Clara é enviada em uma missão para resgatar um espécime que poderia comprovar que os seres humanos não teriam tido nenhuma raça alienígena como sua criadora. Mas, o "resgate" dá errado e ela se vê em uma embarcação cercada de alienígenas crustáceos e um centauro por quem ela desenvolve uma estranha atração física.
Sinopse:
Pode uma mulher se apaixonar por um centauro, criatura de uma estirpe tradicionalmente inimiga dos humanóides, especialmente os terrígenas? Uma surpreendente história de amor regada a sensualidade e aventura, A Guardiã da Memória, do veterano autor Gerson Lodi-Ribeiro, traz enfim a maturidade da ficção científica erótica brasileira.
Em Ahapooka, o Mundo-sem-Volta, descendentes de náufragos de inúmeras espécies inteligentes erigiram culturas mestiças e vigorosas ao longo dos milênios numa tentativa de recriar as glórias de suas civilizações ancestrais. A maioria das culturas alienígenas de Ahapooka discrimina os humanos pela crença da evolução das espécies de forma espontânea, sem auxílio de promotores alienígenas. Para tentar reverter essa situação, a operativa humana Clara — heroína da premiada noveleta “A Filha do Predador” — é enviada para uma missão secreta no Império. Quando os planos da Nação Humana não saem como o esperado, Clara é obrigada a fugir às pressas a bordo de um navio tripulado por alienígenas anfíbias em companhia de um centauro. Isolada com ele por meses a fio, a amizade que a humana nutre pelo alienígena se transforma em algo mais.
Qual é o objetivo da sua história? É levar um anel mágico até as profundezas de uma montanha? É derrotar o senhor das trevas? É desvendar um segredo? Essa é uma das chaves para uma boa história. No momento da concepção de uma história é esse objetivo que move a pena do autor. Todo o resto são ingredientes e decoração. Em A Guardiã da Memória eu senti que faltou foco. O objetivo era claro: mostrar o caso de amor entre dois seres improváveis, uma humana e um centauro. Mas, este objetivo acabou sendo sobreposto por uma série de discussões que não acrescentavam à história dos dois em específico e acabavam por confundir a cabeça do leitor.
Os seres humanos são considerados periféricos no mundo criado por Lodi-Ribeiro. Entre tantas outras raças, a efemeridade humana é vista com curiosidade por outros seres. Todos possuem alguma raça considerada patrona, aquela que teria sido a responsável por espalhar a semente de alguma delas em algum planeta. Mas, os humanos descobriram um espécime que pode colocar essa teoria por água abaixo. Só que esse espécime caiu nas mãos do Império, no planeta Ahapooka, onde os humanos possuem um domínio tênue na cidade livre de Rhea. Para "resgatar" (ou seja, roubar) o espécime, Clara, parente de algumas das figuras mais poderosas da Federação Humana, é enviada para tal tarefa ao lado de mais alguns enviados. Mas, a operação dá muito errado e ela acaba precisando fugir a bordo de um wingfall em direção a uma embarcação de seres crustáceos chamados marítimos que ficaram encarregados de levá-la até Laboratorium, uma ilha do outro lado do planeta. Junto dela, vai outro fugitivo, um centauro da espécie renato chamado Genteel. Essa vai ser uma viagem que vai durar várias semanas por conta de Ahapooka ser um planeta mais atrasado e com comunicações bem ineficientes. Diante de um isolamento e tendo que se adaptar à vida a bordo, Clara e Genteel acabam forjando uma amizade que lentamente vai se transformando em uma atração física.
Lodi-Ribeiro é um dos últimos bastiões de uma velha geração de "pistoleiros" de ficção científica. Alguém que tem aquele tipo de escrita nascida da Era de Ouro do gênero, mas que soube se adaptar às mudanças que a sociedade contemporânea exigiu. Por esse motivo a escrita dele ora vai soar estranha, ora vai ser limpa e clara. A narrativa é contada do ponto de vista da protagonista, ou seja, em primeira pessoa. O objetivo é criar uma empatia do leitor com a personagem. Só que a quantidade de informações que o autor nos passa no começo da história faz com que essa relação de empatia demore a acontecer. Isso torna tudo arrastado e lento. Não foi uma leitura fácil e isso porque eu gosto da escrita do autor. Nesse livro eu acho que ele errou a mão ao passar informações que não diziam respeito necessariamente aos dois personagens envolvidos no drama em questão. Como eu sempre digo: às vezes menos é mais.
A protagonista é uma personagem que vive um dilema existencial. Ela vive à sombra de seus pais, seres que possuem um nome além do céu e da terra. Para Clara, se torna necessária a criação de uma lenda só dela. É isso o que ela busca ao longo da aventura. Claro que o drama que ela vive ao lado de Genteel vai se tornar um foco importante na narrativa, mas a personagem acaba definindo a si mesma por suas ações. Decidida, impulsiva e até meio inconsequente, Clara é uma personagem multifacetada que vai agradar aos fãs de scifi. Só que ela vai esbarrar nesse problema da escrita do autor. Às vezes temos longos momentos expositivos em que somos apresentados à política ou aos ritos ou algum momento histórico importante dos seres humano em sua longa jornada rumo àquela conjuntura ali. E isso quebra um pouco o ritmo. Algumas dessas informações são importantes para entendermos a ligação de Clara com seu pai, por exemplo, mas outras nem tanto como as picuinhas entre os Altos Hierarcas.
Um aviso aos navegantes: essa é uma história com alto teor sexual. Bem gráfico mesmo. Vários momentos. Se você não curte, pula fora. É uma ficção científica erótica. Dito isso, eu achei o drama envolvendo Genteel e Clara de uma leveza que não parece à primeira vista. Porque isso acaba escondido no tapete do erotismo. Se você for parar para analisar, Clara se envolveu com o centauro sabendo que havia um prazo de validade na relação. Explico: Genteel pertence a uma espécie de centauros chamados de renatos. Estes vivem duas vidas completas: a primeira na forma centaurina e a segunda em uma forma humanoide. Quando a sua forma centaurina está prestes a se findar, seu corpo entra em um casulo para ocorrer a transformação. Quando ele retorna como humanoide, o novo ser perde todas as memórias e sentimentos de sua vida anterior. É como se realmente fosse uma segunda vida. Esse dilema é marcante na narrativa e Lodi explora isso muito bem. Chega um momento na história em que a gente esquece que isso eventualmente iria acontecer com Genteel e apenas se diverte com as loucas aventuras eróticas dos parceiros. Não vou contar mais porque seria spoiler, mas é chocante e gentil a forma como o autor trata a maneira como Clara precisa lidar com a situação.
A ambientação que o Lodi cria para a narrativa é perfeita. Só tem um detalhe: não era necessária. Por isso eu insisto na palavra foco. Esta narrativa teria sido perfeita se a lente da câmera tivesse permanecido apenas em Clara e Genteel. Tivesse deixado todos os outros problemas de lado. O roubo, os ataques ao navio, todo o resto empalidece... se torna uma barriga. Minha faca editorial teria reduzido a narrativa a umas cem páginas. E teria sido uma história linda. Mas, tem todo o resto da ambientação, dos jogos políticos, da perseguição, da pancadaria. Para mim, isso mais me incomodou do que me agradou. Tem uma parte do segundo terço para a frente em que Genteel e Clara estão se cortejando até o ato sexual em si até os momentos finais que é lindo. Porque Clara ao ser uma mulher independente e aberta consigo mesmo, não esconde seus sentimentos. E Genteel por saber que está prestes a morrer é um ser aberto por si só. As conversas dos dois são francas demais. Tem alguns momentos de tensão sexual com umas perguntas impagáveis. Mas, se pararmos para pensar um pouco, fazem sentido e são mero puritanismo tolo nosso. Eu fico triste de ter que dar uma avaliação menor a esse livro, mas infelizmente não foi uma leitura fácil. Se você estiver disposto a passar por cima destes problemas, vão ver uma história de scifi muito boa mesmo.
Ficha Técnica:
Nome: A Guardiã da Memória
Autor: Gerson Lodi-Ribeiro
Editora: Draco
Número de Páginas: 303
Ano de Publicação: 2015
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*Material cedido em parceria com a editora Draco
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