Em uma utopia onde as pessoas são criadas para ocupar determinados cargos e funções, um Selvagem vai questionar o por que das coisas serem como são. Embarquem em uma viagem a uma sociedade regada pelo consumismo e pela alienação total de seus cidadãos.
Sinopse:
Um clássico moderno, o romance distópico de Aldous Huxley é incontornável para quem procura um dos exemplos mais marcantes da tematização de estados autoritários, ao lado de 1984, de George Orwell.
Ele mostra uma sociedade inteiramente organizada segundo princípios científicos, na qual a mera menção das antiquadas palavras “pai” e “mãe” produzem repugnância. Um mundo de pessoas programadas em laboratório, e adestradas para cumprir seu papel numa sociedade de castas biologicamente definidas já no nascimento. Um mundo no qual a literatura, a música e o cinema só têm a função de solidificar o espírito de conformismo. Um universo que louva o avanço da técnica, a linha de montagem, a produção em série, a uniformidade, e que idolatra Henry Ford. Essa é a visão desenvolvida no clarividente romance Huxley.
Ao lado de 1984, que criticava acidamente os governos totalitários de esquerda e de direita, o terror do stalinismo e a barbárie do nazifascismo, em Huxley o objeto é a sociedade capitalista, industrial e tecnológica, na qual a racionalidade se tornou a nova religião, a ciência é o novo ídolo, um mundo no qual a experiência do sujeito não parece mais fazer nenhum sentido, e no qual a obra de Shakespeare adquire tons revolucionários.
Entretanto, o moderno clássico de Huxley não é um mero exercício de futurismo ou de ficção científica. Trata-se, o que é mais grave, de um olhar agudo acerca das potencialidades autoritárias do próprio mundo em que vivemos. Como um alerta de que, ao não se preservarem os valores da civilização humanista, o que nos aguarda não é o róseo paraíso iluminista da liberdade, mas os grilhões de um admirável mundo novo.
Uma das tarefas mais complicadas para alguém que trabalha com resenhas literárias é se deparar com obras clássicas. Existe toda uma esfera de veneração na obra que a levanta acima de todas as outras. Seja por que ela foi a criadora de algum movimento, seja por que representa um outro tipo de arte ou por quaisquer outros motivos. Aviso a todos que apesar da minha avaliação ter sido estranha como vocês perceberam acima, eu adorei a obra e entendo o motivo de ela ser um clássico do gênero. Entretanto, ela possui algumas falhas muito mais referente às escolhas feitas pelo autor na concepção da obra do que no desenvolvimento da mesma.
Um aviso básico: CONTÉM ALGUNS SPOILERS. Mas, nada que vá tirar a diversão de embarcar na jornada. Admirável Mundo Novo não é um livro que importa saber o final. O importante é a jornada. E ser nocauteado a cada capítulo pela forma seca e cínica com a qual ele escreve. A naturalidade com a qual determinadas situações são descritas é chocante.
Portanto, deixe eu lidar com o elefante na sala para depois ser só elogios. A escrita da obra é difícil e bastante truncada. Pode ser culpa da tradução? Pode até ser, mas não acredito nisso. A narrativa foi construída não para ser exatamente uma obra literária per se, mas uma exposição de ideias apresentando um cenário utópico no qual o autor buscou ilustrar exemplos. A preocupação com elementos de escrita não é tão grande assim. Em diversos momentos ao longo da história, o autor alterna entre núcleos de personagens e não sinaliza o leitor que ele o está fazendo. Isso acontece bastante da metade em diante quando temos o núcleo do Selvagem, o núcleo da Lenina e o núcleo do Bernard. Em uma cena, o Selvagem está em algum ponto com a Lenina e no parágrafo seguinte aparece uma cena do Bernard com o Helmholtz. É realmente confuso. Em outros momentos algumas ideias são apresentadas de forma truncada e o leitor precisa reler trechos outras vezes para poder absorver a ideia. Mas, tirando esses problemas de escrita, todo o resto é muito bom.
"[...] Durante um período muito longo antes de Nosso Ford, e até no decurso de algumas gerações posteriores, os brinquedos eróticos entre as crianças eram considerados anormais (houve uma gargalhada); e não apenas anormais, mas realmente imorais (não!); e eram, portanto, rigorosamente reprimidos."
Os personagens funcionam como instrumentos para que o autor consiga expor suas ideias. Entretanto, Huxley dá profundidade a alguns deles. Lenina, por exemplo, é o perfeito exemplo de uma pessoa completamente imersa no ideal da sociedade utópica. Ela funciona como o status quo: a visão da sociedade a respeito de vários assuntos. Algumas leitoras mulheres podem sentir aversão à personagem por ela ser tão objetificada. Mas, esta é a ideia básica da sociedade criada por Huxley. O sexo é visto como um meio para alienar a população. É um entre vários instrumentos de alienação além do soma. Temos uma sociedade hedonista em que todos os desejos íntimos são expostos publicamente. Eliminando o romantismo, é esperado maior eficiência da população. Não é agradável de se ver, mas é assim que funciona e o sentimento de repulsa é perfeito.
Outros personagens são apresentados de forma a nos guiar pelas várias propostas da nova ordem. Henry, por exemplo, é uma espécie de guia que nos permite compreender a formação da estática sociedade do livro. O personagem chega a ser até um pouco debochado e irônico. Acredito que o autor poderia ter investido um pouco mais neste personagem de forma a criar mais cinismo na apresentação das características sociais. Ou até mesmo Mustafá Mond, que é uma espécie de líder dentro deste estranho mundo. O capítulo em que ele explica aos personagens o porquê de uma série de convenções deste mundo é sensacional. É um soco no estômago de qualquer leitor que tenha parâmetros éticos.
"O sentimento religioso compensará todas as perdas. Mas não há para nós perdas a serem compensadas; o sentimento religioso é supérfluo."
O que me incomodou como pessoa é como a obra do Huxley é atual. É desesperador perceber que o sexo livre preconizado pelo autor em Admirável Mundo Novo se tornou comum nos dias de hoje. Claro, não temos os exageros que o autor apresenta no livro, entretanto é preciso destacar como para as novas gerações o sexo se tornou algo desprovido de importância. Porém, não consigo não ficar incomodado com o romantismo tolo de John. Entendo que o autor queria criar uma espécie de contraste entre uma sociedade conservadora/religiosa e a sociedade hedonista, mas me soou estranho. Alguns podem apontar que na época em que o livro foi escrito, o romance funcionava dessa forma. Não creio nisso. Já estávamos caminhando para uma época em que as mulheres começavam a ganhar mais espaço na sociedade, principalmente a partir dos movimentos feministas da década de 1920. Mas, novamente... como algumas situações destacadas pelo autor são tão atuais.
Os leitores podem se incomodar por uma ausência de direcionamento ou de um plot principal na história. Gente, Admirável Mundo Novo é um tour de force. A ideia é mostrar uma sociedade utópica e através de sua descrição compor um conjunto de ideias filosófico-políticas. Não estranhei o estilo porque eu já havia lido Herland, da autora Charlotte Perkins Gilman, cujo objetivo era semelhante. No caso de Herland o objetivo era apresentar uma sociedade utópica em que os homens não existiam. Então ao longo de cada capítulo a autora vai apresentando diversas situações em que as mulheres encontraram soluções para se verem livres da presença masculina na sociedade. Admirável Mundo Novo possui uma estética semelhante. Passamos por várias ideias ou setores da sociedade como o lugar onde as pessoas são geradas, a maneira como os cidadãos lidam com o sexo, a presença do soma, a pirâmide social e onde cada indivíduo se encaixa de forma a se enquadrar em uma estranha noção de bem-estar social.
O choque cultural entre o hedonismo e a selvageria é muito interessante. Novamente, eu acho que o autor levou determinadas ideias a extremos muito grandes. A violência e a religiosidade exacerbada na parte da reserva criam um ambiente até estranho para o leitor. Gostei muito da maneira como Huxley usou a construção do personagem John para nos guiar pela forma de pensar dos ditos "selvagens". E como Linda é uma espécie de farol demonstrando como os vícios do hedonismo se entranham nos aspectos mais profundos do caráter das pessoas da utopia. Mesmo afastada de seu lugar de origem, Linda mantém o seu caráter hedonista e deseja a todo custo a sua dose de soma.
Poderia falar de mais algumas coisas porque o livro é riquíssimo em ideias. A escrita me incomodou um pouco, mas isto se deu porque o autor não primou por isso. Não era o objetivo dele. Admirável Mundo Novo é uma obra obrigatória a qualquer fã de ficção científica. Um clássico importante e extremamente reflexivo. Apesar de não ser essa proposta, Huxley consegue construir personagens interessantes que ele desenvolve até um certo sentido. Os temas presentes na história são tantos que é possível permanecer horas debatendo a respeito.
Ficha Técnica:
Nome: Admirável Mundo Novo
Autor: Aldous Huxley
Editora: Biblioteca Azul
Gênero: Ficção Científica
Tradutores: Lino Valandro e Vidal Serrano
Número de Páginas: 250
Ano de Publicação: 2014 (edição da Biblioteca Azul)
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