Um clássico do terror em que pessoas se encontram em uma casa onde acontecimentos estranhos se sucedem um após o outro. Desconhecidos escondem segredos que podem colocar a vida de todos em risco em uma viagem às profundezas do espírito humano.
Sinopse:
Sozinha no mundo, Eleanor fica encantada ao receber uma carta do dr. Montague convidando-a para passar um tempo na Casa da Colina, um local conhecido por suas manifestações fantasmagóricas. O mesmo convite é feito a Theodora, uma alma artística e sensitiva, e a Luke, o herdeiro da mansão. Porém, o que começa como uma exploração bem-humorada de um mito inocente se transforma em uma viagem para os piores pesadelos de seus hóspedes. Com o tempo, fica cada vez mais claro que a sanidade ― e a vida ― de todos está em risco.
Esse foi o meu primeiro contato com a autora. Shirley Jackson é um ícone entre os autores de mistério. Mas, eu queria saber o que a colocava nesse patamar. Como blogueiro e como leitor de terror e suspense, eu precisava ter esse contato. Claro que a gente sempre fica com um certo receio ao pegar uma obra tão icônica para ler. O medo de não gostar e achar que o problema sou eu que não fui capaz de entender a profundidade da narrativa ou a habilidade de escrita. Esse ano eu passei a superar um pouco esses receios, muito por conta de uma carga de leituras maior nos últimos tempos que eu tive. E esse estranhamento eu tive quando eu li essa obra. E o problema não foi meu.
Estamos diante de uma escritora extremamente habilidosa em narrativas sensoriais. Ela trabalha com a imaginação do leitor apresentando sons, cheiros, imagens. Torna a escrita muito rica em detalhes. Com isso ela é capaz de construir o suspense ao ser capaz de mostrar o que os personagens estão vivenciando naquele espaço confinado que é a Casa da Colina. A narrativa é em terceira pessoa, mas do ponto de vista de Eleonor. Ela representa os nossos olhos na história e,por vezes, funciona como um personagem-orelha. A grande riqueza da escrita de Shirley é essa narrativa sensorial, é o que nos prende na história, o que é capaz de nos assustar. Entretanto, quem procura um livro de terror nos moldes atuais, vai tomar um susto muito grande. Concordo com algumas análises que apontam que o livro é um grande drama sobre personagens que possuem graves problemas emocionais. Eleonor é aquela que possui o problema mais claro (vou deixar para discutir isso mais abaixo). No quesito assustar ou aterrorizar, apenas aqueles leitores que ficam mais imersos na história é que irão sentir apreensão ou tensão. Eu achei bastante estranho porque eu buscava aquele momento de perigo ou de medo, e não o encontrei na história. Por essa razão que antes de escrever essa resenha eu consultei alguns outros resenhistas para entender se o problema era realmente comigo ou se era com a história. Tive uma recaída nas minhas incertezas para depois confirmar que as minhas impressões estavam corretas.
“Eles eram todos um pouco loucos, se fosse para ser sincera.”
Personagens e temática se relacionam muito proximamente nesta narrativa. Isso porque o ambiente da Casa da Colina serve para desnudar os reais sentimentos dos personagens. Eleonor é uma mulher que se sente sozinha e abandonada após ter dedicado sua vida por anos a fio cuidando de sua mãe. Quando enfim ela obtém sua independência, ela acaba em um quartinho apertado junto de sua irmã. Ela é uma pessoa em busca de alguém que a aceite, que a compreenda. Em um determinado momento, ela responde ao doutor que ela não tem um lar para onde voltar. Sua ida à Casa é um passaporte de ida sem retorno. O próprio doutor é um homem que se afogou nos estudos por conta de sua relação com uma mulher a qual ele não suporta mais. As pesquisas lhe fornecem tudo o que ele deseja. Luke é um mulherengo inseguro e covarde. Em diversos momentos da história, ele deixa as mulheres se colocarem em situações arriscadas do que ele mesmo fazer. E Theodora é uma princesa das aparências. Aquela que parece ser segura, mas esconde traços de inveja e de futilidade que a colocam abaixo daquilo que ela poderia ser.
“Nenhum organismo vivo pode existir muito tempo com sanidade sob condições de realidade absoluta”.
O ambiente da Casa é bem explorado pelos personagens. Uma casa irregular onde fenômenos estranhos acontecem sempre à noite. Vale destacar o emprego da temperatura para destacar certos eventos que acontecem na história. Quando temos calor, os personagens se aproximam mais ou demonstram mais afeto e intimidade uns com os outros. Assim é quando eles estão na sala ao redor de uma lareira ou posteriormente nos campos ao redor da Casa imaginando um piquenique. Os momentos de frio representam os momentos em que coisas estranhas começam a acontecer no ambiente: batidas na porta, risadas fantasmagóricas, portas que se fecham. Mais do que tudo em diversos momentos parece que o protagonista da história é a própria Casa. É ela que se relaciona com os personagens.
Podemos estabelecer algumas relações sentimentais entre os personagens. Em um primeiro momento parece que dois dos personagens vão ter algum tipo de relacionamento amoroso. A autora dá todas as dicas que isso pode acontecer só para tirar nosso tapete em seguida. Aliás, isso não é spoiler, mas uma sensação que eu tive, ela dá a entender que Eleonor parece ficar apaixonada por Theodora. Pode ser uma impressão minha ou até aquele amor vitoriano entre duas mulheres. Um amor de amigas dramatizado e exacerbado. Pode ser só isso. Ou não. Mas, a relação que fica mesmo é entre Eleonor e a Casa em si. Esta relação vai se tornar determinante no final da história.
"O medo é a renúncia da lógica, a renúncia voluntária de padrões sensatos. Ou cedemos a ele ou lutamos contra, mas não nos é possível encontrar um meio-termo."
A Assombração na Casa da Colina é um clássico de suspense escrito no final da década de 1950 cuja autora foi inspiração para muitos outros autores posteriormente. Em Dança Macabra, Stephen King conta o quanto o livro de Shirley Jackson influenciou a sua maneira de escrever. É um livro que me decepcionou um pouco, mas que me mostrou como uma escrita sensorial pode ser riquíssima. Ela manteve a história em uma constância assustadora, apesar de que em determinados momentos os eventos baixos superaram em quantidade os grandes eventos. De qualquer forma é uma aula de construção de personagens e é um livro sim que merece ser lido por todos os fãs do gênero.
Ficha Técnica:
Nome: A Assombração da Casa da Colina
Autora: Shirley Jackson
Editora: Alfaguara
Tradutora: Débora Landsberg
Número de Páginas: 200
Ano de Publicação: 2021 (nova edição)
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