O que aconteceria se misturássemos uma space opera, uma aventura de piratas e uma exploração ao interior de um organismo tudo em uma mesma história? Conheçam Black Alice.
Talvez uma das fantasias mais antigas do homem é o se aventurar pelo desconhecido. Muitos tipos de aventureiros surgiram ao longo da história: o cavaleiro que sai em busca de aventuras, salvando donzelas em perigo; o peregrino se aventurando por territórios desconhecidos; e o pirata que singra os sete mares em busca de fama e fortuna. Na literatura, o gênero de aventura é um estilo antigo de fantasia e ficção científica. Desde os primórdios do pulp que os autores se viram para esse estilo de escrita. Outro tipo de aventura exótica é quando os personagens se tornam miniaturas e são lançados no interior de um organismo (seja um animal ou um homem com alguma doença ou aflição). Filmes como “Querida, encolhi as crianças” fizeram sucesso nos anos 80. Muitas séries já exploraram esse tema. Black Alice é uma engenheira em uma estranha nave espacial. Vinnie é uma nave biológica, uma espécie de leviatã espacial que carrega seus ocupantes pelo espaço e os protege dos perigos. Ele é oriundo da raça dos Boojum, titânicas criaturas capazes de aguentar incríveis pressões e carregar seres humanos em seu interior. Mas, acidentes acontecem: seres humanos podem ser engolidos acidentalmente pelo Boojum ou em um acesso de fúria. Black Alice é apenas uma engenheira. As autoras deixam isso claro desde o início da história. Tudo o que ela deseja é se tornar uma chefe de engenharia. Uma vida simples e sem se preocupar com complicações. E, principalmente: ficar fora do caminho do capitão Song, um homem rígido com sua tripulação. Mas, Black Alice desenvolve uma estranha conexão com Vinnie, algo que normalmente é reservado apenas aos capitães. Vinnie parece falar com ela; ou seria apenas uma impressão? Durante uma de suas viagens, acontece um conflito entre os tripulantes do Boojum e piratas espaciais que gostam de extrair cérebros e vender no mercado negro. A história tem todo esse clima de aventura e exploração. Elizabeth Bear não inventa a roda aqui. Ela escreve uma boa aventura, nada espetacular, e que proporciona um pouco de diversão ao leitor. O conto não se propõe a bolar nenhuma questão metafísica ou existencial. É apenas uma aventura espacial com alguns elementos diferentes como a questão da nave orgânica e da exploração de seu interior. As autoras usam Black Alice como a “escolhida”, aquela que pode alterar a história ou que possui alguma influência na dinâmica do enredo. Não é um mecanismo estranho às aventuras; quase sempre o protagonista tem essa característica. Muitas vezes o protagonista é um herói relutante que precisa encontrar a motivação certa para adentrar na aventura. Black Alice tem essa relutância: ela quer o seu espaço que é pequeno e compacto dentro do mundo em que habita. Quaisquer complicações lhe fariam mal. Mas ela vai percebendo que tais complicações são inerentes ao seu ser. Caso ela não siga o seu “destino” sua vida acaba não tendo sentido e ela permanecerá alheia ao mundo. As autoras não aprofundam muito na ambientação. A história se desenrola entre Júpiter e Saturno quando os piratas atacam a nave. A partir de então, Black Alice faz uma digressão em como outras tripulações foram devoradas por suas naves. No universo do conto haviam poucos casos, mas o suficiente para deixar a tripulação de sobreaviso. Outro elemento de enredo usado pelas autoras foi o espinho no pé. O velho conto do leão da montanha que atacava os camponeses porque tinha um espinho no pé. O herói é o indivíduo que foi perceptivo o suficiente para perceber que o leão da montanha estava machucado e pedia ajuda, do jeito dele. Black Alice percebeu que Vinnie só era dócil porque estava sendo controlado por um mecanismo. Não que Vinnie fosse uma criatura violenta, mas seus desejos e voz eram suprimidos por esse mecanismo. A protagonista foi a heroína que percebeu a presença desse mecanismo que o machucava. Seu ato de coragem estava em desafiar as ordens de seu capitão e retirar o mecanismo. Mesmo ela abalando o seu pequeno mundo e jogando fora a oportunidade de permanecer em seu pequeno espaço. Ela preferiu se aventurar pelo desconhecido. Se formos analisar bem, a verdadeira pirata é Black Alice porque ela foi contra aquilo que era estabelecido pelo status quo. Demonstrou rebeldia ao seguir seus instintos que diziam que algo estava errado, mesmo quando o chefe de engenharia dizia que estava certo. Acredito que a história cumpre bem o seu papel. Não é um enredo espetacular ou possuidor de altas ideias geniais. Na minha opinião, as autoras foram coerentes com o que elas propuseram no começo da história. Até arriscaram um pouco ao fazer uma salada de estilos literários que, no geral, acabou funcionando. É uma leitura divertida e que faz passar o tempo.
Ficha Técnica:
Nome: Boojum
Autoras: Sarah Monette e Elizabeth Bear
Conto presente na coletânea The Mammoth Book of Best New SF 22
Editora: Robinson
Gênero: Ficção Científica
Ano de Publicação: 2009
Avaliação:
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