Alexandre é um funcionário público que trabalha em uma firma de advocacia. Mas, quando a lua cheia aparece no céu ele dá lugar a Solitário, um lobisomem faminto que precisa saciar sua fome para aplacar sua fúria selvagem.
Sinopse:
Desde muito antes da fatídica narrativa de Stevenson, o conto da dualidade de personalidades disputando um mesmo corpo vem fascinando a humanidade. Como seria o desenrolar dos eventos quando duas mentes de diferentes índoles assumem alternadamente o comando de um mesmo corpo? Seja em seu aspecto mais sombrio, seja em seu tom esverdeado mais pop, o dilema de O Médico e o Monstro nos desafia a imaginar como seria se nossa própria consciência nos tornasse meros espectadores de uma história de vida (ou morte) que se desenrola ao alcance de nossa percepção, mas sem nossa interferência? É fácil concluir que duas consciências distintas e antagônicas não podem conviver pacificamente num mesmo corpo. Esta é a história da disputa entre o homem e a fera e, no final, só pode haver um.
Drácula, Frankenstein e Mr. Hyde. Três mitos fundadores do gênero do terror. As histórias criadas a partir destes três arquétipos foram inúmeras girando do terror, à fantasia e até ficção científica. Esses são mitos antigos e já muito explorados. Então a pergunta é: como criar algo novo dentro de histórias que existem há mais de cem anos? Clecius Alexander Duran encontrou uma boa saída que ainda não havia sido tentada em uma história que tem muito a nos oferecer.
Usar o mito do médico e o monstro para construir a figura do lobisomem certamente foi algo extremamente criativo. Em um primeiro momento eu juro que imaginei que não daria certo. Mas, a ideia é colocada de uma maneira tão sutil que acaba ficando verossímil. Se formos parar para pensar um pouco, o lobisomem é a manifestação de nossa índole violenta sob a luz de Selene, a lua cheia. Oras, isso nada é além de que uma complexificação do mito do Mr. Hyde. Dar uma personalidade distinta ao lobo também ficou uma saída muito legal porque a gente percebe desde o começo que ele tem seus próprios objetivos. Achei que Clecius podia ter explorado mais este antagonismo entre Alexandre e Solitário. Um dos melhores capítulos do livro foi a busca incessante de Solitário pelo Exilado. Todo o resto acerca das habilidades e fraquezas do lobisomem já nos são conhecidas então não um motivo real para mexer nessa parte. Temos apenas um plus que é o que vai conduzir a mola propulsora para o final da história. Mas, não vou comentar muito para não estragar a história e também porque o autor deve trabalhar isso em outras histórias (ou não).
O que temos em A Maldição do Lobisomem é a história de Alexandre e como ele conhecer o motoclube que é a sua alcateia. A ideia de usar um motoclube para um espaço de reunião de lobisomens foi bem sacada, mas acho que o autor pode explorar outras possibilidades também. Mas, enfim, o uso do motoclube permitiu explorar a dinâmica de grupo e como o protagonista precisa superar sua tendência natural ao isolamento para poder aprender a viver coletivamente com sua maldição. Os personagens do motoclube são bem diferentes. Cada um deles pode gerar excelentes histórias mostrando suas origens e as atribulações de suas vidas duplas. Cada um deles possui voz distinta o que os torna mais ricos como personagem. O único que eu senti que ficou um pouco para trás foi Hardy. Imaginei que haveria alguma disputa entre dois personagens e Hardy agiria como o fiel da balança. Mas, tal não aconteceu. Poderia ter gerado algo bem explosivo.
A escrita de Clecius é muito boa e revela o conhecimento de vocabulário que o autor. Isso permite que o autor possa brincar bastante com as formas de apresentar as cenas e as situações. Senti somente alguns problemas no tocante à transição entre as formas de apresentar as cenas. O autor tem uma forte influência da escrita gótica típica de Mary Shelley ou de Stevenson e isso é visto nas linhas do livro. Os primeiros capítulos são bem tensos com uma construção de tensão e medo que a gente sente nos poros da pele. O perigo está à espreita e de caninos abertos. Mas, mais para a metade da história vemos momentos em que esse gótico passa para um informalismo do momento para o outro. É uma transição muito abrupta o que pode fazer o leitor ter um estranhamento na hora nesse sentido. É como se todo aquele clima de tensão quebrasse para atender a uma colocação mais irônica. Essas brincadeiras podem (e devem) ser usadas para quebrar o ritmo, mas precisam ser mais comedidas, caso contrário o espírito de terror que está sendo criado pode desaparecer por completo. Outro cuidado bem importante para o autor nesse sentido é com as brincadeiras feitas entre os personagens. Elas são necessárias sim, para demonstrar a relação de amizade e intimidade entre eles, mas quando elas ficam demais, isso prejudica também o rumo da história. Fica parecendo os filmes da Marvel que, para criar um momento hilário, empregam demais aquelas frases de efeito ou irônicas. Elas não podem ser A maneira para mostrar intimidade, mas UMA das maneiras para isso. Não ficou demais no livro do autor, mas teve um momento na segunda metade da história que elas começaram a ficar cansativas demais.
Quem busca uma narrativa de terror bem sangrenta, aqui está a sua pedida. Adorei que o autor não poupou esforços e nem aliviou na hora de apresentar a ação dos lobisomens frente aos humanos ou aos animais. Na primeira vez, eu precisei ler de novo para ver se eu entendi bem o que eu estava lendo. Não é muito comum. Achei demais. O autor não teve nenhum pudor em mostrar cenas violentas porque essa é a maneira como os lobisomens se alimentam. Eles não fazem um afago ou sugam a força vital: eles comem. As cenas de caçada também ficaram excelentes e o autor soube mostrar bem a maneira como os lobos se dividem, como eles realizam suas explorações e até a maneira como demarcam território. Achei também extremamente original a saída encontrada por Alexandre para não sair pelado após uma transformação.
A ambientação está muito boa também. Canso de ressaltar a necessidade de explorar mais as nossas cidades, o nosso país, que tem uma enorme riqueza de lugares que dariam ótimas histórias e o autor faz justamente isso. Demonstra até que ele conhece os lugares por onde Alexandre passou e em muitos detalhes. Nos sentimos completamente situados e mesmo quando temos uma cena mais lenta, apresentando o cotidiano do protagonista, tudo é feito de uma maneira magistral. Londrina, São Paulo e depois o interior de Goiás ganham vida nas mãos do autor. Mesmo quando se trata de um lugar mais afastado onde os lobos fazem suas caçadas, logo sabemos onde nos encontramos. Dá até mesmo um tom de lendas do interior do Brasil em alguns momentos quando alguma morte ou desaparecimento é colocado como sem explicação.
A escrita é construída em terceira pessoa, mas mais próxima de Alexandre e Solitário. Em determinados momentos Alexandre funciona como um personagem-orelha ao conhecer um mundo sobrenatural completamente diferente do nosso. Como já ressaltei, a escolha das palavras é muito boa e a história flui bem. Não senti quaisquer dificuldades para terminar a leitura e na metade do livro eu queria virar as páginas rapidamente para saber o que aconteceria a seguir. O motoclube ficou um espaço muito legal e o leitor fica curioso com todos os integrantes do lugar. Só faço uma observação no que diz respeito à escrita: o excesso de informações acerca de processos de direito. Em escrita criativa, diz-se que, na maior parte das vezes, menos é mais. Ficou claro desde o começo que a carreira do protagonista era importante para sua existência como ser humano. E até aquela parte com o Deivid foi legal para estreitar a relação entre ambos. Mas, em muitos momentos, o autor acaba explicando demais minúcias relativas a processos tributários. Se não vai servir à narrativa, deixa para lá. Caso contrário, forma uma barriga que torna a leitura truncada e não acrescenta no resultado final. Gostei muito mais da obsessão do protagonista com acidentes de trânsito do que estes trechos processuais. Porque a parte do trânsito revela como o personagem tem um espírito obcecado com isso. Ao reforçar essa obsessão, a gente já sabe que em algum momento isso vai gerar algum desenvolvimento na história.
A Maldição do Lobisomem é um ótimo livro de terror. Indico a todos aqueles que procuram uma boa história de lobisomens, que estava em falta, a partir de uma narrativa extremamente credível e situada no Brasil. O protagonista tem uma boa história a ser explorada e somos imersos em um mundo sobrenatural repleto de criaturas que estão mais alto na cadeia alimentar. As descrições de caçadas são incríveis e o autor não aliviou nem um pouco nesse sentido. Vale a pena demais!
Ficha Técnica:
Nome: A Maldição do Lobisomem Autor: Clecius Alexander Duran Série: Crônicas da Lua Cheia vol. 1) Editora: Giostri Gênero: Terror/Fantasia Urbana Número de Páginas: 268 Ano de Lançamento: 2016
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