Sherazade arquitetou um plano perigoso: para vingar a morte de Shiva e das outras meninas pelas mãos do califa que desposa e mata uma mulher todas as noites, ela planeja descobrir qual o seu ponto fraco. Mas, e se ela se apaixonar por ele?
Sinopse:
Personagem central da história, a jovem Sherazade se candidata ao posto de noiva de Khalid Ibn Al-Rashid, o rei de Khorasan, de 18 anos de idade, considerado um monstro pelos moradores da cidade por ele governada. Casando-se todos os dias com uma mulher diferente, o califa degola as eleitas a cada amanhecer. Depois de uma fila de garotas assassinadas no castelo, e inúmeras famílias desoladas, Sherazade perde uma de suas melhores amigas, Shiva, uma das vítimas fatais de Khalid. Em nome da forte amizade entre ambas, Sherazade planeja uma vingança para colocar fim às atrocidades do atual reinado. Noite após noite, Sherazade seduz o rei, tecendo histórias que encantam e que garantem sua sobrevivência, embora saiba que cada aurora pode ser a sua última. De maneira inesperada, no entanto, passa a enxergar outras situações e realidades nas quais vive um rei com um coração atormentado. Apaixonada, a heroína da história entra em conflito ao encarar seu próprio arrebatamento como uma traição imperdoável à amiga. Apesar de não ter perdido a coragem de fazer justiça, de tirar a vida de Khalid em honra às mulheres mortas, Sherazade empreende a missão de desvendar os segredos escondidos nos imensos corredores do palácio de mármore e pedra e em cenários mágicos em meio ao deserto.
Raramente eu sou alguém de ficar dando notas perfeitas para livros. Muito pelo contrário: para algo realmente me agradar, eu não posso encontrar nada que possa ser algo negativo para o livro. Uma escrita perfeita, personagens bem construídos e interessantes e um enredo que seja realmente preciso. Antes de hoje, apenas Jardins da Lua tinha me apresentado esse tipo de presença áurea. Sabe aqueles livros que você cavuca algo para falar mal e não consegue achar nada? Jardins da Lua foi assim e agora A Fúria e a Aurora foi assim também.
Eu tinha acabado de ler A Rebelde do Deserto e tinha ficado frustrado com a ausência de elementos do deserto na escrita da autora. E qual não é a minha surpresa quando a Renée me oferece o vento do deserto, os sons dos contadores de histórias e até mesmo a vibe de Mil e Uma Noites na história. Okay, a história é sobre a Sherazade e o califa? Sim. Mas, a autora deu sua própria interpretação à narrativa e aos personagens. A escrita é em terceira pessoa e muito dinâmica, combinando com a pegada Young Adult da autora. Mas, existe uma preocupação com o emprego das palavras. No Oriente, existe uma tradição que cerca as interações entre as pessoas. Existe toda uma ritualística por trás de uma conversa simples. Reproduzir o jogo de palavras em uma obra de fantasia não é algo simples. E a autora faz isso de uma maneira primorosa. Cada diálogo é carregado de significado. As palavras não são jogadas ao vento; elas encadeiam um raciocínio que possui um significado maior por trás de cada palavra posta. Até mesmo a empostação ou a ordem na qual as palavras foram colocadas importa.
Outro trabalho de escrita muito bem realizado pela autora são os gestos feitos pelos personagens. A posição do corpo, a maneira como as mãos se apresentam junto ao corpo, o olhar, a fala, tudo importa. Determinadas cenas são carregadas de importância e não possuem um único diálogo por quatro ou cinco páginas. E, antes que vocês perguntem, não, ela não é uma autora descritiva. Ela deixa metade do trabalho a cargo da imaginação do leitor. Isso produz uma sensação que, ao ler, parece que você está no local onde se passa a história. O leitor é o responsável por construir o fundo e a autora lhe dá as condições para tal. Para mim, a escrita dela neste livro é quase perfeita. E só isso já é o suficiente para me encantar.
“Na minha vida, a coisa mais importante que aprendi é que ninguém alcança a plenitude de seu potencial sem o amor dos outros. Não fomos feitos para ser solitários.”
Por ser uma narrativa mais intimista, existe uma enorme importância no trabalho com os personagens, seja nos principais, seja nos de suporte. E a autora novamente se sai perfeita nesse aspecto. Existe muita profundidade em cada um deles. Existe a mesma quantidade de tempo usada para trabalhar Shazi, Khalid, Tariq, Despina, Jalal. Nenhum deles é perfeito; todos são seres humanos com qualidades e defeitos que os caracterizam. Mesmo Shazi não é aquela deusa estupenda e sensacional; é uma mulher perfeita aos olhos de Khalid que se apaixonou pelo que ela representa para ele. Os personagens de suporte possuem seus próprios problemas e subplots são construídos para que os leitores possam criar vínculos com estes personagens. O leitor fica tenso com determinados desenvolvimentos feitos aos personagens.
"Nunca foi uma questão de quem vai permitir que eu me comporte de determinada maneira; sempre foi uma questão de quem vai me impedir."
O grande tema presente no livro é o de julgarmos alguém de acordo com os relatos que nos são dados. Shazi vai até o califa para se vingar da morte de Shiva, sua amiga (isso não é spoiler, gente, está na orelha da capa tá). Ela constrói a imagem de Khalid como a de um monstro desalmado que mata uma esposa todas as noites e não sente remorso por suas ações. Claro, as ações do califa são imperdoáveis, mas para tudo existe uma justificativa e um motivo. Ele poderia ser um assassino de mulheres? Certamente. Mas, suas ações corresponderiam a de um louco sanguinário. Tal não é o que se dá. Aos poucos, Shazi vai percebendo toda um histórico por trás do comportamento taciturno do califa. O que a autora faz é transformar o "antagonista" em um homem complexo, repleto de camadas que precisam ser descobertas pela protagonista. É curioso que no começo, Shazi funciona como um personagem orelha, nos fornecendo informações sobre o universo literário fornecido pela autora. Mas, quando a autora sente que não há a necessidade mais de explicar sobre o seu universo, ela começa a empregar um sistema de Pontos de Vista que alternam entre os diferentes personagens. Com isso, ela vai trabalhar diferentes núcleos de personagens. E essa incompreensão acerca do califa e das motivações de Shazi no palácio também funcionam como uma nova interpretação do tema presente no livro. Ou seja, temos um retorno ao tema da incompreensão no final do livro, mas sob um outro prisma.
A protagonista feminina é primorosa. É uma mulher forte, sim, em muitos aspectos, mas ela não perde o seu charme feminino. Em alguns momentos ela é tão frágil que o leitor quer estar junto dela para lhe dar apoio e força para continuar seguindo em frente. Ao longo da narrativa, ela vai amadurecendo como pessoa e no final podemos entender por que as pessoas no palácio passam a respeitá-la. Não é algo que começa da noite para o dia, mas que leva tempo e desenvolvimento para tal. A confiança é algo que vai sendo conquistado por ela à medida em que ela vai conhecendo melhor aqueles com os quais ela convive. Tariq também é um guerreiro que vai sendo construído aos poucos pela autora. Entendemos o seu amor pela protagonista e até o motivo de ele ser tão teimoso. Mas, quando ele entra em contato com pessoas que possam ajudá-lo, ele precisa se tornar uma outra pessoa capaz de ajudar aqueles que dependem dele.
O sistema de magias empregado pela autora é bem sutil. Ela adequa o que ela precisa à narrativa. A magia está lá presente, mas na maior parte do tempo o leitor não vê. Eu achei excelente a opção da autora por essa abordagem mais discreta do que ter personagens atirando meteoros na cabeça de outros. E o melhor é que nada do que é apresentado pela autora foge da temática das Mil e Uma noites. Existe magia por trás das histórias de Shazi e da maneira como ela as conta. Para quem procura um livro de ação com mortes, traições, sangue voando para os lados, este não é o seu livro. Aqui tudo funciona de uma maneira muito sutil. As traições estão presentes sim, mas não se trata necessariamente de um livro voltado para esse tipo de público. Existe romance sim, mas não chega a ser algo incômodo. Acho que muito pelo contrário: a autora consegue fazer com que o leitor torça pelo melhor para ambos os personagens.
"Eu aprendi acima de tudo que nenhum indivíduo pode alcançar o topo de seu potencial sem o amor de outros. Não somos feitos para ficar sozinhos, Sharzad. Quanto mais uma pessoa afasta os outros, mais claro fica que ela precisa de amor mais que tudo."
A história termina em um ponto de ruptura e a autora deixa vários ganchos para o segundo volume. O fato de ser uma duologia atua de maneira muito benéfica para a autora que foge um pouco dessa moda de trilogias ou de séries longas. Os capítulos tem um tamanho adequado e a leitura flui muito bem. Não tive qualquer dificuldade na leitura.
Para mim, A Fúria e a Aurora foi a melhor surpresa que eu tive esse ano. A autora possui uma escrita fantástica aliada a uma construção muito competente de personagens, fazendo com que o leitor realmente se importe com o destino de todos os personagens. O aspecto de contação de histórias é bem apresentado e a protagonista realmente tem uma boa habilidade para encantar os leitores. Os jogos de palavras também são ilustrados de forma magistral e tudo importa nos diálogos. Sem dúvida alguma, é uma surpresa e é a melhor leitura do ano para mim até o momento junto com Jardins da Lua.
Ficha Técnica:
Nome: A Fúria e a Aurora
Autora: Renee Ahdieh
Série: A Fúria e a Aurora vol. 2
Editora: Globo ALT
Gênero: Fantasia
Tradutora; Fabienne Mercês
Número de Páginas: 336
Ano de Publicação: 2016
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