suas narrativas.
Aprendi com Octávia Butler a arte de contar histórias. Sim, a simples arte de contar uma narrativa a uma outra pessoa. Toda vez que leio um livro da autora a imagino contando a mim ao redor de uma fogueira, na tradição dos antigos contadores de histórias da tradição iorubá. Histórias essas passadas de geração a geração, oralmente, feitas para encantar os ouvintes, com gestuais e formas distintas a cada nova apresentação. Suas histórias são entoadas de forma mágica e possuem o poder de nos levar até lugares como o sul dos EUA no século XIX, ou uma nave espacial ou um continente americano após um desastre apocalíptico. Reagimos a estes lugares: os sentimos, os ouvimos, os vemos. Suas descrições são poderosas, conseguindo ser vívidas o suficiente para nos transportar até lá.
Aprendi com Octávia Butler que o poder da fé pode nos levar tanto a algo magnífico como a algo terrível. Ou seja, representa uma linha muito tênue. O homem tem um poder ilimitado de alcançar coisas milagrosas. Bastando apenas a ação. Fomos capazes de domar rios, construir cidades, levantar casas, descobrir o fogo. Mas, ao mesmo tempo, matamos uns aos outros por causa de terras, por diferenças religiosas, pela simples cor de pele, por símbolos mágicos. A fé pode mover montanhas. Certamente que sim. Tanto para o bem quanto para o mal. Tudo é questão de perspectiva. E isso Butler analisa como ninguém.
Aprendi com Octávia Butler que o homem ainda não está preparado para singrar o espaço. Precisamos antes resolvermos nossas próprias diferenças, evoluirmos como seres humanos. Como podemos pensar em colonizarmos novos planetas se não somos capazes de convivermos uns com os outros. Somente levaríamos os mesmos problemas a outros lugares. Continuaríamos com nossas guerras, apenas as mudaríamos de lugar. O homem precisa alcançar uma outra etapa de evolução antes de sequer pensar em entrar em contato com outras civilizações do espaço.
Aprendi com Octávia Butler que é possível usar a literatura de gênero para impactar aqueles que a veem como "literatura popular". Assim como Ursula Le Guin, Octavia Butler conseguiu atravessar a barreira que a ficção científica impõe. Livros como Kindred e A Parábola do Semeador são encarados como "alta literatura", embora eu não goste desta alcunha. Mas, é preciso destacar o quanto a autora se tornou uma das grandes dentro da literatura norte-americana.
Aprendi com Octávia Butler o quanto é difícil o caminho que uma autora negra de ficção científica precisa trilhar. Todos os sacrifícios pelos quais ela passou, todas as negativas que ela recebeu. E mesmo assim, ela perseverou em seu objetivo. Porque na época em que ela iniciou sua carreira o mercado de literatura de gênero era formado estritamente por homens brancos conservadores. Mulheres como Butler, Le Guin, James Tiptree e Andre Norton são desbravadoras. Mas, é preciso pontuar que Butler é uma das poucas negras nesse meio durante esse período. E em um contexto bem recente de lutas pelos direitos civis pós manifestações de Martin Luther King e Malcolm X.
Aprendi com Octávia Butler as marcas terríveis deixadas pela escravidão durante o período colonial no Novo Mundo. O quanto isso influenciou o imaginário do homem branco que vivia na América. A realidade da casa grande e da senzala foram de uma violência e de uma virulência assustadoras. As imagens que Butler nos mostra em Kindred com Dana sofrendo nas mãos dos capatazes violências físicas e psicológicas nos deixam mal. Cenas que nos assustam, fazem nosso estômago embrulhar. Pior do que isso, é saber o quanto das marcas do preconceito continuam ainda hoje. Algumas delas em maior grau enquanto outras em pequenos gestos que parecem normais para nós.
Aprendi com Octávia Butler que vidas negras importam. É o lema das atuais manifestações em prol da morte de George Floyd pelas mãos de um policial americano. Isso mostra o quanto seus livros conseguem ainda ser tão atuais. Espero com essa matéria ter te convencido a dar uma oportunidade a esta autora. Seus livros não são complexos demais mesmo aqueles que se embrenham mais a fundo na ficção científica além de possuírem temas bastante atuais. Talvez nunca houve um momento mais propício para ler os livros dela como agora.
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