Tentando buscar sarar as feridas de um amor que parece perdido, o Cientista busca encontrar alguma solução lógica para sua questão. Ele cria uma máquina do tempo para, quem sabe, entender o que levou Carolina a deixá-lo. Será uma emocional aventura aos limites do coração humano, aquela outra máquina que nos move e nem sempre é lógica.
Sinopse:
A esposa do Cientista o deixou, mas ele não sabe bem como sofrer (e olha que ele sabe muita coisa). Então, ele decide construir uma Máquina do Tempo para resolver a questão, pois não é Ele que cura todas as dores?
No entanto, o Tempo não pretende facilitar a situação, e faz o Cientista seguir numa jornada de descobertas, do início dos dias ao fim do mundo. E nessa viagem, o cientista experimenta a mecânica dos desacontecimentos, a arqueologia dos desejos e a mágica do Magnífico Bizu, tudo para responder a maior questão de todas: como desatar o nó de seu destino com a linha da vida de sua amada.
O tempo pode ser uma coisa cruel e maravilhosa ao mesmo tempo. As lembranças formam um conjunto de experiências que ficam pela vida inteira. Nosso primeiro caminhar, nossa ida à escola, nosso primeiro amor, nossos companheiros da vida. Ser capaz de lidar com o tempo de nossos sonhos e a vida real também faz parte dessa experiência. Dividir a atenção entre o que gostamos de fazer e estar com aqueles que gostamos. Quando nos dedicamos a apenas uma das duas coisas podemos estar negligenciando algo marcante e que pode vir a nos assombrar no futuro. Na narrativa, Crisântemo, o Cientista, é um homem da ciência, voltado para suas infinitas pesquisas. Até que um dia, Carolina, o amor de sua vida, simplesmente deixa a sua casa. Depois de anos juntos e muitas sextas do strogonoff, ela vai embora. E o Cientista fica desolado sem entender o que aconteceu. Aonde ele errou? O que esqueceu? É aí que ele decide construir uma máquina do tempo e buscar voltar ao passado para tentar entendê-lo e, quem sabe, modificá-lo. Após construir com sucesso, ele encontra o próprio Tempo que irá guiá-lo em uma jornada pelo seu passado.
A história é repleta de brincadeiras feitas com escrita criativa. A manipulação das palavras para obter algum tipo de efeito narrativo. Seja mudando a cor da fonte, alterando a formatação, introduzindo um estilo de peça de teatro, mexendo no posicionamento das letras, invertendo frases. Essas coisas só são possíveis de serem feitas através da linguagem narrativa; nada disso pode ser transportado para outras mídias. Em todos os oito capítulos desta história tem algum tipo de brincadeira, até mesmo no final quando ele diz FIM. Fiquei encantado com a criatividade, mas o livro não é feito só disso. Existem outras minúcias narrativas envolvidas. A começar pela forma de contar a história que é leve e irônica na medida certa. E isso porque a história não é nem um pouco leve. Ela é bastante melancólica, mas a gradação na escrita ajuda a diminuir o seu tom dramático. Isso faz com que a leitura seja extremamente rápida e fluida. A narrativa é contada em uma pseudo terceira pessoa, focada no ponto de vista do Cientista que nos guia por seus momentos de alegria e tristeza. No começo da história, os parágrafos são repletos de metáforas científicas e matemáticas, o que me divertiu bastante em ver como o autor criava uns simbolismos bastante curiosos com equações, experimentações e instrumentos de laboratório. Mas, à medida em que a história passa e o protagonista é confrontado com suas ausências e enganos, os simbolismos vão se reduzindo em quantidade e especificidade até chegar ao final em que quase não há nenhum. Ou seja, a própria forma de escrita acompanha o processo emocional do personagem.
Já citei várias vezes o quanto narrativas de viagem no tempo são armadilhas perfeitas para escritores incautos. Mas, Márcio opta por uma abordagem em que a viagem no tempo em si não é o centro da história, mas um instrumento para que ela possa acontecer. E ela é tratada até com certa naturalidade sendo que o Tempo é uma espécie de avatar que interage com o personagem. Ou seja, o autor adotou uma abordagem semelhante ao que Octávia E. Butler e Audrey Niffenegger usaram, se focando mais nos personagens do que no meio. Acho bastante acertada a opção e, dado o estilo mais despojado e irônico do que é apresentado, ele não precisa explicar os meandros da viagem no tempo. Esta fica mais no campo das ideias e se transforma mais em um meio para explorar os sentimentos de Crisântemo. Ele está chateado e triste com a ausência de sua amada. Investigar o passado serve para enfrentar seus medos e entender o que ele fez de errado. Algum leitor pode até sugerir que toda a experiência que ele vive ao longo da narrativa não passa de um fruto de sua própria mente, fraturada pela perda e tentando dar um significado racional ao inexplicável até ali. Um raciocínio desses é possível porque o autor, espertamente, deixa tudo em aberto.
O ser humano é um ser egoísta por natureza. Escolhemos viver em sociedade porque não nos damos bem vivendo de forma solitária. Mais do que isso, precisamos de companheiros próximos que deem sentido às nossas vidas sejam pais, familiares ou cônjuges. Só que o mundo contemporâneo exige demais de nossas mentes e corpos e acabamos distribuindo mal o tempo que damos ao nosso mundo social, mundo profissional, mundo íntimo e mundo do lazer. Saber equilibrar esses mundos que são universos em si mesmos é uma arte que poucos dominam. O que acontece é que quando não damos atenção a um desses mundos sofremos com perdas. E essas perdas podem ser de grau sócio-econômico ou particular. O Cientista é um indivíduo voltado para suas pesquisas, para incríveis descobertas e viagens pelos cantões mais incríveis da ciência. Por conta disso ele se tornou uma pessoa isolada e, mesmo vivendo com uma companheira que o ama, ele a deixa para trás ao estar nesse mundo que pertence a ele mesmo. Não se dá conta de que o mundo real está girando ao seu redor, e é sua esposa quem precisa lidar com ele. O contato com ela vai se perdendo pouco a pouco até que estar ali já não é tão necessário a ela. Carolina não deixa de amá-lo, apenas precisa que alguém dedique tempo a ela. Essa é uma dedução que fazemos logo de cara, ao perceber o contexto no qual as coisas se sucederam.
Em alguns casos, um relacionamento não termina em um grande clímax. Pode ser algo mais suave e progressivo, circunstâncias que levam anos para se desenvolver e que esfriam a relação. Pode ser até que um não necessariamente deteste o outro, mas é mais no sentido de que a presença de um não é mais importante na vida do outro. Parando para pensar um pouco, talvez o grande clímax ou a briga central pode ser até algo menos triste do que esse tipo de final mais lento e melancólico. E eu me identifico um pouco com o Cientista e procuro me policiar o máximo possível. Sei que nem sempre sou bem sucedido, mas o que importa é que não nos esqueçamos de quem está ao nosso lado. Nos preocuparmos. Em um determinado momento, entendemos que o momento em que Crisântemo acha que foi a fagulha da separação (talvez nem tenha necessariamente sido) era um mau dia para conversar com Carolina. E nem sempre nossos parceiros e parceiras estarão em bons dias para nos responder alguma coisa. E isso pode ou não significar algo mais sério. Quase sempre não. Um mau dia é um mau dia e pronto.
A viagem no tempo de Crisântemo me faz pensar em uma das funções da disciplina História, desenvolvida por Heródoto, na Antiguidade Clássica. A História como mestra da vida, para que possamos compreender o passado e não cometamos os mesmos erros no futuro. Claro que essa é uma percepção por demais utópica das experiências de vida. O ser humano não funciona de uma forma tão lógica assim. Não somos autômatos que não repetem mais processos anteriores. Podemos e iremos cometer os mesmos erros. O que cabe pensar ao revivermos momentos de outros períodos de nossas vidas é como sermos melhores. O protagonista pensa o tempo todo em corrigir o que ele fez outrora, mas o passado não funciona dessa maneira determinista. E somente quando ele realmente entende o que significa realmente viajar no tempo e reviver momentos marcantes de sua vida é que seus sentimentos se tranquilizam e ele aceita o que o universo lhe oferece.
Esta é uma linda história repleta de camadas e discussões que poderíamos levar dias comentando a respeito. Mas, não quero estragar a diversão dos leitores de estarem ao lado do protagonista e passarem algumas horas revirando os porões mais secretos de nossas almas. Aquelas dúvidas que permeiam nossos corações, essas outras máquinas que não são máquinas do tempo, mas que são capazes de levar até momentos de nossas vidas onde erramos ou acertamos, destacamos ou ignoramos e que nos fizeram ser quem somos hoje. O final da história pode ou não ser feliz, depende da sua perspectiva e o autor vai deixar isso em aberto de propósito para que cada leitor chegue à sua própria conclusão.
Ficha Técnica:
Nome: A Outra Máquina
Autor: Márcio Moreira
Editora: Dame Blanche
Número de Páginas: 99
Ano de Publicação: 2022
Link de compra:
*Material enviado em parceira com a editora Dame Blanche