Thomas Senlin e Marya decidiram passar sua lua-de-mel na Torre de Babel, considerada o ápice do desenvolvimento humano. O que eles não esperavam é que a ida à Torre se tornasse uma viagem a um inferno sem proporções! E Thomas precisa encontrar sua esposa desaparecida.
Sinopse:
Thomas Senlin, o pacato diretor de uma escola rural decide levar sua esposa para passar a lua de mel na Torre de Babel, tida como a maior maravilha do mundo. Imensa como uma montanha, a Torre anciã possui incontáveis circumreinos, reinos verticais empilhados uns sobre os outros como as camadas de um bolo. Mas quando eles chegam, Senlin percebe que a Torre não é o bastião da cultura e da tecnologia que sempre acreditou, mas uma cova traiçoeira de tiranos e ladrões, onde não se pode confiar em ninguém. Quando a mulher de Senlin some em meio a multidão, ele deve navegar através de manicômios, salões de baile, teatros burlescos e demais níveis extraordinários para encontrá-la, se puder.
A história da Torre de Babel já encantou leitores por várias gerações. Embora seja uma história bíblica, ela se tornou parte de todo um conjunto de mitos e lendas sobre a Antiguidade. A ideia de uma torre contendo povos de várias origens e possuindo culturas distintas sem conseguirem se compreender mutuamente possui toda uma conotação moral e espiritual. Josiah Bancroft foi muito inteligente ao adaptar a ideia de uma torre que contém múltiplas culturas e transportá-la para um universo de fantasia. A princípio vai parecer uma ideia maluca e over-the-top, mas à medida em que vamos seguindo o protagonista em sua épica jornada, as peças vão fazendo sentindo. E aos poucos, as semelhanças com a lenda bíblica ficam para trás porque existe algo mais na torre criada por Bancroft.
"Estou chateado porque colocamos os gênios da humanidade dentro de uma construção de uma elaborada Torre e a enchemos com o mesmo tipo de tiranos que atormentaram nossa raça desde que saímos do mar. Por que as nossas inovações nunca e estendem para a nossa consciência?"
Thomas Senlin, o diretor e professor em uma pequena cidade, se casa com Marya, uma ex-aluna, para o choque de sua comunidade. Eles saem em lua-de-mel e ambos decidem ir visitar a famosa Torre de Babel, uma torre magnífica que possui uma série de aneis-reino cada um possuindo uma atração diferente. Uma grande aventura para iniciar um lindo casamento. O plano deles era seguir até o terceiro anel-reino da torre, as Termas, onde eles poderiam curtir momentos românticos. Mas, ao chegarem no mercado, no lado de fora da torre, eles são pegos de surpresa pelo fluxo intenso de pessoas e mercadorias ao redor. E o inevitável acontece: Senlin se perde de Marya. Tudo o que ele sabe é que Marya entrou na torre e é então que inicia-se uma busca desesperada por ela, que vai fazer com que Senlin precise esquecer tudo o que aprendeu sobre a Torre.
Bancroft é um fenômeno da publicação independente. Ao lado de autores como James Islington, T.J. Klune, Ben Galley e muitos outros, se tornou parte de uma nova onda de talentosos escritores. Preciso destacar que A Ascensão de Senlin e Arm of the Sphinx (o segundo livro) foram publicados de forma independente e tiveram seus direitos rapidamente adquiridos pela Orbit, que foi inteligente ao não deixar a oportunidade passar. Os dois primeiros volumes foram publicados quase que simultaneamente pelo selo da Orbit (três meses de diferença) e o terceiro volume foi publicado nove meses depois. Para quem ficou curioso, a série vai ter quatro volumes, com o quarto se chamando The Fall of Babel, a ser publicado no início de 2021. Mas, voltando à escrita propriamente dita, Bancroft é muito habilidoso ao construir sua narrativa. Empregando uma pseudo-terceira pessoa, com a narrativa sendo contada pela perspectiva de Senlin, esse primeiro livro se dedica a ser uma corrida contra o tempo onde Senlin vai percorrer rapidamente os primeiros andares da torre e descobrindo pouco a pouco o quanto o local é traiçoeiro.
É curioso pensar que eu li recentemente um livro que usa essa mesma mecânica, Guirlanda Rubra, escrita por um autor nacional, Erick Santos. Neste modelo narrativo, acompanhamos de perto o protagonista e vemos e sabemos o que ele vê, com alguns detalhes adicionais sendo acrescentados aqui e ali. Se parece demais com uma narrativa em primeira pessoa, só que não é o protagonista quem conta a história, mas alguém que é onisciente. Essa forma de contar uma história é problemática porque acabamos dependendo da nossa empatia com o protagonista. Se gostarmos dele, vamos apreciar a história; se não, a narrativa pode ficar prejudicada de acordo com a nossa percepção sobre ela. Thomas Senlin é um personagem interessante e provavelmente vai agradar uma grande variedade de públicos. Ele é um personagem simples e direto, e por ser um professor serve como alguém que vai nos passar informações sobre esse mundo, sem parecer ser info dumping. A forma como ele repassa seus conhecimentos parece mesmo com como ele daria uma aula.
"Você não pode dar sentido a um livro através dos punhos. Você não pode torturar uma carta para que ela conte seus segredos. Você não pode estrangular um sinal para lhe dar direções. Por todos os lugares em que você olhar vão existir segredos aparecendo ao ar livre. Você é vulnerável por causa disso. Mas eu posso te ajudar, se você me permitir."
Nesse sentido preciso apontar que eu senti falta de mais núcleos de personagens no livro. Quando o autor centra demais a ação no protagonista, ele retira a possibilidade de explorar outras nuances da história. Bancroft se prende demais ao que o personagem enxerga e ouve, e, mesmo assim, emprega um narrador onisciente. É uma oportunidade desperdiçada. Ele poderia alternar entre os pontos de vista do Senlin e da Marya numa boa que faria a história ficar ainda mais rica. O choque de visões sobre os mesmos andares dos dois personagens seria algo curioso de ser visto. Para mim, a narrativa peca nesse sentido só pelo fato de o autor desperdiçar isso.
Mas, o interessante é que Bancroft brinca com a nossa percepção das coisas. Isso porque Senlin vai se tornando um narrador não-confiável ao longo da história. Seus conhecimentos sobre a torre em nada são fidedignos. Ele percebe que tudo aquilo que ele pensava saber acaba sendo eclipsado por como a torre é na verdade. O que ele possui é uma visão idealizada sobre ela. Sim, a torre é fenomenal e possui inúmeros mistérios sobre a sua construção; mas, ao mesmo tempo ela pode ser terrível. Ela possui um poder terrível de acabar com os valores e o caráter das pessoas. A torre faz com que passemos a não confiar uns nos outros, após passarmos por obstáculos e dificuldades. Ou seja, Bancroft finge que te dá informações no começo, para depois nos derrubar e começar a construir as informações novamente.
Dos personagens apresentados eu preciso falar de uma ausência que é uma presença constante: Marya. É incrível como Bancroft consegue criar uma personagem tão cativante sem ela estar presente em mais de 90% da narrativa. Ela desapareceu, no entanto o que Senlin fala dela e os flashbacks dos dois são cativantes. Sabemos o quanto Senlin gosta de Marya. Mesmo com sua personalidade mais introvertida, isso fica claro em seus pensamentos e diálogos. Só existe um cuidado que eu fui me tocar após ler a entrevista do Bancroft no final desse primeiro volumes: conhecemos a Marya pelo que é dito a seu respeito. Seja pelo que Senlin fala e se recorda ou pelo que o pintor Ogier conta sobre sua trajetória na Torre. Não temos uma narrativa da Marya. E isso pode ser um belo plot twist para o segundo volume.
O desenvolvimento de Senlin é bem trabalhado por Bancroft. Essa é aquela narrativa que te mostra um personagem saindo de um ponto A para um ponto B nitidamente. O Senlin que termina a história não é o mesmo que começa. A Torre vai aparando as arestas de seu caráter pouco a pouco e o protagonista precisa lutar para não ter sua essência corrompida pela torre. Alguns momentos vividos por Senlin em sua jornada são trágicos como a situação no Anfiteatro ao lado de Edith ou toda a confusão com o comissário Pound nas Termas. O protagonista vai precisando aprender a ser mais dono de si, e buscar tomar mais atitudes. Ele erra bastante ao lidar com as pessoas e algumas lições que ele precisa aprender são bem duras. Sua postura parecida a um gentleman inglês precisa ser quebrada para nascer uma nova pessoa. Como diz Ogier, Senlin é tão tolo que ele confiaria em uma marmota se pudesse. E é essa ingenuidade e cavalheirismo que vai colocá-lo em muitos problemas durante sua jornada.
"Você tornou impossível para mim ler um livro em paz. Quando você não está aqui, eu apenas olho para as palavras até que elas caiam das páginas em uma poça aos meus pés. Ao invés de ler, eu me sento aqui e revejo as horas do dia em que eu passei na sua companhia e eu fico mais encantado por esta história do que por qualquer coisa que o autor tenha escrito. Nunca me senti tão solitário em minha vida, mas você me fez sentir solitário. Quando você se vai, eu fico em ruínas. Eu achava que conhecia bem o mundo. Mas, você o transformou em algo misterioso de novo. E isso é irritante, assustador e maravilhoso, e eu quero que isso continue. Quero todos os seus mistérios. E se eu pudesse, daria a você centenas de pianos..."
A Torre ainda esconde muitos mistérios e apenas começamos a descobrir alguns durante o seu embate com Pound. Possivelmente algumas das teorias de Senlin podem fazer algum sentido, mas percebo que o autor deixou muita coisa no ar e ele colocou mais alguns andares que não foram explorados pelo protagonista. Resta saber o que vem a mais para ele. O mais curioso é perceber o quanto a história é fascinante e ela é simplesmente a busca de um homem por sua esposa. Todo o resto se coloca por cima dessa busca.
Ficha Técnica:
Nome: A Ascensão de Senlin
Autor: Josiah Bancroft
Série: Os Livros de Babel vol. 1
Editora: Morro Branco
Tradutora: Aline Storto Pereira
Número de Páginas: 528
Ano de Publicação: 2020
Link de compra:
Tags: #aascensaodesenlin #josiahbancroft #editoramorrobranco #torredebabel #aventura #culturas #civilizacoes #tecnologia #amor #casamento #perdas #carater #personagens #ficcoeshumanas