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Foto do escritorPaulo Vinicius

Resenha: "Binti" (Binti vol. 1) de Nnedi Okorafor

Binti cria coragem de fugir de casa. Ela quer fazer parte da Oomza Uni e conseguiu ter notas o suficiente para ser aceita na prestigiada universidade. Mas, seus pais queriam que ela continuasse o negócio da família. Ao entrar na nave a caminho do planeta onde fica a universidade, a vida de Binti mudará para sempre. Ela nem faz ideia...


Sinopse:


Seu nome é Binti, e ela é a primeira entre os Himba a sequer ser oferecida a um lugar na Universidade Oomza, a maior instituição de altos estudos da galáxia. Mas, para aceitar a oferta ela terá de abandonar sua família para viajar entre as estrelas ao lado de estranhos que não compartilham de suas ideias ou respeitam seus costumes.


Conhecimento vem a um custo, um que Binti está disposta a pagar, mas sua jornada não será fácil. O mundo que ela tenta entrar tem há muito tempo estado em guerra contra as Medusas, uma raça alienígena que tem se tornado o tema de muitos pesadelos. A Universidade Oomza cometeu uma ofensa contra as Medusas e a viagem estelar de Binti irá colocá-la no alcance mortal destas criaturas.


Se Binti espera sobreviver ao legado de uma guerra que ela e seu povo nunca fizeram parte, ela precisará tanto dos dons de seu povo quanto da sabedoria encapsulada dentro do próprio Universo - mas, primeiro ela terá que chegar lá, viva.




Esse é o segundo romance da Nnedi Okorafor que eu me deparo (o primeiro foi Quem Teme a Morte), e uma das grandes características da sua escrita é o poder que ela tem de contar histórias. Binti é uma história que parece ser autocontida, mas consegue criar um universo narrativo tão redondinho que não à toa gerou duas continuações. A autora é um dos grandes exemplos de como o afrofuturismo tem se tornado tão popular nos últimos anos. Apresentando temáticas contemporâneas, problemas que meramente extrapolam nossas angústias em uma máscara de ficção científica. O que Okorafor faz é puro scifi. Em sua melhor vertente.


O leitor acompanha a mudança na vida de Binti. Como uma Himba, ela possui a pele escura, vive sob um sol escaldante e ajuda sua família a sobreviver em um clima árido. Ela possui um talento para números e formulações, um dom especial até mesmo entre seus pares. Seu treino é para ser uma mestra harmonizadora, alguém capaz de, através da computação de fórmulas e da percepção da realidade ao seu redor, criar o equilíbrio ao seu redor. Mas, Binti sabia em seu íntimo que seu destino não era em seu planeta natal. Ela prestou concurso para a Universidade Oomza, considerada o maior centro de altos estudos da galáxia. E consegue ser a primeira Himba a conseguir passar para lá. Mas, sua família não queria que ela fosse, já que ela sentiria de perto o preconceito que os Khoush, os homens de pele branca como a neve que compõem a maior parte da galáxia, sentem pelos Himba. Mesmo assim, nossa protagonista parte para uma viagem que provavelmente será sem retorno rumo ao seu sonho. Durante a viagem, Binti acaba sendo arrastada para o conflito mortal que há entre os Khoush e a Universidade Oomza e os Medusa, um povo alienígena que se assemelha com nossas águas vivas.


"Dei de ombros, ciente das pessoas atrás de mim aguardando na fila e olhando para mim. Para eles, eu era provavelmente como uma das pessoas que viviam em cavernas nas profundezas do deserto que eram tão queimadas pelo sol que eles pareciam sombras ambulantes."

Assim como em Quem Teme a Morte, a narrativa é feita em primeira pessoa. Okorafor prefere usar essa ferramenta para nos permitir enxergar o mundo através dos olhos da protagonista. Que sejamos capazes de poder nos colocar no lugar do outro. Isso permite uma perspectiva única, já que os personagens dela não são perfeitos. Binti, por exemplo, é uma personagem ainda em processo de amadurecimento. Várias de suas atitudes possuem as dúvidas e ansiedades de alguém que ainda não conhece o mundo. Que está aprendendo sobre as pessoas e suas reações. Apesar de ser alguém experiente em seu mundo natal, possui uma visão ainda inocente sobre tudo.



A ficção científica da autora está mais apurada em Binti. Diferentemente da distopia presente em seu outro romance, aqui estamos diante de uma space opera em sua forma mais pura. Por exemplo, as Medusas são um povo repleto de mistérios e que vamos decifrando à medida em que a narrativa vai se passando. E se em um primeiro momento temos uma reação quanto à chegada das Medusas na nave, na metade da história nossa percepção vai se modificando à medida em que os fatos se tornam mais claros. Sendo uma Himba, a protagonista se coloca em um cenário em que ela não é capaz de entender os motivos que levaram os dois lados a serem tão hostis uns com os outros. Porém, ela vai precisar entender isso rapidamente caso queira sobreviver.


"A única coisa que eu matei foram pequenos animais para poder me alimentar, e apenas de forma rápida e após uma oração agradecendo ao animal pelo seu sacrifício."

A barreira da linguagem está ali presente e Okorafor lida bem com isso. Ela não apresenta uma solução fácil como o habitual todos falam o mesmo idioma. Em primeiro lugar, a protagonista vai precisar superar esse obstáculo. E a incompreensão corre lado a lado com a impossibilidade de compreensão. A seguir, Binti vai precisar entender o outro lado, vai precisar exercer a alteridade, ou seja, a capacidade de se colocar no lugar do próximo. O curioso é que isso funciona quase como uma metanarrativa: nós nos colocamos no lugar de Binti (por causa da narrativa em primeira pessoa) que precisa se colocar no lugar das Medusas para entender como ela deve resolver seu dilema.


Okorafor trata bem da questão do preconceito, como só alguém que já passou por ele é capaz de compreender. As mensagens e as ofensas são mantidas de forma sutil, seja com pequenos comentários sobre as vestimentas da personagem, ou sua diferença de pele ou até seus costumes que são enxergados como algo "pouco civilizado". Não há nada direto ou aquelas ações "in your face"; até o gestual funciona para alimentar isso. Um olhar diferente, o fato de ela estar sempre sozinha até o momento em que ela consegue finalmente quebrar o gelo. Tem um momento muito legal que mostra o contraste de culturas que é quando Binti entra na nave e tem sua história lida pelo segurança. Para a personagem, ser obrigada a fazer esse escaneamento é como se ver nua, ter toda a sua vida exposta para um desconhecido. Ou a maneira como a otjize faz parte da narrativa. O otjize é uma substância usada pelos Himba formado por barro e alguns outros elementos. É utilizado na pele e nos cabelos. A simples existência do otjize é um elemento de identidade para Binti. Vamos ver o quanto disso vai se associar à sua identidade.


"Morte. Quando deixei minha casa, eu morri. Eu não tinha orado aos Sete antes de deixar minha casa. Não pensei que fosse o momento. Não tinha saído em peregrinação como uma mulher adulta. Estava certa de que retornaria para a minha vila como uma mulher adulta para fazer isso. Tinha abandonado minha família. Pensei que poderia retornar a eles quando eu tivesse feito o que precisava fazer."

O livro tem tantos temas a serem comentados que seria possível ficar dias falando a respeito. E isso porque estamos falando de uma novella de menos de cem páginas. A riqueza da escrita de Okorafor é patente e ela consegue criar um universo que o leitor deseja acompanhar e retornar depois. Desejo acompanhar como será a vida de Binti na universidade e como ela pode vir a retomar laços com sua família mais tarde. Esta novella recebeu várias premiações e hoje eu sei por que isso se deu. Aplausos para a autora.






Ficha Técnica:


Nome: Binti

Autora: Nnedi Okorafor

Série: Binti vol. 1

Editora: Tor.com

Número de Páginas: 96

Ano de Publicação: 2015


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