Resenha: "Aos que Habitam a Escuridão" de Cesar Alcázar
- Diego Araujo
- 10 de set. de 2020
- 7 min de leitura
Aos que Habitam a Escuridão é uma coletânea de contos publicados ao longo da carreira de César Alcazar, agora reunidos em um só livro.

Sinopse:
Dos recantos mais sombrios da Terra e além, surgem 12 histórias macabras e alucinantes. Um garoto confronta uma presença maligna dentro de sua própria casa durante a ditadura argentina. Uma astronauta se perde entre sonho e realidade em um satélite de Marte. Uma criatura sedenta de sangue aterroriza a Porto Alegre de 1911..."Aos que Habitam a Escuridão e Outras Histórias" reúne todos os contos de Horror e Ficção Científica publicados por Cesar Alcázar entre 2009 e 2015.
Contos são narrativas breves e cabem em muitas possibilidades de publicação, seja numa seleção para conhecer novos autores ou prestigiar os já conhecidos, em coletâneas elaboradas pelo próprio autor de forma a convidar colegas com ideias semelhantes, ou mesmo render postagens de blog. A desvantagem pode ser de o trabalho do autor ficar espalhado em todos esses lugares, onde os leitores perdem algo pela falta de oportunidade de encontrar essas coletâneas ou entre as publicações soltas em sites. Por outro lado essa dificuldade por vezes é momentânea, afinal há possibilidades iguais a esta coletânea contendo os contos escritos pelo autor ao longo da carreira. Aos que Habitam a Escuridão contém várias narrativas curtas de César Alcazar, publicado pela editora AVEC em 2020, todas avaliadas a seguir.
"Segredos"
Avaliação:

O título é bem claro quanto ao assunto do conto, pois o narrador conta sobre os segredos da família no sótão da mansão. Fala sobre os pormenores da vida aos poucos, desde a condição financeira da família ao nível de relacionamento dele com as pessoas ao redor, tudo encaixado na narrativa, deixando a leitura fluir enquanto desenvolve o mistério. De narrativa em primeira pessoa, o personagem provoca o mistério ao longo dos parágrafos, deixando claro que o segredo virá à tona apenas no fim do relato, depois de tudo o que for relevante ter sido dito, e ainda assim surpreender no fim. Só precisaria aparar adjetivos irrelevantes nas descrições a fim de melhorar o ritmo do texto.
“A mordaça psicológica que me calava desapareceu enfim.”
"O Barqueiro"
Avaliação:

Miniconto sobre o responsável por levar pessoas de barco ao outro lado da margem. A referência a este tipo de barqueiro vem implícita, sem nunca revelar, e assim se mescla ao cotidiano, à realidade deste sujeito vivendo pela obrigação do trabalho.
“Era o barqueiro no rio do infortúnio.”
"A Música do Quarto ao Lado"
Avaliação:

O protagonista é um músico de jazz vivendo em uma hospedagem, seguindo a vida simples e cheia de vícios, igual a dos músicos em quem aspirou. Também queria seguir a vida longe do passado, embora este sempre retorne em forma de tentáculos. O narrador em terceira pessoa acompanha de perto as preferências musicais do protagonista, usando isso ao progredir com a cena até deixar a questão em aberto. Os diálogos deixam a desejar, as falas levam direto no seguimento do conto, perdendo a verossimilhança.
“Uns consideravam isso autodestruição. Ele chamava de aprendizado.”
"Aos que Habitam a Escuridão"
Avaliação:

O protagonista é atacado pela paralisia do sono, quando vê imagens nunca antes vistas por ele, e mesmo assim conhecidas, sendo elas da biblioteca próxima de onde mora. Ele irá atém a biblioteca de um jeito ou outro, então verá as consequências desta curiosidade. Este conto mistura as referências positivistas ao famoso culto na ficção do horror cósmico, em que o protagonista é tragado na ambição central dos envolvidos, alheios a ele. A narrativa lembra o ritmo de H. P. Lovecraft, com o personagem relatando as descobertas de forma consecutiva, embora a prosa seja mais assertiva comparada a do autor inspirado, até os adjetivos deixam de incomodar neste texto. O personagem também deixa de ser passivo ao culto alheio, e reage ao que vislumbra.
“Os grandes antigos nunca abandonam este mundo para sempre.”

"Pandora"
Avaliação:

Dividido em quatro partes, cada uma protagonizada por alguém envolvido no roubo do museu: o vigia noturno, a capitã responsável pela investigação, o ladrão e a cliente; desta vez todos nominados no conto — Roger, Harris, Vincente e Devon. O conto foca nas consequências do roubo, e como nos demais textos, há manifestação sobrenatural, e tragédia. As quatro partes são curtas, mal apresentando o personagem e o descartando para prosseguir a história na perspectiva do próximo, e isso prejudica o impacto na cena final de cada ato, trazendo um resultado sem esclarecer a ambientação.
“E nada pode ser pior do que saber.”
"Na Solidão de Phobos"
Avaliação:

A personagem principal é a única sobrevivente da base instalada no satélite de Phobos, na órbita de Marte. Na esperança de contatar alguém do planeta Terra, a única companhia dela é um gravador de sonhos os quais pode assistir quando quiser. Sonhos do planeta de onde viveu, mais ainda os sonhos com K, quem ela tanto admira. Outra narrativa em primeira pessoa, com descrições nada confiáveis pela protagonista estar confusa acerca de sua própria situação, e esta abordagem torna a história relevante, desafiando tanto o leitor como a personagem quanto ao acontecimento real. Durante a apresentação do mistério, o ideal é focar no estado psicológico da protagonista, este muito bem transcrito durante a narração, e assim será possível aproveitar este conto ao máximo.
“Tempo... Aqui em Phobos é tudo o que eu tenho.”
"O Deus Esquecido na Areia"
Avaliação:

Outro miniconto, este sobre a exploração de um planeta desértico, onde o narrador comenta uma cidade em ruínas visitado por lá. Logo conclui através da reflexão quanto ao que dá o título do conto. O protagonista segue adiante, voltando a esse lugar em lembrança.
“Seus braços abertos parecem abraçar o horizonte vazio, seu olhar fita o infinito.”
"O Filme"
Avaliação:

O cineasta Guerrieri exibiu seu novo filme a ser lançado em sessão fechada a um crítico. O crítico fica transtornado depois de assistir, e permanece assim pelo resto do conto. É outra narrativa a explorar o estado emocional do personagem ao longo da história, esse de bom desenvolvimento, mostrando o suficiente para justificar o desfecho narrado. Apenas informações essenciais chegam em novos parágrafos, mostrando as pessoas envolvidas nesta produção.
“― Tudo o que você viu é real. Se você quiser que seja.”
"Eu Ainda Estou Aqui"
Avaliação:

O mundo está em um apocalipse após uma epidemia de uma doença respiratória, dessas que precisa usar máscara para filtrar o ar e foi até subestimada no começo. Depois os países fecharam aeroportos, isolaram-se na tentativa de conter o perigo. Detalhe a destacar: este conto foi publicado pela primeira vez em 2009. A narrativa é feita em registros epistolares, gravados em voz pelo narrador, sendo o sujeito imune a essa doença. Apesar da ambientação trágica, o narrador busca esperança, esta perdida conforme novos registros do áudio transcrito, e logo procurando outra. Mostra dilemas quanto alguém "viver sem muita companhia" para de fato "viver sem companhia", e esta única palavra a menos nas frases destacadas nas aspas mostra o quanto essa faz falta no decorrer deste conto.
“Não preciso da máscara, mas não consigo andar sem ela.”
"Pela toca do coelho"
Avaliação:

O conto fala sobre um assassino preso há tempos. Sujeito de identidade inexistente, é reconhecido apenas pela tatuagem de palhaço triste em todo o rosto. Ele segue a vida com receio do assassino, apesar deste estar em um asilo psiquiátrico, pior ainda quando descobre que o doutor responsável pelo lugar proporciona encenações por meio dos pacientes. Ele vai na apresentação sobre Alice no País das Maravilhas, sendo o assassino da tatuagem de palhaço um dos atores. O narrador divide o protagonismo com o assassino, afinal por mais que ele participe da história, tudo ocorre por causa do personagem de rosto tatuado. Deste jeito mostra o transtorno causado por alguém capaz de ser só mais outra ameaça da segurança pública, mas este vai além, superando o preparo emocional estabelecido por profissionais como o narrador. O silêncio também é parte da característica do assassino, esta aproveitada no enredo para conduzir o momento pontual. Mesmo ao tornar uma determinada cena previsível, ela apavora, típico do caso inevitável, e mesmo assim surpreende graças a coordenação da cena.
“Corrijo: nem sempre ele ficava calado, às vezes ele ria.”

"O Relato do Capitão Blackburn"
Avaliação:

É a narrativa do caso policial sob a responsabilidade do investigador Constantino. Profissional experiente, poderia já ter visto de tudo na carreira, exceto este caso, que a incompreensão da perícia levou a população local a imaginar situações sobrenaturais, a ponto de chamar a atenção até de um médico a contar a Constantino o relato registrado pelo capitão Blackburn, quem também descreveu uma situação peculiar na Inglaterra capaz de corresponder a este caso no sul do Brasil. O narrador é alguém que compilou os registros envolvendo o caso particular de Constantino, só então elaborando esta história. Ele desenvolve uma ambientação comum de histórias policiais, utilizando inclusive certos clichês, tudo feito no intuito de montar a verdadeira natureza do caso, este revelado de vez a partir do relato correspondente ao título do conto. De conto policial, evolui a aspectos sobrenaturais e de terror, ainda baseado em relatos ou presumidos pelo narrador pela falta do registro, ou quando o registro apenas deixa a impressão de haver algo além do natural.
“O inspetor era um homem com certo apreço às letras.”
"A Última Viagem de Lemora"
Avaliação:

É a história contada pelo próprio Capitão Blackburn, o mesmo do conto anterior. Primeiro apresenta a carreira de navegação pelos mares de toda a Terra, o episódio de quando obteve o navio Lemora o qual sofrerá os eventos contados na sequência ao participar da Primeira Guerra Mundial, não que o horror bélico em si fosse o suficiente, Blackburn revela o inacreditável nesta aventura. Com as histórias curtas e de impacto imediato sendo a maioria desta antologia, este conto e o anterior demonstram a capacidade do autor em conduzir narrativas mais longas. Elencam as cenas conforme a progressão da tensão, desde o acontecimento ao princípio ordinário antes de o retomar e revelar o quanto aquilo já fazia parte do aspecto sobrenatural ou da construção emocional do personagem. O conto demonstra o quanto a criatura fantástica por si só representaria pouco, caso faltasse o cuidado do autor com o protagonista fadado a confrontar o irreal, afinal por meio deste personagem é possível mostrar ao leitor o quanto o ocorrido é verossímil.
“Um capitão deve ter todas as respostas, mesmo quando não as tem.”
Considerações Finais
Aos que Habitam a Escuridão demonstra o trabalho do autor em misturar aspectos sobrenaturais a vidas ordinárias dos personagens, por ora confundindo a veracidade até para o narrador da história, e assim oferecendo algo de interessante, uma escrita ousada a conseguir mais além de frases encadeando as próximas ações. Apresenta protagonistas sem nomes e com muito a contar, reforçando possibilidades de acontecer algo irreal a qualquer pessoa. A crítica no geral permeia na falta de polimento do texto, principalmente em adjetivos passíveis de descarte sem comprometer o andamento da história.


Ficha Técnica:
Nome: Aos que Habitam a Escuridão e Outras Histórias
Autor: Cesar Alcázar
Editora: Avec Editora
Número de Páginas: não informado
Ano de Publicação: 2020
Link de compra:
Livro cedido em parceria com a Avec Editora

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