A busca pelo punto fijo vai levar Roberto del Pozzo a uma viagem terrível. A Ilha do Dia Anterior vai tratar de temas como a vida, o método científico, o papel da religião em nossas vidas.
Sinopse:
A ilha do dia anterior conta a história do jovem piemontês Roberto Pozzo de San Patrizio, que, durante uma missão secreta a serviço do cardeal Mazarino, tem seu navio Amarilli naufragado por uma forte tempestade nos mares do sul. Após dias sobre uma tábua salvadora, Roberto defronta-se com um navio deserto, o Daphne, abarrotado de objetos antigos, metais, obras de arte, e dá início a uma jornada de volta à época barroca, uma aventura solitária, encenada na memória do rapaz. Repleto de alusões às grandes obras do passado, aos mestres, aos cientistas, este livro é uma enciclopédia em que o leitor se deixará levar pelos fascinantes andares dos labirintos que unem a prosa de Eco. “Uma história ao mesmo tempo estimulante e de humor surpreendente.” - USA Today “Um romance com engenhosidade e arte. Batalhas, poemas de amor e aventuras marítimas na época dos descobrimentos.” - The New York Times Book Review “Maravilhosamente exótico. Uma viagem intelectual emocionante.” - San Francisco Chronicle
Alguns livros possuem tantas interpretações diferentes que é impossível apresentar todas elas em uma resenha. Ao mesmo tempo este tipo de livro apresenta um outro modelo de desafio ao serem livros mais carregados dos quais o leitor precisa ter um nível de atenção maior. Só para exemplificar o que eu estou dizendo, A Ilha do Dia Anterior não é um livro grande. Ele está na média dos livros de 300 a 400 páginas que eu costumo ler em uma semana ou até duas. Admito que esta leitura não foi fácil, me tomou muito tempo e as passagens se sucediam com um peso muito grande. Quando eu terminei o livro e peguei outro para ler, pude ver a diferença. Parece até que eu tirei um peso das costas.
Esta é a história de Roberto del Pozzo, um jovem nobre de uma famosa família italiana. Vivendo como o futuro sucessor da Griva, vemos um pouco de sua trajetória até ele embarcar no Amarili e naufragar no Oceano Pacífico. Ele havia sido enviado pelo cardeal Richelieu para encontrar o punto fijo, o lugar onde encontraríamos o antemeridiano, o lugar que estaria no dia anterior segundo o meridiano de Greenwich. Tendo naufragado, Roberto encontra o famoso Daphne, que também havia sido enviado em uma empreitada semelhante e lá encontra várias relíquias do passado. Ao longo de toda a sua vida, Roberto se engajará em uma série de discussões sobre a vida, a existência de Deus, as ciências e como um homem pode amar.
Antes de tudo é preciso salientar que o enredo do livro não é importante. Umberto Eco claramente usa o enredo como um mote para apresentar uma série de temas ligados à filosofia. A história é bem simples e termina também de uma maneira simples. Para aqueles que aguardam sempre reviravoltas fantásticas, esqueçam. No final do livro, acontecerá o óbvio. Não digo que isso é frustrante porque eu logo percebi o que eu disse primeiro: o enredo não é importante. Os personagens da história são bem apresentados apesar de que Eco acabou não se debruçando tanto sobre Lilia, o amor da vida de Roberto. Nem mesmo sobre a Novarese, mas tal é compreensível. Esta foi usada como um argumento para exemplificar a divisão em ordens típicas do Antigo Regime europeu. Richelieu e Colbert são apresentados de maneira marcante e gostei da forma como Eco aproveitou estes importantes personagens históricos.
"O filósofo deve ter a coragem de criticar todos os ensinamentos mentirosos que nos foram inculcados, e entre eles se inclui o absurdo respeito pela velhice, como se a juventude não fosse o máximo entre os bens e virtudes. Em sã consciência, quando um homem jovem é capaz de conceber, julgar e agir, não é talvez mais hábil no governo de uma família do que um sexagenário tolo, a quem a neve da cabeça congelou a fantasia? Aquilo que honramos como prudência nos mais velhos não é senão temor, pânico de agir. "
Posso imaginar o nível da pesquisa histórica feita por Eco. O livro é riquíssimo em detalhes. Ficamos sabendo sobre os hábitos de higiene, as principais pesquisas científicas do período renascentista e até mesmo um pouco da corte francesa. Um detalhe que passa despercebido é que muitas vezes a história da Itália na Idade Moderna acaba passando ao largo dos grandes livros de história. Nós nos esquecemos que, durante muitos séculos, tivemos os Estados Italianos independentes. Forças como Florença, Veneza e Gênova eram potências econômicas e muitas das guerras modernas ocorreram entre estas cidades. Eco apresenta a disputa por Casale Monferrato de maneira brilhante. Casale era um importante entroncamento na região italiana do Piemonte, já que Turim ainda não era um território muito poderoso. Por ali passavam as estradas que atravessavam os Apeninos, maciço montanhoso que separa a península Itálica do resto da Europa.
Outro ponto muito bacana que Eco ilustra neste livro são as disputas dinásticas. Neste momento em particular, duas dinastias buscavam conquistar seus territórios através de casamentos e expedições militares: os Habsburgos da Espanha e os Bourbon da França. Percebam como estas disputas dinásticas eram tão estúpidas... para os capitães das forças militares estacionadas nas regiões em disputa, nunca se sabia para quem eles estavam lutando naquela semana.
Mas, falemos de Rodrigo. Para mim, Rodrigo é um personagem muito passivo ao longo de toda a história. Ele não toma atitudes; estas são tomadas por ele. Mesmo quando ele esteve prestes a ter algum tipo de glória militar, ele fugiu. Não posso dizer que Rodrigo evoluiu como personagem na história. Ele apenas adquiriu conhecimentos que o tornaram um pouco mais sábio. Nos últimos capítulos, vemos que Rodrigo tenta pegar de volta o controle sobre sua vida quando nada em direção à Ilha. Mas o seu medo de mudar acaba tomando o controle sobre si. Quando ele sai ferido de uma de suas expedições, esta é a ilustração da vida do personagem. Ferrante, seu gêmeo imaginário, nada mais é do que um espelho de si. A vida de Ferrante é a maneira como Roberto queria viver a vida se ele tivesse mais coragem. No começo, Eco pinta Ferrante como o Suspeito, um estereótipo de personagem o qual representa a ambição e a maldade em seu próprio benefício. Mas, no final, Ferrante acaba se envolvendo em algumas cenas que parecem ser aquelas que o próprio Roberto gostaria de ter vivido como o tórrido romance no Tweed Daphne com Lilia. Mesmo as aventuras vividas por Ferrante são um pouco do que Roberto desejava para si. Não vejo Ferrante como o Suspeito, mas como um outro estereótipo literário: o Espelho.
A Ilha do Dia Anterior tem um tom de escrita expositiva que lembra muito O Mundo de Sofia, de Jostein Gaarder. Com A Ilha do Dia Anterior, Eco queria mostrar aos leitores a intensa disputa entre religião, senso comum e ciências no mundo moderno. A dificuldade dos cientistas em fazer valer suas teorias quando todo o mundo achava que a Terra era o centro do Universo e o Sol girava em torno da Terra. Algumas das melhores discussões ocorrem entre Roberto e o padre Caspar. Por exemplo, se temos múltiplos mundos habitáveis pelo Universo, isso significa que Jesus nasceu em todos eles e foi crucificado em todos eles, certo? Ou o questionamento sobre o antemeridiano, o medo irracional de Roberto em se dirigir à ilha, com medo de viajar no tempo para o dia anterior. Não quero comentar muito sobre estas discussões porque estas são o recheio do livro. Muitas passagens fascinantes que, mesmo tratando de discussões muito antigas, mostram como a ciência foi se desenvolvendo passando por cima de teorias absurdas.
Ler Umberto Eco é uma experiência literária. A forma como ele escreve é arte. Jamais vi algo nesse nível. Sim, é uma leitura difícil... sim, não é para qualquer um. Mas, como é bom ver um autor com tamanho domínio sobre as letras. Mesmo sendo uma leitura dificílima, recomendo a qualquer um a leitura deste livro. Mas, vá preparado; não é uma leitura a ser feita de maneira leviana. É preciso sentar, ler de pouco em pouco, para que as palavras colocadas em cada linha possam ser absorvidas pelo leitor. Não dou mais corujas para esta leitura porque não é uma leitura divertida. Aliás, não é para ser algo deste tipo. É como ser levado para a escola e escutar uma aula fenomenal do qual o aluno fica sem entender mais da metade dela.
Ficha Técnica:
Nome: A Ilha do Dia Anterior
Autor: Umberto Eco
Editora: Best Bolso
Gênero: Romance Histórico/Fantasia
Tradutor: Marco Lucchesi
Número de Páginas: 434
Ano de Publicação: 2010
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