Uma história natalina com o Homem-Morcego em que ele enfrenta o seu pior inimigo: ele mesmo. Depois de assustar um homem que havia sido incumbido pelo Coringa de deixar uma caixa em um local, Batman passa a usá-lo como isca. Só que um Batman enfurecido não é capaz de perceber que mesmo um capanga possui uma história de vida.
Sinopse:
Anos e anos de luta contra o crime, encarando pessoas profundamente perturbadas (ou simplesmente malignas), finalmente estão cobrando seu preço do Batman. O que antes era uma nobre luta por justiça se tornou uma cruzada cega, capaz de afastar todos a quem o herói já chamou de amigos e aliados. Agora, mais um Natal chega em Gotham City. Será essa uma chance de redenção para o Homem-Morcego… ou apenas o dia em que o herói finalmente encontrará o seu destino final? O genial artista – e agora roteirista – Lee Bermejo apresenta sua primeira graphic novel ao público em Batman: Noel; um conto sobre desespero, chances perdidas e o a importância da esperança!
No que se tornou mais um dentre várias graphic novels clássicas do Batman, Batman - Noel ressignifica "Um Cântico de Natal" de Charles Dickens. A ideia é bastante interessante e Bermejo faz uma mescla de trechos do livro de Dickens com uma narração livre. Gostei de como ele não ficou preso à trama original e deu sua própria identidade à trama que ele propôs. Não chega a ser algo apócrifo, sendo que em nenhum momento a narração emprega o nome do Batman ou dos demais personagens de seu universo. Chega a ser uma linguagem até bem neutra que poderia ser usada separadamente em relação ao quadrinho. Normalmente as adaptações literárias ou transportam literalmente as palavras originais com algumas supressões ou não ou se aferram demais ao original pegando um aspecto ou outro. Bermejo optou por uma ressignificação, que é uma alternativa interessante já que deixa o autor mais livre para colocar ideias originais em prática, ainda que observando o material original.
Na história, um homem chamado Bob está indo levar um pacote para o Coringa. Nesse pacote tem um poderoso explosivo, mas nem Bob sabe exatamente o que é. Nas ruas gélidas de uma Gotham às vésperas do Natal, Batman continua em sua perseguição àqueles que querem levar o mal para a sua cidade. Ele encontra Bob e utiliza seus métodos corriqueiros para extrair informações de criminosos. Para o Homem-Morcego é preciso encontrar o Coringa a todo custo porque ele é um vilão que não tem escrúpulos em matar pessoas. Depois de ter ficado apavorado com o Batman (e sem perceber que tem um rastreador plantado nele), Bob volta para a sua casa. Aí é que vemos que ele é um homem pobre que faz o possível para colocar comida na mesa de seu filho. Eles moram em uma casa bastante humilde e seu filho sonha com uma árvore de natal. Enquanto isso Batman, em sua cruzada incansável pelo crime não demonstra piedade por um dos capangas do Coringa. Sua forma de lidar com essa situação vai fazer com que ele atraia a atenção de três visitantes ao longo da noite que o mostrarão a importância de se olhar para baixo, para as pessoas que vivem na cidade. E não apenas olhar de cima.
Bermejo está inspiradíssimo nessa HQ. É uma arte linda que bebe de um realismo inacreditável. As páginas possuem vida e cada quadro é um convite à apreciação. Em alguns momentos, a HQ parece mais um livro ilustrado e Bermejo soube dosar bem quadrinhos e livro ilustrado, que possuem linguagens diferentes (mesmo que bastante próximas). A palheta de cores é bem clara, mas curiosamente ela parece mais sombria do que aparenta ser. É um natal estranho, quase gótico que é transmitido pelos quadros do autor. Fica também uma menção mais do que elogiosa para a colorização da Barbara Ciardo que potencializou os traços escuros de Bermejo com o exato oposto disso: um branco e prateado que saltam da tela. O design de personagens está bem legal, e antes de falar dos heróis, queria destacar pai e filho que estão presentes em quadros bastante expressivos. Seja a tristeza e melancolia de um homem que precisa encarar o lado sombrio para poder sobreviver ou a alegria de rever seu filho. Os trechos iniciais mostram um Bob caminhando pelos becos de Gotham e as sombras parecem esticar suas garras para detê-lo. Ao estar em casa, vemos um pai preocupado com o filho, e Bermejo procura reproduzir uma ilustração famosa baseada em Dickens com o Batman (que representa o Scrooge) observando de fora a janela com Bob e seu filho conversando amorosamente.
O destaque fica também para os heróis envolvidos na traama. O Batman de Bermejo é um homem sisudo e cinzento, que me fez lembrar bastante do Batman dos games do Arkham Knight. Aqui, Bermejo procura sempre mostrar um Batman atormentado pelos demônios de seus fracassos. Há uma aura de tristeza e fúria que permeia suas ações. Vou chegar nesse ponto mais abaixo, mas a representação gráfica dele é eficiente em destacar esses pontos. Na Bat-caverna existe sempre uma sombra ou ponto mais escuro que paira acima de Bruce enquanto Alfred está cercado por uma luz. Os momentos em que o Batman está em combate ou perseguição também são estranhos e sombrios, sendo que o momento que mais chamou atenção foi quando ele pegou nos braços da Mulher-Gato para tirar informações dela. Bermejo foi feliz no quadro em questão porque ele ilustra um Batman enfurecido e uma Mulher-Gato, que apesar de brincalhona, teme por si. Por falar nela, Bermejo me parece doido para escrever uma história romântica dos dois. Porque os momentos do confronto entre ambos parecem uma dança entre namorados. Sua Mulher-Gato é bravateira e sensual ao mesmo tempo. Gostei da escolha de uniforme para ela que mescla elementos atuais dela como o óculos e a roupa de couro com o vintage de sua máscara. Fica aqui a lembrança da Mulher-Gato dos anos 70 com aquela roupa mega hippie roxa que me deu uma baita nostalgia.
Os elementos góticos permeiam a história e dão todo o clima que o autor queria dar a ela. Sejam os prédios cinzentos e basicamente abandonados porque quase não vemos transeuntes em uma Gotham com neve caindo a todo momento. O único momento mais claro é no final em uma cena bem tocante que não posso mencionar. A cidade parece bastante opressora para o leitor e a iluminação é difusa porque ela parece não conseguir penetrar na névoa branca que está sobre Gotham. A casa de Bob é bem simples e com poucos móveis. Mas, queria destacar a maneira como ela parece ser o único local iluminado em uma cidade escura e cinzenta. Todas as vezes em que aparece uma tomada da casa de Bob é sempre com esse contraste entre a calidez do amor de pai e filho e das trevas da cidade que desejam engoli-lo. O outro ponto iluminado está presente na figura do Superman. E esse Superman do Bermejo me remeteu imediatamente ao desenhado por Frank Quitely em Grandes Astros Superman. Não pelo traço, já que ambos possuem abordagens artísticas diferentes, mas pela aura que eles passam. É aquela bondade e carinho que transbordam do personagem, seja no olhar ou nos gestos. Enquanto Batman é um homem atormentado e seus gestos são bruscos e repentinos, o Superman estende a mão, abraça e procura ser compreensivo com suaves movimentos corporais. Nas cenas em que ele aparece, o quadrinho ganha um segundo foco de luz, além da casa de Bob.
O Batman de Noel é o Scrooge. É um homem que é atormentado e triste. Se o Scrooge era uma pessoa abandonada por seus familiares, Bruce Wayne é alguém que perdeu muito de seu coração ao longo de sua cruzada. A morte do Robin o entristeceu. Mais do que isso, fez desaparecer o sorriso de seu rosto. Selina Kyle, a Mulher-Gato, busca trazer isso de volta. Ela se regozija nas aventuras da perseguição entre os dois, quase que uma forma de o Batman cortejá-la, a fazer se sentir desejada. Mas, esse é um homem diferente do passado. Ele quer acabar com o crime, e seu coração ficou frio como o gelo. É preciso acabar com vilões como o Pinguim, o Duas-Caras, o Coringa. Somente assim, seu espírito vai poder ter paz. Mas, essa parece ser uma guerra sem fim. E durante a guerra as pessoas mudam. Contudo, achei a abordagem de Bermejo meio exagerada para o personagem. Ele é quase um vilão aqui e eu até consigo entender que isso é para criar uma conexão maior entre o Batman e o personagem criado por Dickens.
Esse Batman está enfraquecido devido a uma pneumonia que ele pode ter adquirido durante a sua patrulha. E esse estar doente serve para que Bermejo nos apresente um personagem que parece mais velho do que aparenta. Tanto é que na narração ele sempre se refere ao Homem-Morcego como um homem velho. Tem um momento da perseguição dele com a Mulher-Gato onde ele erra um salto e acaba se machucando. Isso faz aumentar essa percepção de idade e de cansaço. É um cansaço oriundo de suas perdas. Com isso ele passou a enxergar todos os criminosos e aqueles que se envolvem com criminosos como pessoas que não merecem perdão. Que é preciso dar uma lição dura para que nunca mais pensem em se aproximar de atos ilícitos. Só que isso faz suas ações parecerem extremas. Ele desumaniza aqueles que ele deveria proteger e dar uma segunda chance. Por isso, o Scrooge. A ideia é fazer com que o Batman reveja as pessoas como pessoas e que cada uma delas possui seus problemas. Nem sempre as coisas são preto e branco. Às vezes é preciso tentar entender seu ponto de vista e estender a mão para que elas saiam da escuridão e voltem para a luz. Existe um herói dentro de cada um de nós.
Essa graphic novel é bem legal por nos trazer uma boa história de natal. Nem sempre temos personagens Marvel e DC envolvidos com boas histórias desse período de festas. Bermejo conseguiu dar o seu toque para uma história original que já é linda e comovente. Mais do que fazer uma adaptação, temos uma ressignificação e uma outra camada de símbolos espalhados ao longo da história. Não há o que falar da arte: é maravilhosa e entra para o hall das melhores coisas feitas com o personagem.
Ficha Técnica:
Nome: Batman - Noel
Autor: Lee Bermejo
Colorista: Barbara Ciardo
Editora: Panini Comics
Tradutores: Alexandre Callari e Daniel Lopes
Número de Páginas: 112
Ano de Publicação: 2015
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