Elaine é uma mulher que deixou para trás toda a sua vida na cidade e decide seguir para sua casa no meio da floresta. Ela tem um poder especial: é capaz de dar vida a seus amigos imaginários. Mas, Elaine chega grávida na floresta e vai precisar enfrentar obstáculos que irão tornar o seu mundo perfeito em um verdadeiro pesadelo.
Sinopse:
Era uma vez uma mulher com muita imaginação e muitos traumas.
Com muito medo do futuro, que, segundo as previsões de uma cartomante, seria difícil, triste e cheio de sofrimento, Elaine foge grávida para a floresta, acreditando que assim estaria escaparia desta profecia terrível. E aproveitaria a oportunidade para construir seu mundo perfeito, Astolat, naquele lugar paradisíaco, junto com seu único amigo, Hoh, uma criatura imaginária que a acompanha desde criança.
Mas as coisas não correm conforme os planos de Elaine.
Anos mais tarde sua filha Parzifal tem que aprender a sobreviver sozinha em um ambiente hostil contando com a ajuda apenas de seus novos amigos imaginários.
Astolat é uma narrativa intensa e emocionante. Mostra a jornada de mãe e filha em um mundo repleto de magia e drama. Ao sermos afogados por responsabilidades, muitas vezes desejamos abandonar tudo e viver uma vida longe de todos. Mas, isso nem sempre é possível porque a vida adulta adiciona uma série de camadas em nossas existências. Principalmente quando se trata de um filho ou de uma filha. Quando nos dedicamos a outras pessoas, nossas vidas deixam de ser apenas nossas. Precisamos deixar de enxergarmos nosso umbigo e entendermos que outra vida depende de nossos esforços. Mas, Kawahara nos apresenta uma personagem que é o oposto de tudo e que deseja viver feliz à sua maneira. Mas, nem tudo é como a gente deseja e as atribulações que ela vai viver vão se empilhando uma após a outra.
Elaine é uma mulher especial que possui dons muito acima do que os dos seres humanos comuns. Ela é capaz de dar vida a seus amigos imaginários. Fornece solidez a eles, mas estes dependem de sua energia vital para existir. A narrativa começa com Elaine na vida adulta abandonando sua vida de casada e retornando à casa que ela tanto amava na floresta. Ela reencontra Hoh, aquele que foi seu guardião desde sua infância. Mas, Elaine possui uma personalidade difícil e o pior de tudo: está grávida. Vivendo longe de todas as coisas e dependendo apenas do que ela consegue retirar da floresta, ela causa preocupação a Hoh que não sabe o que fazer com ela. À medida em que a gravidez vai avançando, as dificuldades vão se tornando maiores até causar um racha na relação entre ela e seu guardião.
Astolat pode ser lido de duas formas: como uma HQ fechada em si mesma ou como um prequel de O Bestiário Particular de Parzifal. Elaine é a mãe de Parzifal e vemos como ela chegou na floresta e como foram os primeiros anos de vida da jovem menina. Podemos dividir a narrativa em dois atos, sendo um deles a gravidez e os primeiros anos de Parzifal e mais tarde como Parzifal encontrou os seres da floresta. Um problema que eu detectei é que o autor deveria ter sinalizado com um aviso de gatilho porque Elaine claramente cortava seus pulsos para lidar com sua solidão. Os cortes estão presentes ao longo de todo o quadrinho. Ok, não é dito isso de forma clara, mas os cortes estão ali, então dá para deduzir. No mais, o roteiro é bem inteligente na forma como lida com as fraquezas de Elaine, algo que não vai desaparecer. É parte da personalidade dela e é o que a torna uma personagem tão complexa. Quando chega o trecho de Parzifal, a narrativa adota um tom inocente que combina bastante com a personalidade imaginativa de uma criança.
Gosto bastante da arte de Kawahara. Ela é expressiva, colorida e combina bastante com o cenário de floresta e magia que ele coloca na história. Diferentemente de O Bestiário Particular, os trechos de Elaine são mais contidos até porque se focam mais na relação entre Elaine e Hoh. Então temos muitas cenas que se passam dentro da casa e algumas do lado de fora. O foco neste momento é mostrar o cotidiano de Elaine e como a sua decisão impactou em sua vida. Até porque Elaine é adulta e muito da magia que ela dispunha quando era criança e possuía uma mente mais aberta sumiu diante das adversidades da vida. Ficamos mais cínicos e céticos e não somos mais capazes de enxergar tanta magia e fantasia ao nosso redor. É curioso porque a arte tem momentos na história. No começo temos algumas cenas ensolaradas mostrando a beleza da floresta que cerca a casinha de Elaine. Com o passar dos meses de gravidez, este cenário ensolarado dá espaço a um entardecer que está quase sempre presente nos quadros. Quando Parzifal nasce, a escuridão toma conta da vida de Elaine e vai acarretar uma consequência terrível. Os trechos de Parzifal possuem o mesmo esquema de cores vibrantes de O Bestiário Particular.
Outras duas coisas que me agradam em Astolat são os silêncios e o ar mais maduro do quadrinho. No primeiro caso, Kawahara não tem medo de usar vários quadros sem balões de diálogo e comunicar sensações e gestos sem a necessidade de descrições. A narrativa se passa em um largo espaço temporal e as mudanças ao redor de Elaine vão se revelando pouco a pouco. Se em um primeiro momento há um sentimento de alívio e maravilhamento, mais para frente existe um forte temor sobre o que pode vir a acontecer a seguir. A natureza deixa de ser bela para mostrar suas garras. A maturidade vem de como a personagem Elaine é diferente de Parzifal. Enquanto a menina enxerga em Hoh um amigo para ajudá-la a sobreviver na floresta, Elaine encara o guardião como algo mais. E Elaine é uma mulher sensual e livre em todos os sentidos da palavra. Logo no começo da história temos uma cena de sexo entre ela e Hoh, algo que eu imaginava ser impossível. Em O Bestiário Particular a gente fica em uma dúvida sobre o que está acontecendo com Parzifal é fruto da imaginação dela ou se é real. Aqui não há dúvidas de que há um véu bem fino entre realidade e fantasia. E que os espíritos da floresta podem ser bem reais, dependendo da vontade de seus criadores.
Elaine é claramente uma mulher imatura. Não foi capaz de lidar com os problemas de sua vida e voltou para a floresta para se esconder deles. O que move Elaine ao longo de toda a história é a palavra Fuga. Se no começo ela foge das pessoas que lhe queriam impor normas e regras e usa uma suposta profecia de uma cartomante de que seu filho iria sofrer muito e morreria, logo suas fugas vão mudando de sentido. Ao discutir com Hoh, ela sente que seu guardião não a entende e ela deseja fugir dele. Por isso acaba proibindo o contato com ele. Mais tarde, quando o lugar em que ela vive se revela ser perigoso, ela deseja fugir para algum lugar onde nada possa feria a ela e a Parzifal. É uma fuga do poder da natureza. Mas, mais adiante vemos o quanto a responsabilidade de criar um filho se revela demais para ela. Então tudo o que ela deseja é fugir disso e Parzifal se torna um fardo para ela. Claro que, como mãe, ela não admite isso de forma honesta e clara. Tem alguns momentos de discussão entre Hoh e Elaine em que isso é mais abordado.
Alguns trechos da HQ são simplesmente dramáticos. Quem é pai ou mãe vai entender exatamente o sentimento. É tenebroso quando Elaine se prepara para dar luz e ela não tem ninguém para ajudá-la. O próximo hospital fica a quilômetros de distância. E ela só tem um espírito da floresta que vez ou outra a ajuda e depende de sua vontade. Os momentos são bem tensos e confesso que senti toda a apreensão da personagem. Mais adiante tem um momento em que Elaine se distrai e ela precisa lidar com um desaparecimento. O quanto é dolorido a um pai ou mãe procurar o seu filho ou filha por um momento de descuido tão rápido. Algo que parecia ser ingênuo e causa um problema enorme. Cuidar de uma criança é uma enorme responsabilidade e ela vem com uma necessidade iminente de amadurecimento. E é aquela frase que quando a gente não aprende pelo amor, aprende pela dor. O leitor vai se dando conta de o quanto a falta de freios faz falta à personagem. Nos iludimos achando que a personagem irá mudar ou se desenvolver de algum jeito conforme a narrativa passa... Ledo engano.
Não vou comentar dos trechos de Parzifal porque eu estaria dando spoilers. Mas são trechos bem bonitos que exploram o quanto a mente de uma criança é repleta de algodão doce. No sentido de que estão mais abertos a explorar o inconcebível, o fantasioso e o inimaginável. Onde coisas que consideramos tolas são de suma importância. Astolat é uma narrativa mais séria do que a HQ anterior (que se passaria depois desta história) e mostra o quanto Kawahara maturou mais suas ideias em relação aos personagens da história. Percebi que o autor deu pistas de como ele pode retornar a esses personagens no futuro. Ou seja, temos alguns ganchos para mais histórias seja como prequels ou como sequências.
Ficha Técnica:
Nome: Astolat - O Mundo Particular de Elaine e Parzifal
Autor: Hiro Kawahara
Editora: Auto-publicado
Número de Páginas: 128
Ano de Publicação: 2019
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