Um local onde as pessoas passam por um treinamento de forma a abrir suas mentes e um produto capaz de propiciar o uso da telepatia. Em um romance repleto de mistério e misticismo, Ana Rusche nos leva a refletir o que nos conecta ao mundo em que vivemos.
Sinopse
“Uma casa se amarra pelo teto.”
Após a perda da mãe e sua demissão depois de quinze anos de trabalho em uma clínica de fisioterapia, Irene vê sua vida mudar significativamente aos 50 anos. O luto e a falta que sente da rotina fazem com que se sinta estagnada, perdida diante das decisões que precisa tomar para seguir adiante, até que uma súbita viagem ao interior do Chile põe Irene em contato com conhecimentos ancestrais de uma pequena comunidade rural e em meio a uma disputa internacional: um cientista americano está tentando patentear a telepatia!
“Mente na minha mente”
Entre conexões telepáticas, empanadas e intrigas, Irene terá pela frente uma jornada onde autoconhecimento e empatia se misturam quando se pode convidar os outros a partilhar de sua própria mente, e onde o poder da tecnologia sobre os modos de conexão entre as pessoas na era da internet é posto em xeque.
Uma personagem em busca de novos caminhos
Nossa protagonista é Irene, uma mulher de 50 anos que de uma hora para outra vê sua vida de pernas para o ar. Ela se dá conta que precisa se reinventar, buscar novos caminhos. E um convite inusitado de uma de suas amigas a coloca em um lugar inimaginável para ela. Sua amiga havia desistido de uma espécie de retiro espiritual em um lugar afastado do Chile e lhe repassou a viagem. Se trata de um lugar aonde as pessoas aprenderiam a entrar em contato com o seu interior e rever seus conceitos sobre a vida. Irene segue até lá, disposta a tentar algo diferente. Um programa de seis semanas com palestras e workshops parece ser algo relaxante para ela. Mas, durante sua estadia ela descobre que os membros da comunidade usam uma substância capaz de fazê-las ler os pensamentos uns dos outros, como se todos compartilhassem de uma mesma consciência.
"Aos 50, as pessoas não se preocupam mais se você vai ser mãe, se você irá casar. Muito menos se terá crianças. Aos 50, tudo bem não ter namorado, ficar em casa sempre cuidado da própria mãe. Afinal, aos 50, as pessoas perguntam somente sobre a saúde da sua mãe."
Conhecemos também Paco e Lucía, outros membros dessa comunidade que se tornam próximos de Irene. Lucía é alguém com mais tempo na comunidade, cuja consciência se tornou muito expansiva devido a uma habilidade natural. Uma espécie de empatia própria da personagem. Paco é alguém preocupado com a difusão dos conhecimentos das técnicas de telepatia para fins comerciais (isso é o que achamos a princípio). Existem outros personagens como María, uma das professoras do retiro e possui segredos misteriosos a seu respeito. No geral os personagens são bem conduzidos e possuem características e personalidades únicas. Os problemas deles acabam se tornando a mola propulsora da história. Cada um deles precisa resolver algumas questão particular como Irene e seus novos rumos ou Lucía que é uma pessoa insegura acerca de si mesma.
Me incomodou um pouco o fato de a Ana ter espalhado demais a narrativa entre os personagens. A gente começa a narrativa achando que vamos seguir os dilemas de Irene em sua viagem para o Chile. Mas, rapidamente vemos que isso não é o caso, e a história acaba se focando principalmente em Paco e Lucía. O resultado é que não há um foco em um só plot, mas em vários e isso prejudica o resultado final. A Telepatia são os Outros é uma novella, ou seja, um gênero limitado por uma quantidade específica de palavras (normalmente se situa entre 90 e 240 páginas). E isso acaba obrigando o autor a ser sucinto em alguns pontos como desenvolvimento de personagens, estabelecimento de tom e condução da narrativa. No caso aqui, a história precisava de algumas páginas a mais para trabalhar melhor os personagens e fechar pontas soltas.
"A classe observa em silêncio. O jornal sacrificado ao fogo é carcomido pelas labaredas. Primeiro pelas pontinhas. Termina embaralhando as letras e libertando aquelas moléculas de verdades constrangedoras aos ares. Um fogaréu. Apaga-se em pontos incandescentes, em fuligem."
Uma pequena vingança
Eu adorei a escrita da autora. Linda, poética e delicada. Não tem como você não se encantar pelos parágrafos tão bem construídos por ela. Às vezes, a concentração em conduzir a narrativa age em detrimento da escrita. Tal não é o caso aqui. A preocupação com um tom reflexivo (e algumas vezes crítico) é a marca da autora. Isso se reflete em diálogos que ajudam a construir os personagens, estabelecendo-os como introspectivos, alegres, misteriosos. Já a parte descritiva nunca passa do ponto e nos faz realmente acreditar que o tema da história é real (ou será que é, hein?). A narrativa é em terceira pessoa, mudando o seu foco de acordo com a necessidade da autora em apresentar algum ponto do plot. Os capítulos são de tamanho mediano, porém, a escrita da autora é tão gostosa que as páginas vão passando rapidamente sem nos darmos conta.
O tema principal é a telepatia. E quando eu vi qual seria a temática, logo franzi o cenho. Fazia tempo que a telepatia não era encarada como um tema sério na ficção científica. A gente até tem algumas exceções como no caso de Interferências, da Connie Willis, mas esse era um poder mais explorado na Era de Ouro do scifi (nas décadas de 1950 e 1960). Imaginei aqui que ou a Ana Rusche fazia algo inovador ou ela iria tentar alguma coisa retrô. E qual não foi a minha surpresa que ela optou pelo primeiro caso. Diga-se de passagem ela realmente conseguiu entregar algo inovador. Ao perceber o quanto a humanidade hoje precisa se relacionar um com o outro, ela encontrou uma boa maneira de encaixar a telepatia nesse dilema pós-moderno. E ela avança um pouco mais além no final da narrativa ao propor uma forma curiosa de acessarmos uma vasta gama de informações.
"O contato é fugido, uma onda de agitação vinda de Lucía. Irene respira firme e procura tranquilizar a outra, tranquilizar-se, ensaboa os cabelos e fecha os olhos sob a água. O coração galopa com a conjunção estranha. Do outro lado, Lucía emana uma onda de suavidade. Então, arisco como surgiu, o vínculo se desfaz."
O curioso de tudo é que o antagonismo surge de uma vingança tola. De alguém que, para um determinado personagem, o ofendeu de uma forma que o outros não compreenderam como tal. Fica a reflexão de o quanto os sentimentos negativos que nutrimos pelo próximo podem agir em detrimento do bem alheio. A vontade de ser notado, de amar e ser amado. Esses sentimentos podem agir nas duas direções do espectro. A autora consegue captar isso, nos colocando não diante de um vilão, mas de uma pessoa que, por seu comportamento mesquinho, coloca tudo a perder. Fica óbvio logo de cara que esse(a) personagem vai ser o ponto de inflexão da narrativa. Isso é bem previsível. Mas, o que me deixou surpreso foi a razão pela qual ele conduz suas ações.
A Telepatia são os Outros é o primeiro livro da coleção Universo Insólito, uma nova aposta da Editora Monomito que vai trabalhar com temas de ficção especulativa. Teremos fantasia, ficção científica e terror. A partir desta primeira leitura já é possível perceber como será o foco dessa coleção. Leituras envolventes, instigantes, retomando ou não temas que eram clichês e os reapresentando a leitores contemporâneos. Recomendo a todos os que gostam de uma boa história a leitura dessa pequena pérola.
Ficha Técnica:
Nome: A Telepatia são os Outros
Autora: Ana Rusche
Coleção Universo Insólito vol. 1
Editora: Monomito Editorial
Gênero: Ficção Científica
Número de Páginas: 120
Ano de Publicação: 2019
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*Material enviado em parceria com a editora
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