Paulo Vinicius

Resenha: "Berserk vol. 1" de Kentaro Miura

Um espadachim negro carregando uma enorme espada e armas suficientes para derrotar um exército. Um homem solitário que caça demônios e deseja apenas ficar sozinho. Ele parece ter alguma coisa que faz com que estes seres malignos também o cacem. Quais são os objetivos do espadachim negro?

Sinopse:

O misterioso Guts, o "Espadachim Negro", carrega em sua mão mecânica uma enorme espada, e em seu pescoço uma estranha marca que atrai forças demoníacas. Em sua busca por vingança contra um antigo inimigo, nem tudo sai a seu favor, e ele recebe ajuda de uma fantástica criatura.

Este é o primeiro volume de um clássico dos mangás japoneses. A introdução de um personagem que se tornou icônico. Aqui conhecemos o início da jornada de um mestre dos mangás, onde ele desfila glória e violência desmedida em um homem solitário e de poucas palavras que deseja apenas destruir demônios com o máximo de dano possível. Ler Berserk, por mais polêmicas que ele tenha e não são poucas, é obrigatório para qualquer fã de mangás japoneses. Seja pelo traço icônico de Miura, pela história bem desenvolvida, pelos personagens cativantes. E, na minha opinião, é um dos autores que mais ajudaram a difundir o gênero da dark fantasy pelo mundo. E a tornou tão popular.

Nesta edição temos três histórias que servem para nos apresentar o personagem. Guts está chegando a uma cidade onde ele vê alguns bêbados em uma taverna brincando de torturar um pequeno elfo. Depois de um pouco de briga de bar, Puck, o elfo, agradece a Guts por tê-lo salvo. Mas, o interesse do espadachim era atrair a atenção do homem que governa a cidade no lugar do prefeito. Um ser terrível que dizem devorar pessoas e vive no castelo de Koka. Mesmo sendo capturado, o espadachim aguarda a oportunidade ideal para enfrentar aquele a quem ele veio matar. Mas, ele não consegue se livrar do maldito elfo que insiste em segui-lo. Na segunda história, a estrada chuvosa pode revelar surpresas. E ao aceitar uma carona ao lado de um padre e uma doce menina, nosso personagem pode acabar colocando-os em risco. Um risco mortal trazido por ele mesmo.

Falar da arte do Miura é mencionar o poder de seus traços e o quanto ele é capaz de fornecer complexidade e detalhe às cenas. Mas, esse não é o Miura de algumas décadas à frente. Aqui acompanhamos os momentos iniciais da série e de quais caminhos o autor vai escolher para desenvolver sua arte. Nesse primeiro volume, já vemos um autor preocupado com as formas e as perspectivas, capaz de criar designs de personagem bastante diferentes do comum. Só que os cenários ainda são simples, embora vejamos que ele sai dos conceitos tipicamente japoneses de construção de mundo. Sua pegada é mais europeia na composição dos castelos e das construções. Miura é bastante econômico nas cenas e no emprego das linhas de ação. No primeiro caso isso é perceptível pelo emprego constante de quadros em branco focando mais em closes nos personagens, ou nos diálogos entre eles. No segundo caso, acho isso até interessante porque o abuso das linhas cinéticas cria uma sensação forçada demais nas lutas ou momentos mais tensos. O design de personagens do Miura me faz pensar nas inspirações do autor nesses momentos iniciais e a gente consegue ver as linhas de lendas como Buronson (de Hokuto no Ken) e Goseki Kojima (de Lobo Solitário). Claro que isso é algo mais inicial e daqui a algumas edições iremos acompanhar os caminhos escolhidos pelo Miura que o farão criar algo autêntico e só dele.

Este é um bom volume de apresentação. Miura precisava focar sua história mais na figura do Guts e em seu caráter sombrio e mortal. Mesmo o personagem sendo pouco eloquente, seus maneirismos e sentimentos ficam transparentes através do traço do autor. Não chega a ser um spoiler porque são mais deduções, mas acompanhamos um homem que quer ficar sozinho para proteger as outras pessoas. Guts criou uma redoma espinhosa ao seu redor que não deixa ninguém chegar perto. Se ele não desenvolve sentimentos por estas pessoas, não sentirá quando estas se forem. E por causa de seu estigma, ele atrai demônios a todo momento. Ao mesmo tempo em que ele deseja proteger as pessoas, é um personagem angustiado e devastado pela vida. Quando Puck tenta interagir com ele, Guts percebe as boas intenções do elfo, mas ele precisa mantê-lo afastado para sua própria proteção. Por isso, suas respostas acabam sendo rudes e grossas.

Estamos diante de um mundo decadente e corrompido. Demônios fazem parte do cotidiano das pessoas e possuem suas áreas de atuação. A injustiça é o padrão já que não há como deter os poderes sobrenaturais destes seres. Acaba que os homens sob o jugo destes demônios revelam o seu lado mais sombrio seja com a indiferença, a ganância ou a covardia. A crueldade está por toda a parte e Guts é um homem criado dentro deste mundo das trevas e da desesperança. Talvez a melhor imagem simbolizando este parágrafo seja o ataque dos demônios à carroça que dera carona ao espadachim. Pessoas que nada tinham a ver com a jornada do protagonista tiveram suas vidas marcadas para sempre como joguetes nas mãos dos deuses.

Berserk é um mangá pesado, onde o autor representa toda a desesperança do mundo na violência provocada pelo protagonista e pelos seus inimigos. Talvez o melhor cartão de visitas de Miura sejam as primeiras páginas do mangá quando Guts tem relações com uma mulher que se transforma em um demônio e gera uma luta mortal entre ambos. A tendência da violência de Berserk é só aumentar nos próximos volumes e fica sempre aquela pergunta se a violência é gratuita ou não. Se os abusos são gratuitos ou não. Ainda não posso oferecer uma resposta porque esse primeiro volume me fez pensar em alguns conceitos que o autor deixa de forma bastante sutil nas páginas. Pretendo maturar mais a ideia, mas fica sempre o meu conselho para que aqueles que não gostam desse tipo de conteúdo ou que possuem algum gatilho ligado a isso, não leiam Berserk. Existe toda uma infinidade de outras possibilidades nas prateleiras se isso te incomoda. E olhe que o mangá é incômodo até para quem curte um pouco de violência.

Como volume de partida, é uma boa edição apresentando de forma eficiente o seu protagonista e o mundo em que ele vive. Ainda está longe de ser aquele mangá inacreditável que veremos daqui a algumas dezenas de edições, mas Miura mostra que não está para brincadeira. É um mundo cruel e difícil e somente um homem endurecido como Guts pode ser capaz de enfrentar os desafios que ele lhe apresenta. A introdução de Puck como um contraponto ao protagonista pode revelar uma dinâmica interessante que veremos ser mais desenvolvida futuramente. As histórias, por enquanto, são bem fechadas em si, salvo a última que é em duas partes e tem sua segunda parte no próximo volume.