É fã de livros com vários volumes? De curtir seus personagens vivendo longas aventuras onde eles se transformam de meros camponeses em heróis, passando por mil provações? Esse é um mote comum em fantasia ou ficção científica, mas e quando a história começa a ficar chata porque o autor esticou demais? Vamos falar desses limites nesta matéria.
O gênero de fantasia nos proporciona um prazer que poucos outros tem: é comum ter séries longas, que rendem muitos volumes. Seja A Roda do Tempo (15 livros), do autor Robert Jordan; ou O Livro Malazano dos Caídos, escrito por Steve Erikson e seus nove livros. Ou até as frequentes trilogias. Parece que todas as histórias de fantasia precisam vir em múltiplos de três. Claro que isso é uma brincadeira até porque existem vários livros do gênero que são stand-alone, mas a verdade é que existe uma certa moda nisso. Vemos nos personagens inícios humildes, até vivenciarem infatigáveis aventuras e se tornarem lendas de seus mundos. Às vezes os vemos casar e ter filhos ou até acompanhar múltiplas gerações de uma mesma família. Alguns se tornam fãs ardorosos em que os personagens se tornam quase como membros de suas famílias. Mas, será que uma série pode se tornar tão chata ou enfadonha a ponto de não desejarmos mais lê-la?
Nos dias de hoje vivemos com um problema bem comum: a explosão de informações à nossa disposição. Tudo é informação sejam fotos, vídeos, músicas, memes ou dancinhas do TikTok. É tanta coisa que nos cerca que nosso grau de atenção foi severamente reduzido. Mesmo leitores são menos pacientes do que outrora. Não sei se por causa do culto do hype ou por uma necessidade permanente de novidades. De alguns anos para cá as séries de fantasia não costumam mais ser muito longas e aquelas que são possuem um público-cativo.
Leitores de quadrinhos Marvel e DC talvez entendam bem esse sentimento. Histórias do Capitão América ou do Batman que nunca tem um final. Com mudanças que não parecem ter um efeito real no personagem. Quando uma mudança é muito séria, depois de alguns anos tudo é reiniciado. Ou chega aquele momento em que o personagem simplesmente não dialoga mais conosco. Já li, abandonei e retornei várias vezes a estes personagens. Séries longas são legais porque continuamos ao lado de alguém cuja trajetória nos cativou. É como se fosse aquele nosso cantinho seguro em que os personagens fazem parte de nossa família. Só que lá no fundo existe aquele sentimento de finalidade. De que as coisas precisam ter um início, um meio e um final. Aquela sensação de "viveram felizes para sempre". Esse pode ser um sintoma de quando uma série está longa demais.
Existe também aquela sensação de esgotamento quando lemos séries longas em um curto espaço de tempo. As situações começam a se tornar repetitivas ou apenas deixamos de nos importar com os personagens. Não costumo ser adepto de ler vários volumes de uma série em sequência porque admito não ter paciência. Às vezes demoro anos antes de pegar o próximo volume. Malazan, uma série que sou fã absoluto, é um material que levei mais de três anos entre o volume 2 e o 3. E tenho todos os volumes em casa à disposição. Fantasia tem também outra particularidade neste sentido já que a maioria dos livros são volumosos.
Li uma matéria há pouco tempo que apresentava as várias formas de uma narrativa. Autores que escrevem livros verdadeiramente fechados cuja história tem início, meio e fim como José Saramago ou Stephen King (na maior parte das vezes). Histórias fechadas que se passam em um universo expandido como A Guerra do Velho, de John Scalzi. Mesmo ao se referir a séries temos aquelas que funcionam em sequência e cada uma delas possui um protagonista como Mistborn, de Brandon Sanderson. A primeira trilogia se centra nas ações de Kelsier e Vin enquanto que a segunda trilogia tem como protagonistas Wax e Wayne. As séries de Robin Hobb possuem a mesma estrutura, mas só temos a trilogia do Assassino completa no Brasil. The Expanse, de James S.A. Corey e Crônicas de Gelo e Fogo de George R.R. Martin compartilham de uma mesma característica: se passam no mesmo universo, mas possuem uma enorme quantidade de vozes. Ou histórias fechadas que se passam no mesmo universo e possuem o mesmo protagonista como Harry Dresden, o detetive do sobrenatural visto na série The Dresden Files, de Jim Butcher. Estou agrupando em categorias, mas nada disso é estático já que existem tantas formas de leitura quanto de leitores.
Fico pensando naqueles que assistem séries de TV longas como as procedurais NCIS ou Grey's Anatomy. Tem oportunidades que desejo apenas ver aonde os personagens vão chegar. Recentemente li A Mulher do Viajante no Tempo, de Audrey Niffenegger, que pode ser usado como uma ótima metáfora para esta situação. Em um determinado momento da história, percebemos que a jornada daquele casal lindo e pelo qual nos apaixonamos tem um final. E mesmo assim a jornada é maravilhosa e ao chegar na última página, o leitor tem aquela sensação gostosa de encerramento de um ciclo. Não preciso de outro livro. Não quero um spin-off com o médico da protagonista ou um prequel dos tempos rebeldes do protagonista. Os personagens disseram o que queriam. Às vezes percebo que alguns autores querem espremer demais um limão e chega um ponto onde não há mais nenhum suco, apenas o bagaço.
Claro que hoje existe uma pressão editorial para criar a nova série de sucesso. O próximo George R.R. Martin. Quando um livro vende bem, a editora vai pressionar o autor para publicar mais histórias naquele mundo mágico. Cansei de ver histórias maravilhosas se tornarem um labirinto de ideias reaproveitadas e situações que parecem saídas de um louco dèja vu coletivo. Está aí J.K. Rowling que não sabe a hora de parar com a trajetória de Harry Potter. Nesse caso cabe ao autor ter a personalidade suficiente para saber dizer "não". O seu mundo é o seu mundo e ele não pode ser violentado por pressões comerciais. Um dos melhores exemplos hoje é o de N.K. Jemisin que não tem qualquer pudor em dizer quando uma série acaba. E ela produz muito e em alta qualidade, sempre disputando prêmios aonde quer que passe.
Já dizia um trecho de uma música do Los Hermanos: "Todo carnaval chega ao fim".
Acho que são fatores que determinam o desgaste de uma série longa, mas de forma geral depende da habilidade do autor em contar boas histórias do universo ficcional. Penso que livros independentes, mas interligados no contexto, ajudam a alongar. Nesse sentido, destaco o Bernard Cornwell que possui algumas séries longas, como "Crônicas Saxônicas" (13 livros, todos publicados no Brasil) e "As aventuras de um soldado nas Guerras Napoleônicas" (20 livros, sendo 16 publicados no Brasil)....li todos e não consigo enjoar do Ulthred e do Sharpe.
Se essas séries são "longas", o que dizer de Perry Rhodan, com mais de 3000 livros (sem contar o spin off e o Reboot)