Manji é um retalhador que já assassinou mais de cem pessoas. Mas, quando uma tragédia se abate em sua vida, uma velha chamada Yaobikuni coloca vermes chamados Kessenchu que o deixam imortal. Só que Manji quer morrer e Yaobikuni diz que ele precisa se redimir. É então que seu caminho cruza com o de Rin, uma jovem que perdeu toda a sua família para um grupo de guerreiros que desejam unir todos os estilos de luta.
Sinopse:
Após ser encontrado quase morto, Manji é salvo por uma monja que acaba lhe dando vida eterna. Querendo sua mortalidade de volta, o samurai faz um acordo com ela: matar um determinado número de criminosos, e só então ela cumprirá sua parte no acordo. A morte e a espada andam lado a lado. Mas como um samurai imortal irá expiar os pecados cometidos pela sua espada? Lavando sua espada em sangue derramado de forma justa!
Histórias de samurais são bastante comuns entre mangás japoneses. Seja no formato shounen como Rurouni Kenshin, ou no estilo seinen como Lobo Solitário. Digamos que Blade se encaixa mais no segundo caso, mas não tem como comparar os roteiros de Kazuo Koike com o de Hiroaki Samura. São dois estilos de história completamente diferentes. É como comparar o garoto estudioso da escola com o moleque rebelde. Isso porque Samura não segue convenções, tem uma arte sempre experimentando novas técnicas e sua história tem altos níveis de violência. Vocês estão diante de um mangá fenomenal, mas nem de longe é uma obra bem comportada. Blade é rock'n'roll, é liberdade, é bizarrice e boas cenas de ação ao mesmo tempo. A gente pode argumentar que nesse primeiro volume, Samura ainda está buscando a sua vibe para os personagens, mas não deixa de ser um belo começo.
Em Blade temos dois personagens principais: Manji e Rin. Manji é um retalhador que já matou cem homens e tornou o seu nome temido por todo o Japão. Um dia ele acaba se envolvendo em uma luta com um homem que ele sabia conhecer de algum lugar, mas não se lembrava. Tarde demais ele descobre que se tratava do marido de sua irmã, e ele o mata bem em sua frente como por reflexo. Isso destrói a mente dela que se torna uma pessoa sem noção da realidade. Manji tenta levar uma vida com um sentimento de culpa e uma velha chamada Yoabikuni insere uma série de vermes em seu organismo. Esses vermes transformam o seu corpo em um receptáculo imortal. Yoabikuni diz que os vermes só desaparecerão se Manji conseguir se redimir por completo. E Manji decide adotar uma postura mais pacífica para resolver os problemas. Só que estes parecem perseguir Manji e uma gangue de bandidos local sequestram a irmã do retalhador para ganhar fama matando-o. Nosso protagonista tenta argumentar para sair com uma solução diplomática, mas os bandidos acabam causando a morte de sua irmã, fazendo com que Manji perceba que todos os problemas foram atraídos por sua sede de sangue. Então ele promete a Yoabikuni matar mil malfeitores, já que matar é a única coisa que ele sabe fazer direito.
Já Rin é a filha do mestre de um famoso dojo que ensina o estilo Muten'ichi-ryu. Uma família feliz e um pai de família honrado que transmite o seu estilo às novas gerações. Mas, uma disputa do passado vai trazer a tragédia à família Asano. Um descendente de Anotsu, um homem com quem o avô de Rin rompeu no passado, veio tomar satisfações e se vingar pela desgraça da família. Anotsu Kagehisa é um gênio na arte da espada e fundou o estilo Ittou-ryu, cujo dogma é destruir todos os estilos de espada e absorvê-los para criar uma fórrmula unificada e poderosa. Kagehisa mata o pai e a mãe de Rin desaparece, deixando a garota desamparada. Buscando vingança, Rin sai pelo país polindo sua técnica, mas percebe que necessita de um guarda-costas para auxiliá-la em sua empreitada. A menina acaba esbarrando em Yoabikuni que percebe a obstinação da garota e a manda procurar Manji para que ele possa ajudá-la. É aí que os caminhos de ambos se cruzam e o embate com Kagehisa e seus discípulos se torna em parte uma missão de redenção e de vingança ao mesmo tempo.
Samura é aquele tipo de autor que foge a tudo o que você imagina como padrão. Me incomoda um pouco aqueles que enxergam em Blade apenas um mangá em que o protagonista decepa pessoas a cada páginas e tem cenas bizarras com lutas de espadas. O roteiro de Blade é muito mais profundo do que parece em primeira análise. E isso porque o próprio autor não funciona em preto e branco, mas em tons de cinza. Se pararmos para pensar nos motivos que levaram Kagehisa a assassinar o pai de Rin, eles não são tão incompreensíveis assim. São exagerados sim, mas não sem justificativa. Ou o questionamento que Manji faz acerca da postura do mestre de Rin, alguém que no começo parece ser uma pessoa virtuosa e gentil. No roteiro de Samura, tem aquela sujeirinha desagradável em uma roupa aparentemente branca; aquela sujeira que você esfrega, esfrega e esfrega e parece não sair. E só vai ficando cada vez maior. Ao criar um protagonista que não é nem um pouco virtuoso e sabe de seus pecados, que ele traz uma narrativa fascinante. Blade questiona até mesmo os códigos do bushido. Talvez por isso que os fãs de mangás como os de Hiroshi Hirata e Kazuo Koike se sentem um pouco incomodados com a rebeldia do Samura. Para mim, é esse fugir do compasso que torna o roteiro de Blade tão interessante porque acaba se tornando imprevisível ao leitor.
Se mencionei Hirata e Koike, Samura não fica nem um pouco atrás no quesito arte. Em mangás publicados anteriormente ele já havia provado o quanto ele consegue entregar imagens poderosas. Só que nesse primeiro volume do mangá, ele ainda está testando o terreno para ver que tipo de técnica se encaixa melhor com a história. Mesmo assim, o resultado das cenas é inacreditável. Tem várias imagens belíssimas. Antes de passar a falar mais da arte do Samura, fica um puxão de orelhas na JBC que usou uma encadernação colada que torna visualizar as splash pages do Samura uma tortura. Se eu quiser vê-las por completo, preciso abrir o mangá, o que estragaria a encadernação. Não me recordo agora se Blade foi o primeiro mangá no formato BIG (dois volumes em um) da editora, mas, essa opção com esse estilo colado prejudicou demais a apreciação da arte do autor. Pensar em mangás como O Preço da Desonra hoje que o leitor consegue abrir em 180º e apreciar todas as nuances da arte é de deprimir. Mas, enfim... Um detalhe forte sobre a pena de Samura é o emprego que ele faz dos rabiscos e das linhas cinéticas. Ver as cenas em que podemos visualizar a pena do autor em ação é maravilhoso. Ele opta em algumas oportunidades por usar a ponta do lápis para dar mais profundidade a uma silhueta ou o detalhe de uma parte do corpo. Mesmo os quimonos usados pelos personagens são marcados por especificidades. E se falamos de um mangá de luta entre samurais, é óbvio que as cenas de ação precisam ser bem conduzidas. Nesse sentido o autor não decepciona. Samura sabe usar bem as linhas cinéticas, fazendo com que o leitor saiba o que está acontecendo na cena.
Meu porém fica em relação à confusão que algumas cenas representam. Por estarmos comentando sobre personagens que, às vezes, usando mais de uma arma, algumas cenas se tornam complicadas de serem entendidas. A luta contra o Sabato e o Taito são dois bons exemplos disso. Me recordo que passei alguns minutos tentando entender como o Manji fez isso ou aquilo. Outro ponto negativo é a experimentação que Samura faz nesse primeiro volume. O que é algo que tende a arrefecer nos próximos, mas aqui incomoda um pouco. Algumas cenas acontece do visual dos personagens estarem estranhos e serem até diferentes do seu design normal. O próprio design da Rin vai se solidificando à medida em que os capítulos se passam. E, caramba, como eu gostaria de ver as splash pages direito. Ah, se não fosse essa encadernação colada.
Falando das temáticas trabalhadas neste volume, vou citar algumas sem mencionar a que ponto da história elas se referem. Assim não dou spoilers. Vou começar pelo óbvio que é a vingança dos Anotsu contra os Asano. E a discussão que acabou no afastamento do avô de Kagehisa foi simplesmente uma divergência de caminhos. Isso provocou o racha que levou os Anotsu a se afastarem do dojo. Em um mundo marcado por honra e aparências algo como isso é fatal para uma família. Todo e qualquer privilégio que a família tinha desaparece por completo. O desespero do chefe da família para recuperar o que foi perdido se torna uma obsessão que vai corroendo a alma. E é curioso porque Kagehisa não parece ter ódio necessariamente dos Asano e ele entende que isso se trata de uma rixa de seus antecessores. Mas, se trata de uma questão de honra que precisa ser resolvida. Samura faz uma crítica sutil a essa romantização sobre os dojos e seus alunos e toda essa noção de honra que pode cair por terra em um instante.
Ainda nesse conceito de honra, nos deparamos com uma pessoa ligada à família Asano a quem Rin vai pedir ajuda. Conhecendo o poder dos aliados de Kagehisa, somente o Manji não vai conseguir dar conta de todos, como fica rapidamente explícito no mangá. Mas, essa pessoa decide não ajudar porque não concorda com o sentimento de vingança da Rin. E é curioso porque vimos esse mote em diversas ocasiões em outros mangás. Mas, Samura dá um passo adiante. Manji questiona a pessoa o que ele tem de tão altruísta ao negar o pedido de Rin. Em outras situações onde ele precisa se desdobrar para alcançar seus objetivos em coisas que nem sempre são éticas, essa pessoa não tem esses pudores. Quando se trata de algo que pode levar a uma confrontação onde este arrisca sua vida, este se recusa. Ou seja, o seu altruísmo tem uma limitação na conveniência deste indivíduo. Quando uma tarefa se torna inconveniente, ele decide sacar a ideia de que é feio ou incorreto. Não há nada de honrado nessa postura.
Este primeiro volume mostra ao que Samura pretende com esse mangá. É uma história que está em seu início, apresentando personagens e expondo motivações. Ainda estamos criando vínculos com eles e a arte está em sua fase mais experimental até se solidificar daqui a alguns volumes. Há alguns problemas de ritmo aqui e ali, e na arte uma certa confusão em algumas cenas de ação. Mas, nada que comprometa completamente a história. É um prato cheio para quem espera drama, muito sangue e mortes. Agora, só fiquem atentos porque o mangá tem bastante gore, ou seja, se você não gosta desse tipo de situações, nem chegue muito perto. Pode se incomodar com o resultado.
Ficha Técnica:
Nome: Blade - A Lâmina do Imortal vol. 1
Autor: Hiroaki Samura
Editora: JBC
Tradutor: Thiago Nojiri
Número de Páginas: 445
Ano de Publicação: 2015
Outros Volumes:
Vol. 2
Vol. 3
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