Em uma trama que coloca um jovem menino que morava no Dona Marta dentro de uma fabulosa escola de magias, Idá vai tentar recuperar a confiança nas pessoas ao mesmo tempo em que busca sair de uma vida de pesadelos.
Sinopse:
O ano é 1997. Em meio a um intenso tiroteio, durante uma das épocas mais sangrentas da favela Santa Marta, no Rio de Janeiro, um menino de 13 anos descobre que é bruxo. Jurado de morte pelos chefes do tráfico, Hugo foge com apenas um objetivo em mente: aprender magia o suficiente para voltar e enfrentar o bandido que ameaça sua família. Neste processo de aprendizado, no entanto, ele pode acabar por descobrir o quanto de bandido há dentro dele mesmo.
J.K. Rowling foi responsável por toda uma revolução na forma de escrever histórias. Harry Potter inspirou inúmeros autores a repensarem como encarar a fantasia em seus livros. Renata Ventura é mais uma autora que pegou a inspiração dada por Rowling e criou sua própria versão de uma escola de magias. O que temos em A Arma Escarlate é e não é ao mesmo tempo uma história sobre uma escola de magias. Aliás, se eu fosse você, leitor, esqueceria um pouco dessa inspiração porque a autora transformou sua história em algo único. Duvida? Me acompanhem na jornada.
Idá nasceu em um ambiente de violência. Estamos ainda no final da década de 1990 em uma das favelas mais perigosas do Rio de Janeiro: o complexo do Dona Marta. Um lugar aonde os bandidos tem o poder e controlam a vida de todas as pessoas. Os jovens sonham em poder ter o mesmo grau de status e intimidação que os grandes bandidos possuem. Nosso protagonista mora em um contêiner no alto do morro junto de sua mãe Dandara e sua avó Abaya. Ele sonha poder cair nas graças de Vip, o chefão do tráfico de drogas. Mas, Caiçara, um dos seus tenentes não gosta de Idá e faz o possível para tornar sua vida um inferno. Mas, quando acontece uma invasão da polícia no morro, Idá começa a receber estranhas cartas convidando-o a fazer parte de uma escola de magia. Ele não acredita muito nisso, mas ele acaba precisando fugir do morro e sua única escolha é ir para essa tal escola de magias. Será aí que ele descobrirá um novo mundo formado por bruxos, varinhas e criaturas estranhas. Um lugar onde ele pode começar tudo de novo; onde ele não precisa ser mais Idá, mas sim Hugo Escarlate o mais novo aluno da Escola de Magias Korkovado. Sua vida irá mudar para sempre, mas algumas coisas do passado ainda retornarão para assombrá-lo.
A principal temática da história é a confiança. Sem dúvida nenhuma. Vários personagens são talhados com essa pergunta de se eles deveriam ou não confiar nas pessoas. Idá chega a mudar seu nome para poder entrar na escola. E à medida em que os dias passam, as mentiras vão se acumulando como uma bola de neve que vamos percebendo que o protagonista não é capaz de suportar. O fato de ele não ter confiado em ninguém desde o princípio o prejudicou muito em sua trajetória durante a história. Se ele tivesse se deixado libertar, se ele saísse da carapaça do porco-espinho sua vida talvez pudesse ter sido facilitada pelas pessoas que estavam ao seu redor. Temos em Capí alguém que confia demais nas pessoas. Sempre procura nos outros alguma coisa positiva. E isso o coloca em situações muito complicadas. Ou seja, são os dois extremos que são colocados em xeque. Deveríamos ser desconfiados e incrédulos o tempo inteiro ou deveríamos sempre buscar o lado bom da vida? Pelo que eu pude perceber na história, para a autora não é nem uma coisa nem outra. Existe sim um meio-termo ali que pode ser explorado.
Outro ponto importante trabalhado por Renata Ventura é a responsabilidade. Essa palavra ligada às coisas que fazemos, às ações que colocamos em funcionamento. Antes de falar do protagonista queria falar um pouco sobre Atlas, o professor de Defesa Pessoal que se torna um personagem importante na história. Ao ser um professor rebelde e irresponsável ele coloca muitas vezes os alunos em risco. Sua postura de atacar as situações não pode ser vista como correta o tempo todo. Acima de tudo ele é um professor e é responsável direto pelas ações de seus alunos. Os valores e habilidades que passamos a eles são a nossa influência e as próprias características do Atlas acabam de certa forma sendo absorvidas. Por isso eu concordo com a Sy, professora de Futurologia, quando ela dá aquela bronca em Atlas. Não que ele deveria mudar o seu modo de ser, mas que ele deveria repensar um pouco suas atitudes e sua maneira de lecionar.
Mas, se eu vou tocar no tema responsabilidade não é possível comentar o tema sem mencionar Idá. Ele é responsável direto por todas as desgraças que acontecem na segunda metade do livro. Isso porque temos escolhas. Ele escolheu trazer seus produtos para a escola. É compreensível que diante daquelas circunstâncias ele tivesse que tomar alguma atitude. Mas, será que se ele tivesse confiado em seus colegas e pedisse conselhos alguma coisa não poderia ter saído diferente? Durante essa situação, Idá preferiu ter uma postura de sobrevivente e individualista e pensou apenas em si e não nos outros. Mas, podemos amenizar um pouco imaginando a inexperiência do personagem devido à sua idade. Só que me incomodou bastante como pessoa vê-lo repetindo os erros. E preciso aplaudir a autora porque não fez o protagonista mudar de uma hora para a outra. Os seus erros acabaram por construir o seu caráter. Ele sempre buscava a saída mais fácil e mais covarde para si. Com o tempo o próprio personagem foi percebendo como as suas ações eram erradas e como ele precisava mudar de alguma forma.
Os personagens do livro são interessantes e possuem características únicas. Seja Eimi ou Gislene, ou os pixies, queremos saber o que vai acontecer com cada um. E o que chama a atenção é que cada um possui seu próprio arco dramático apesar de que alguns possuem mais tempo em cena do que outros. Eimi é aquele que me chamou a atenção principalmente pelo final. Era aquele personagem que parecia avulso e que o protagonista enxergava com chateação, mas foi o pivô para a mudança em Idá. Para isso ele precisou perder aquilo que o tornava mais simpático aos leitores: sua inocência. Gislene também tem sua participação importante ao longo da história, e até achei que ela seria o par romântico de Idá, mas tal não foi o caso. Não é spoiler isso... a autora não fez o esforço para demonstrar qualquer interesse romântico entre eles. Já os pixies também são muito interessantes para a história. A sua influência fez com que Idá recuperasse a fé nas pessoas. A amizade despropositada que eles tiveram para com o protagonista sem dúvida ajudaram nessa tarefa. Mas é preciso destacar também o arco construído para Capí. Muitas questões interessantes foram debatidas ao longo de sua trajetória pelo enredo: violência doméstica, pacifismo, responsabilidade, confiança, o amor de seu pai, o bullying. São tantos os assuntos que eu vejo Capí quase como um segundo protagonista da história.
Sobre os aspectos criativos eu queria destacar a comparação feita entre a série de J.K. Rowling e a história contada por Renata Ventura. Como leitor, eu gostaria que ela não tivesse se inspirado tanto na autora. Isso acabou prejudicando de certa forma a história dela. Nós temos várias homenagens ao bruxinho mais famoso do cinema e essas homenagens tomam um bom pedaço da primeira metade da história. Chega a ponto de o leitor imaginar que a história não é nada mais do que uma versão brasileira de Harry Potter. E NÃO É. Eu demorei até conseguir finalmente entender o que a autora queria dizer. Porque isso só acontece quando ela deixa de lado a associação com J.K. Rowling e decide contar a sua história. E quando a autora faz isso, a história brilha. Ela insere vários elementos de narrativa que são bem diferentes para quem leu Harry Potter. O próprio protagonista não é um herói, mesmo ele passando pela jornada do herói. Idá pode talvez ter iniciado sua trajetória como herói no final do livro, mas eu o enxergo como um antiherói (quase um vilão) dentro do enredo de A Arma Escarlate. Ele é o responsável por provocar todas as tragédias dentro da escola e não se arrepende muito do que fez. Não é possível comparar a trajetória de Harry com Idá. A carga dramática do segundo é muito mais elevada. O leitor precisa ser um pouco paciente com o enredo porque ele demora a se comunicar com o leitor. A segunda parte da história acontece em uma velocidade assustadora. Porque a autora já havia criado todas as bases do seu universo na primeira metade. Até acho que teria sido melhor dividir o livro em dois.
A narrativa é em primeira pessoa o que dá um toque bem intimista ao enredo. Nós estamos enxergando o mundo pelos olhos de Idá. E isso nem sempre nos traz reações agradáveis. É surpreendente a conexão que fazemos com o personagem. Eu me pegava algumas vezes falando com o livro. Coisas como "porra... não faz isso", ou "pqp... lá vai ele fazer bobagem de novo". Isso demonstra que a autora foi capaz de fazer o leitor se importar com o personagem. Mesmo tendo uma postura errada, o leitor compreende que aquilo que o protagonista faz tem sentido. É coerente com o comportamento do personagem. Nós não queremos que ele fizesse aquilo, mas sabemos que diante daquela situação o personagem iria fazer. Por esse motivo é completamente compreensível a escolha pelo estilo em primeira pessoa.
O universo criado pela autora é muito bom. Ela conseguiu construir com eficiência tudo o que diz respeito ao universo mágico onde se passa a história. Mostrou os limites da magia diante do mundo das pessoas comuns. Por esse motivo a escola precisa ficar escondida. E até como os bruxos reagem diante de alguma substância ou material criado pelas pessoas comuns. As expressões e jargões que ela cria para o seu universo são facilmente assimiláveis pelo leitor. Eu me acostumei bem rápido às expressões até porque ela faz uso delas constantemente. Gostei desse aspecto.
A Arma Escarlate é um bom livro apesar de sofrer do mal da comparação com a obra de J.K. Rowling. Entretanto, Renata Ventura cria um universo próprio que possui uma história bem pesada em alguns momentos. Ela trata de vários assuntos ao longo do enredo, deixando-o bem rico em mensagens para os leitores. A maioria dos personagens coadjuvantes possui arcos dramáticos interessantes deixando o leitor ávido por saber o que vai acontecer a seguir. Eu recomendo bastante essa história principalmente para os fãs de fantasia ou fãs de Harry Potter que queiram conhecer algo diferente.
Ficha Técnica:
Nome: A Arma Escarlate
Autora: Renata Ventura
Série: A Arma Escarlate vol. 1
Editora: Novo Século
Gênero: Fantasia
Número de Páginas: 488
Ano de Publicação: 2011
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