Rowan e Citra veem seus caminhos separados pelo iminente colapso da Ceifa Mid-mericana. Talvez eles sejam a única salvação de toda a Ceifa... mas será que ela quer ser salva?
Sinopse:
No segundo volume da série Scythe, a Ceifa está mais corrompida do que nunca, e cabe a Citra e Rowan descobrir como impedir que os ceifadores que não seguem os mandamentos da instituição acabem com o futuro da humanidade. Em um mundo perfeito em que a humanidade venceu a morte, tudo é regulado pela incorruptível Nimbo Cúmulo, uma evolução da nuvem de dados. Mas a perfeição não se aplica aos ceifadores, os humanos responsáveis por controlar o crescimento populacional. Quem é morto por eles não pode ser revivido, e seus critérios para matar parecem cada vez mais imorais. Até a chegada do ceifador Lúcifer, que promete eliminar todos os que não seguem os mandamentos da Ceifa. E como a Nimbo Cúmulo não pode interferir nas questões dos ceifadores, resta a ela observar. Enquanto isso, Citra e Rowan também estão preocupados com o destino da Ceifa. Um ano depois de terem sido escolhidos como aprendizes, os dois acreditam que podem melhorar a instituição de maneiras diferentes. Citra pretende inspirar jovens ceifadores ao matar com compaixão e piedade, enquanto Rowan assume uma nova identidade e passa a investigar ceifadores corruptos. Mas talvez as mudanças da Ceifa dependam mais da Nimbo Cúmulo do que deles. Será que a nuvem irá quebrar suas regras e intervir, ou apenas verá seu mundo perfeito desmoronar?
A Nuvem
Atenção: contém spoilers do livro anterior, O Ceifador.
Após a leitura de O Ceifador, a expectativa para A Nuvem estava nas alturas, com o perdão do trocadilho. Em O Ceifador, Neal Shusterman construiu um mundo em que a humanidade dominou a vida e a morte, as doenças e as guerras, superou as desigualdades sociais e vive seu estágio de plenitude. Daí a ação necessária da Ceifa, a fim de controlar o crescimento populacional e garantir a sustentabilidade do planeta. O autor nos envolveu de tal forma que seria impossível esperar menos que a excelência de sua sequência.
Em A Nuvem, Shusterman decide abruptamente mudar as regras do jogo. Nos acostumamos tanto com Rowan e Citra, nos apegamos a eles, e de repente não é mais a visão dos dois que nós acompanhamos. Como o próprio título sugere, a Nuvem é a verdadeira protagonista da história. Vendo o caos se alastrando pela Ceifa e as conspirações florescendo, ameaçando toda a filosofia e os próprios mandamentos dos ceifadores, a Nimbo-cúmulo precisa fazer alguma coisa. Seu tratado com a humanidade a impede de interferir diretamente, mas, afinal, ela é perfeita e consegue achar brechas.
“Que irônico e poético que a humanidade possa ter criado o Criador com o desejo de ter um. O homem cria Deus, que então cria o homem. Não é esse o ciclo perfeito da vida? Mas, se for esse o caso, quem é criado à semelhança de quem?”.
Vemos toda a história, então, do patamar da Nimbo-cúmulo, como observadores oniscientes e onipresentes, distantes e levemente apáticos diante de tudo que está acontecendo. Citra e Rowan estão lá, mas a narrativa do ponto de vista de uma Inteligência Artificial compromete boa parte da empatia que nutríamos por eles. Todo esse sentimento se confirma com os excertos de consciência da Nimbo-cúmulo entremeando os capítulos, como se comentando cada situação observada. É interessante, é bom, mas não funcionou tão bem quanto no primeiro livro.
A atenção também precisou ser dividida com a chegada de mais um personagem inesperado e, ainda que os capítulos dele sejam alguns dos poucos em que realmente entramos em uma esfera particular, senti que tanta fragmentação comprometeu a fluidez da história e o aprofundamento de todos os plots e subplots. Esses pontos me incomodaram o suficiente para atrasar a minha leitura e me desapontar um pouquinho, porém atribuo parte da culpa à minha própria expectativa.
Apesar de tudo isso, Shusterman continua provocativo e instigante, sempre utilizando estratégias narrativas surpreendentes. Nada é óbvio em sua escrita, ainda que em um primeiro momento assim o pareça, e a sua coragem em utilizar a catástrofe ao seu favor é admirável. As decisões tomadas são muitas vezes radicais e interessantes, levando o livro a um clímax muito bem conduzido.
Diante do todo, facilmente nos esquecemos de todos esses deslizes porque a história é realmente incrível. A leitura é limpa, rápida, direta e, muito em parte por se tratar de um livro Young Adult, tudo acontece com muita fluidez e facilidade. Somos desafiados a refletir sobre o que lemos, as temáticas são profundas e inteligentes, mas tudo se encaixa de forma muito certinha, sem dificuldades para o leitor. Shusterman sabe como criar uma narrativa agradável, disso não há dúvidas.
“Os fins nem sempre justificam os meios. Mas às vezes justifica. A sabedoria está em reconhecer essa diferença.”
Os questionamentos filosóficos ainda são o cerne da série e gostei muito da abordagem das situações-problema em A Nuvem. Sacrifícios, decisões e consequências, honra e respeito a si mesmo e ao próximo permeiam o livro do início ao fim, mas, sobretudo, neste volume temos a própria condição humana posta em cheque. A relação da humanidade com o planeta, os limites entre ética e ciência, a moralidade da Ceifa diante da morte e a interferência da tecnologia, entre outros pontos, fazem de A Nuvem um livro com várias camadas de pensamento crítico a ser desbravado, muito além da história de adolescentes ceifadores, muito além do entretenimento de um bom livro.
E o final... que final! Shusterman incendiou o desfecho de A Nuvem demonstrando sua maestria como contador de histórias e nos desesperando pela continuação. O Timbre, terceiro livro da série, acaba de ser lançado pela Editora Seguinte, e eu não sei vocês, mas eu mal vejo a hora de descobrir o que aconteceu.
Ficha técnica:
Título: A Nuvem
Autor: Neal Shusterman
Série: Scythe vol. 2
Tradução: Guilherme Miranda
Editora: Seguinte
Páginas: 496
Ano de lançamento (no Brasil): 2018
Livro cedido em parceria com a editora Companhia das Letras
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