O cerco a Stalingrado já dura muito tempo. Os russos estão desesperados e famintos. Aqueles que não participam diretamente da guerra como Nadya, acabam sendo arrastados de alguma forma para ela. Para sobreviver, Nadya terá que dar alguma coisa ao Diabo...
Sinopse:
Não há milagres em Stalingrado, a não ser que você saiba onde procurar. Há rumores que a figura do Diabo assombra Stalingrado e, em troca de favores, dá comida e segurança àqueles que vêm buscar sua ajuda. Nadya vai até ele pensando em vender a medalha da sua mãe, mas o Diabo quer outra coisa: informações sobre o exército. Quando um espião é descoberto, Nadya precisa escolher: entregar um inocente em nome de sua própria segurança, ou morrer como traidora.
Bela história! Bela mesmo. Nem sempre é fácil surgir com ideias especulativas usando o cenário de guerra para criar algo novo. Laura Pohl pegou Stalingrado durante a Segunda Guerra e criou uma narrativa bem intimista em que ela analisa o papel de espiões civis empregados pelos russos para levar informações de um lado para o outro. O que ela criou fica nos limites do realismo e da ficção especulativa. Se torna bem difícil descolar uma coisa da outra. Ao final nos deparamos com uma história que trabalha com a nossa capacidade de pensar no amanhã e, mais do que isso, ter a esperança de um futuro melhor. Isso em uma situação-limite onde todos perdemos nossos sonhos diante da morte iminente.
Nadya tem uma vida muito difícil junto de sua avó. Tendo perdido seus parentes por causa da guerra, ela precisa levar uma vida de dificuldades e privações. Para conseguir colocar pão em casa, ela se torna uma prividenyie, uma espécie de espiã civil que leva informações russas a diferentes postos de batalha espalhados por toda Stalingrado. Uma tarefa difícil em que a maioria dos prividenyie acaba morrendo vítima de uma bala perdida ou quando são alvejados por rifles alemães. A vida não tem oferecido saídas fáceis e só passar de hoje para amanhã já é uma tarefa complicada. Dentre várias lendas urbanas, Nadya ouve falar sobre uma espécie de demônio que é capaz de oferecer qualquer desejo das pessoas. Mas, para isso, ele exige alguma oferenda em troca. Nossa personagem sai rumo ao rio Volga para buscar o esconderijo desse diabo e pedir o que ela deseja.
Essa é uma daquelas histórias que transbordam tristeza e melancolia. O cenário de guerra é capaz de trazer essa virulência e efemeridade da vida. Viver até o dia seguinte já é uma dádiva por si só, quanto mais sonhar ou desejar o futuro. Ter um pão na mesa, não ser alvejada por tiros e chegar em segurança em casa talvez sejam os únicos desejos de Nadya. Mas, o Diabo tem outros planos para ela. Nessa dura caminhada do dia-a-dia, Laura consegue nos mostrar um ambiente duro e complicado para que os seres humanos possam se expandir. Em vários momentos, o leitor tem uma sensação de claustrofobia e medo. Nesse sentido a autora foi muito feliz em conseguir transferir uma ambientação dessas para o seu conto.
Minha reclamação está no fato de que a história começa um pouco confusa e demora a engrenar. As cinco primeiras páginas não ficaram legais e o leitor sente dificuldade de se localizar no tempo e no espaço. Depois disso, a história flui numa boa. Melhor até do que imaginamos a princípio. Adorei os personagens: Ilya (uma espécie de amor platônico ou de sobrevivência), a avó e o Diabo. O desenvolvimento dos personagens é bem conduzido e a autora consegue criar uma narrativa cujo tamanho é bem apropriado para aquilo que ela planeja. Achei que faltou trabalhar um pouco a importância da Babushka (a avó) na vida de Nadya. Embora a maior preocupação da vida de Nadya seja ela, não ficou claro na história a relação entre ambas. Ficou algo muito solto no ar. Umas duas cenas com as duas conversando ou um flashback ou qualquer coisa do gênero teria servido para criar uma empatia melhor entre as duas personagens. Me importei mais com o Ilya do que com a avó.
Se podemos falar de um grande tema aqui é a esperança. O Diabo aparece na narrativa como alguém que deturpa os desejos e necessidades daqueles que o procuram. Sua postura de corromper as pessoas pode ser feito sem precisar receber oferendas. Basta levar o personagem a fazer aquilo que ele deseja que ela faça para poder roubar sua alma. É mais ou menos isso o que ele faz com Nadya. Depois do seu acordo inicial com o demônio, Nadya vai ficando cada vez mais e mais etérea. Não é só a sua percepção sobre a vida que vai nublando, mas todo o seu ser que se torna fantasmagórico. A constante morte de conhecidos faz com que ela tenha pouca esperança em sua vida. É como se ela realmente fosse um espectro em vida.
Essa história curta da Laura consegue ser bem sucedida na tarefa de apresentar um cenário realista e criar uma narrativa especulativa à parte. Daria até para cogitar pensar que o Diabo poderia ser apenas um ser vivo com muitos conhecimentos e capacidade para chantagear a protagonista. Não há o emprego de habilidades sobrenaturais claras, apenas a percepção de Nadya de que as coisas estavam acontecendo. Boa parte das violências fazem parte do próprio comportamento agressivo do homem em tempos de guerra. Ao ficar com essa coisa da "fantasia" ou não na cabeça, Laura brinca com nossas expectativas. No mais, só tenho a recomendar.
Ficha Técnica:
Nome: A Morte do Diabo
Autora: Laura Pohl
Editora: Revista Mafagafo
Número de Páginas: não informado
Ano de Publicação: 2020
Avaliação:
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