Dália trabalha como funcionária em uma estranha casa onde a dona é um ser aracnídeo ancestral com incríveis capacidades. Os funcionários da casa tentam manter tudo em ordem ou podem acabar sendo devorados por Anatema, a aranha. Mas, o desaparecimento de um item importante para ela irá colocar Dália no meio do furacão.
Sinopse:
Seja ousada, seja ousada...
Eficiência e discrição são qualidades obrigatórias para trabalhar na Casa Caprichosa. Afinal, ninguém quer ser a próxima vítima da proprietária, Anatema — uma gigantesca criatura aracnídea com gosto por láudano e por noivinhas humanas (que sempre encontram fim trágico na residência...)
A antiga guarda-chaves da residência acaba de ser morta e deglutida por Anatema. E cabe a Dália, a nova contratada, descobrir porque isso aconteceu — do contrário, ela terá o mesmo destino. Só que esse não é o único mistério irresistível dentro da Casa Caprichosa... E quando os monstros são vistos de perto, eles podem se revelar bem mais interessantes do que imaginamos...
A casa onde Dália trabalha é diferente de todas as outras. Nela moram inúmeros funcionários que cuidam dos três andares de lá, limpando, arrumando e organizando. No terceiro andar mora a dona, Anatema, um ser aracnídeo com forma humanoide que possui tantos anos quantos é possível contar. Ela é um Ancestral, um ser de incríveis poderes e cuja vida dos humanos é um mero joguete. Entre seus hobbies está ter várias noivas as quais duram apenas alguns dias antes de Anatema ficar entediada e devorá-las. A todos os funcionários, exceto a guarda-chaves, é proibido subir ou sequer ver a dona da casa. Mas, a morte da última guarda-chaves acaba fazendo com que Dália ocupe o posto e seja obrigada a se relacionar com Anatema. E a morte de sua antecessora tem a ver com o desaparecimento de itens que são fundamentais para a aranha. E a vida de Dália depende de ela descobrir quem foi a responsável.
Não me canso de elogiar a escrita da H. Pueyo, que, para mim, é uma das melhores escritoras brasileiras em atividade. Sou apaixonado pela maneira como ela mescla gêneros distintos como a fantasia, a ficção científica, o terror, o estranho. Para ela não existem barreiras que os separem. Posso dizer que esse é o conto mais extenso que já li da autora e ela só tem ficado melhor a cada nova história publicada. Nessa narrativa em terceira pessoa, ela consegue usar muito bem o espaço que ela tem em poucas páginas e nos envolver nos afazeres dos funcionários da casa. A história é sobre Anatema e Dália, mas outros personagens ganham espaço como a empregada que é desastrada ou o majordomo que nutre estranhos sentimentos. Apesar de não ser uma história com ação ininterrupta, sentimos que a vida de Dália corre risco o tempo todo. Cada encontro seu com Anatema pode ser o último. Mesmo assim, Pueyo consegue dar um tom calmo e tranquilo ao que está acontecendo. A experiência da autora com histórias curtas permitiu a ela ser capaz de entender bem ritmo e cadência na narrativa. Nada parece exagerado ou fora do lugar; não há buracos nas explicações. Tudo é bem amarradinho. Lógico que não é uma história que suscita continuações já que ela se encerra de uma forma bastante adequada.
Essa é uma boa história de investigação. Vemos o caso e temos vários suspeitos espalhados pelo cenário. O curioso é que apesar de esse ser o foco da narrativa, a história não usa os clichês típicos do gênero, preferindo trabalhar as inseguranças de Dália e o comportamento intempestivo de Anatema. Ao mesmo tempo em que a protagonista avança com sua investigação, ficamos conhecendo mais sobre a casa e o que cada funcionário faz ao longo de seu dia. A investigação serve como uma construção de mundo que dá ao leitor todas as condições que ele precisa para entender a dinâmica da casa e as relações entre os personagens. O elemento fantástico não é o ponto central da trama, e sim algo corriqueiro. Os personagens sabem que Anatema é um ser estranho e poderoso e não cabe a eles desafiá-la. Não há uma necessidade de explicar quem é Anatema ou a origem de suas habilidades. Logo, podemos dizer que se trata de um realismo mágico, um gênero no qual Pueyo se sente bastante confortável. Ao mesmo tempo, não consigo dissociar a história a um new weird, um gênero que se tornou comum por causa de Jeff Vandermeer com seu Aniquilação ou China Miéville e seu Estação Perdido. Claro que Pueyo é bem mais contida no nível de estranheza que ela emprega em sua narrativa.
Dália é uma personagem que começa sendo uma pessoa indiferente em relação à sua própria vida. Ela existe para estar naquela casa; ela existe para trabalhar como guarda-chaves. Nada mais importa. É como um casulo que a protege contra o mal do mundo. Ela se anula e consegue sobreviver naquele ambiente mortal onde a vida pode acabar em um piscar de olhos e pelos motivos mais fúteis. Só que trabalhar para Anatema a coloca em contato com um lado seu que ela não conhecia: um lado que teme perder a vida, que possui desejos. Quando ela se dá conta disso, seu coração entra em desespero e não sabe mais como reagir. Fico pensando quem tem sentimentos mais frágeis: se Anatema e sua eterna solidão se sentindo incompreendida ou se é Dália e sua nova visão sobre si e o mundo que a cerca. Nossa personagem se vê em um momento em que ela precisa finalmente compreender que possui desejos e que estes podem vir com amor ou com dor. Somente quando ela faz as pazes consigo mesma e percebe a natureza de seus sentimentos é que o caso em que ela está investigando finalmente se abre, fornecendo a ela a resposta que ela buscava.
A investigação é o fato que move a narrativa para frente, mas precisamos pontuar como a relação entre Dália e Anatema é interessante. Se puder usar um simbolismo que consiga ilustrar como as duas se relacionam, é o de um tango. Elas estão em um ir e vir onde um dos lados é selvagem e ameaçador enquanto o outro é sedutor e indiferente. Somente quando os olhares uma da outra se encontram em um momento de absoluto desespero é que os sentimentos despertam e a dança muda em sentido e velocidade. E não se enganem: é realmente o cortejo entre uma humana comum e uma aracnídea de proporções colossais. Tem um momento fantasiado por Dália que é sensacional e mostra até onde vai a imaginação da Pueyo. Anatema tem problemas com o fato de sua aparência afastar as pessoas. Por ser uma criatura ancestral, ela se tornou solitária e não tem mais muitos dos seus com quem ela possa confraternizar. Somente os pequenos humanos estão ali para lhe fazer companhia, mas ela não sabe como estender isso. Na visão dela, eles são seres tolos, frágeis e efêmeros. E vai ser Dália quem irá pouco a pouco mostrar a ela do que eles são realmente capazes. Anatema não deixará de ser uma aranha colossal e acima dos humanos, mas pode ser que exista um meio-termo nisso tudo.
A novella é muito interessante e toquei apenas em alguns dos temas abordados na narrativa. Não disse nada sobre a casa, o terror imposto nos funcionários, as noivinhas de Anatema e até o dilema de Lionel. Todas são histórias que vocês precisarão ler para conferir. Pueyo continua sendo um arraso como autora e não sei por que ela não tem mais fãs no Brasil. Leiam e apreciem sem qualquer moderação. Tenho certeza que a história irá agradar aos mais diferentes públicos desde aqueles que buscam um belo romance àqueles que buscam uma narrativa fantástica diferente do que existe por aí.
Ficha Técnica: Nome: Bem mal me quer
Autora: H. Pueyo
Editora: Dame Blanche
Número de Páginas: 101
Ano de Publicação: 2022
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*Material enviado em parceria com a editora Dame Blanche
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