Neste segundo volume, a temática proposta pelo grupo do Mitografias foram histórias abordando mitos de origem. E temos vários contos de alto nível com autores como H. Pueyo, Isa Prospero e muitos outros.
1 - "Lua que Mingua" de H. Pueyo
Ficha Técnica:
Nome: Lua que Mingua Avaliação:
Autora: H. Pueyo
Gênero: Fantasia
A coletânea começa muito bem com uma história doce e gentil sobre um senhor que está em um hospital e uma enfermeira que conta a ele a história sobre o homem-lua e sua esposa. Como se trata de uma coletânea de mitos de origem, a H. Pueyo acertou na mosca ao usar uma história antiga, porém repleta de doçura.
Uma das coisas que eu mais gosto na escrita da Pueyo é em como ela consegue tornar suas cenas construídas em situações repletas de magia. É como se estivéssemos presenciando um céu com estrelas cadentes enquanto ouvimos uma bela serenata. Dá para traçarmos um paralelo à escrita do Gaiman que usa de alguns desses artifícios que ela emprega. Outro ponto a ser destacado na sua escrita é em como ela vai enredando o leitor na sua narrativa sem dar muitas pistas de aonde ela realmente quer chegar, ao mesmo tempo em que vai preparando o terreno para o plot twist. A gente até pode dizer depois que já sabíamos aonde isso ia dar, mas isso é apenas uma meia verdade.
Lua que Mingua é uma maneira gentil de começar a coletânea com uma escritora muito talentosa e especialista na construção de histórias curtas. Vale destacar que mesmo o conto tendo poucas páginas, ele te dá uma sensação de completude, de que a autora disse tudo o que ela precisava ali.
2 - "Folhas de Outono" de Rafael F. Faiani
Ficha Técnica:
Nome: Folhas de Outono Avaliação:
Autor: Rafael F. Faiani
Gênero: Fantasia
A ideia deste segundo conto é um pouco parecida com a primeira, apesar de o desenrolar ser mais trágico: apresentar uma história de amor marcada por uma tragédia. No meio disso temos uma presença sobrenatural marcante que se liga a um elemento de mitologia oriental. Para mim, eu achei que o autor quis inserir muitos elementos e não chegou a um bom resultado final.
Eu tendo a não gostar muito de histórias curtas que brincam com flashbacks e o tempo presente. Que faz muitas vezes essa alternância temporal. Raramente o autor consegue moderar a mão. O que acontece aqui é que a narrativa acaba sendo prejudicada com tantas alternâncias. Não consigo sentir empatia por nenhuma das duas cenas. E é importante ter essa empatia para que o conto possa funcionar. Você precisa se importar com o amor entre os protagonistas e a consequente perda.
Temos também uma boa narrativa investigativa e a maneira como o autor a conduz é eficiente. Mas, novamente: como eu não consegui sentir empatia com o motivo da investigação, a mesma soou vazia para mim. Eu achei a ideia por trás do conto muito boa, mas a execução deixou muito a desejar.
3 - "O Hidromel da Sinfonia" de Caio Henrique Amaro
Ficha Técnica:
Nome: O Hidromel da Sinfonia Avaliação:
Autor: Caio Henrique Amaro
Gênero: Fantasia
Um conto saído diretamente da bem conhecida cultura nórdica. Talvez a grande dificuldade aqui fosse criar uma narrativa que fosse original para o leitor. E eu acho que o Caio foi bem sucedido nesse sentido. O personagem principal é Beethoven que, após um de seus porres, está sonhando estar nos campos dos deuses nórdicos. Heimdall lhe deixa em um lugar e diz a ele que se ele conseguir encontrar o hidromel da poesia, ele seria capaz de compor as mais belas sinfonias. É então que o jovem músico se coloca diante de diversos perigos para encontrar essa iguaria.
Aqui eu preciso destacar duas coisas. Primeiro que a própria divisão em subseções segue a ideia por trás de uma sinfonia (motif, tema, desenvolvimento, recapitulação, cadenza, coda). É uma forma inteligente de criar uma conexão entre música e a narrativa em si. Isso porque a cada subseção vemos sendo desenvolvidos os vários aspectos da história que vão formar o elemento musical mais para o final. O segundo destaque fica para como o autor entendeu a forma de contar histórias semelhante aos contos lendários. A gente realmente sente que o tema desenvolvido tem um tom transcendental.
Só achei o conto muito longo e algumas partes mais para a metade constituem uma pequena barriga para a narrativa. Seria possível cortar alguns trechos sem prejudicar demais a história. No mais, recomendo bastante a leitura deste conto.
4 - "Omelete Galática" de Tiago Rech
Ficha Técnica:
Nome: Omelete Galática Avaliação:
Autor: Tiago Rech
Gênero: Ficção Científica
Esse conto eu preciso dar nota máxima só pela criatividade do autor. Ele conseguiu empregar a narrativa do Big Bang cósmico e de toda a evolução da humanidade ao mesmo tempo em que ele trabalha com um protagonista que tem algum tipo de problema social precisando ser resolvido. Só tenho a aplaudir.
O protagonista sofre de problemas de ansiedade toda vez que sai na rua porque ele foi vítima de um assalto. E esse problema fica muito marcado desde o começo da narrativa. O leitor consegue sentir a agonia que o personagem sente. Aquela sensação de impotência total diante de circunstâncias aos quais ele não tem controle. Essa é uma questão que o aspecto fantástico da narrativa vai tentar solucionar de uma maneira bem sutil.
Não quero nem falar muito da história para não estragar as surpresas aprontadas pelo autor. Mas, vale dizer que a temática do ovo cósmico nem é a mais importante. O autor foi inteligente ao usar a fantasia para buscar mostrar ao protagonista que caminho ele deveria seguir para superar suas adversidades. Diante do que ele presencia, fica lógico ele tomar aquela decisão no final. Apesar de não ser algo tão simples quanto parece.
5 - "Mitomania" de Andriolli Costa
Ficha Técnica:
Nome: Mitomania Avaliação:
Autor: Andriolli Costa
Gênero: Fantasia
Preciso antes de escrever qualquer coisa aplaudir o Andriolli por sempre tentar nos apresentar alguma narrativa baseada no folclore brasileiro. E ele é um autor que captou muito bem o espírito das criaturas que habitam o nosso universo mitológico. Por mais que a história possa não dar certo por algum motivo, ele não deixa de inserir estes elementos na narrativa. E em Mitomania isso não é diferente.
Estamos em um mundo distópico em que um grupo de rebeldes buscam obter a soberania sobre si mesmos novamente. O protagonista faz parte de uma espécie de milícia chamada S.A.C.I. e eles acabam envolvidos em uma situação trágica que ceifa a vida de todos os membros. Mesmo o protagonista fica com algumas sequelas. Isso acaba por abalar a força de vontade dele. Mas, será ouvindo as histórias contadas por seu avô que ele compreenderá a verdade por trás de sua busca.
Dita assim parece ser uma história boba. Mas, garanto a vocês que não é. É uma narrativa que vai demandar do leitor prestar a atenção no que está lendo para captar pequenas sutilezas deixadas por Andriolli. Primeiro de tudo ele trabalha conosco a questão do respeito às histórias lendárias. São elas que trazem algum tipo de mensagem para nós. Quando as descartamos, deixamos de lado importantes lições aprendidas por nossos antepassados. Histórias míticas têm o poder de serem atemporais. Mesmo em um futuro distante, o objeto desta história era importante para o protagonista.
Outro ponto são os pequenos easter eggs que o autor deixa. Só vale comentar o quanto fazer parte da S.A.C.I. é importante para o protagonista. E o quanto ele entende de verdade a essência da própria criatura a qual seu esquadrão recebeu o nome. Afinal, o saci é muito mais do que um menino perneta com um gorro vermelho.
6 - "Dona das Cores" de Rafael Marx
Ficha Técnica:
Nome: Dona das Cores Avaliação:
Autor: Rafael Marx
Gênero: Fantasia
Esse é um conto repleto de elementos que se ligam à histórias de origem mesmo. De onde nasceram os seres vivos, o céu, a terra. Como criaturas além de nossa imaginação criaram as coisas. No entanto, senti a narrativa tão longe de mim que não fui capaz de entrar nela em momento algum.
Gostei de como o Rafael incorporou a própria forma de escrever um mito de origem. Sem dúvida alguma, ele emulou bem o sentido do gênese e qual o seu significado na construção da história dos seres vivos. Temos aquele maravilhamento inicial e depois os problemas que vão surgindo à medida em que as coisas são criadas. Ao final entendemos aonde o ser humano se encaixa dentro disso.
Mas, novamente: não consegui imergir na narrativa. Tudo ficou solto e distante demais para mim. Faltou algo que me agarrasse e me transportasse para aquele momento.
7 - "Argaz e Lucia, ou O Evangelho dos Pássaros" de Anna Fagundes Martino
Ficha Técnica:
Nome: Argaz e Lucia, ou O Evangelho dos Pássaros Avaliação:
Autora: Anna Fagundes Martino
Gênero: Fantasia
Quem conhece o trabalho da Anna em obras como A Casa de Vidro (link de nossa resenha aqui) e O Berço de Heras (link de nossa resenha aqui) sabe o quanto ela é talentosa e tem uma escrita bem processual e imersiva. Nesse conto, ela nos presenteia com o verdadeiro mito das sereias em uma história que mistura a relação entra as criaturas mitológicas e os homens ao mesmo tempo em que nos apresenta uma linda história de amor.
Argaz é um escravo negro trazido em um navio para ser vendido. Durante a viagem, acontece um acidente nas proximidades da ilha da Córsega, e Argaz é levado por uma criaturas com asas e garras de águia e forma humana. Lá ele estabelece uma conexão muito próxima a Lúcia, uma das pessoas que cuidam dele. Pouco a pouco vai nascendo uma chama no coração de ambos que se tornará algo com a qual o grupo de sereias não sabe se poderá lidar. O trabalho com os personagens feito pela Anna é muito importante para o desenvolvimento da história. É a velha narrativa da pessoa se sentindo fora da caixinha. Temos um homem dentro de uma sociedade de seres meio-pássaros e uma das pessoas desse grupo desejando conhecer melhor os hábito dos seres humanos. A autora destaca bem essa curiosidade da parte da Lucia e o leitor vai acompanhando o quanto essa curiosidade vai se transformando em um sentimento distinto.
Como em Berço de Heras, o desenvolvimento da narrativa se dá em um ritmo lento, porém eficiente. Uma coisa que eu curto na narrativa da Anna é o quanto nada acontece sem um motivo. Por ela lidar mais com personagens, ela precisa desenvolver o aspecto emocional. E cada cena funciona para trabalhar um sentimento diferente: seja medo, curiosidade, carinho, afeto, tristeza, melancolia. Normalmente separamos as cenas de acordo com acontecimentos-chave; no caso da Anna, precisamos entender a partir de qual tipo de sentimento ela quer dar destaque.
Não tenho como não recomendar a leitura de um conto da Anna. Redondinho, emocionante e vai quebrar algumas falsas impressões que os leitores tem a respeito do mito da sereia.
Ficha Técnica:
Nome: Antologia Mitografias vol. 2 - Mitos de Origem
Organizado por Leonardo Tremeschin, Andriolli Costa e Lucas Rafael Ferraz
Número de Páginas: 198
Ano de Publicação: 2018
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