Marco da literatura latino-americana, Cem Anos de Solidão traz as histórias entrelaçadas da família Buendía na mítica Macondo, onde o maravilhoso coabita o peculiar dia-a-dia do povoado.
Sinopse
Edição comemorativa em capa dura de 50 anos de publicação da obra-prima de Gabriel García Márquez. Neste que é um dos maiores clássicos da literatura, o prestigiado autor narra a incrível e triste história dos Buendía – a estirpe de solitários para a qual não será dada “uma segunda oportunidade sobre a terra” e apresenta o maravilhoso universo da fictícia Macondo, onde se passa o romance. É lá que acompanhamos diversas gerações dessa família, assim como a ascensão e a queda do vilarejo. Para além dos artifícios técnicos e das influências literárias que transbordam do livro, ainda vemos em suas páginas o que por muitos é considerado uma autêntica enciclopédia do imaginário, num estilo que consagrou o colombiano como um dos maiores autores do século XX.
A Alma Latina
Cem Anos de Solidão, o clássico que redefiniu a literatura latino-americana ao inverter o eurocentrismo e exportar para o mundo, pela primeira vez, um bestseller; o romance que registrou, simbolicamente, os anseios e dores de um povo oprimido, colonizado e marginalizado; e que, por fim, entre alegorias, misticismos e duras realidades, conseguiu alcançar a essência carregada por toda a América Latina.
Elogios não faltam à obra de Gabriel Garcia Márquez, mas muitas vezes o peso do clássico afasta leitores acreditando estar diante de uma criação beirando o sagrado, tamanha a reverência atribuída ao autor e ao livro. É justamente pensando nisso que eu quero apresentar uma análise mais acessível e descomplicada.
Cem Anos de Solidão narra a história da estirpe Buendía ao longo de sete gerações, desde a fundação da cidade fictícia de Macondo até sua glória e posterior derrocada. Este é o primeiro desafio da leitura: conseguir distinguir cada membro da família (até porque os nomes se repetem o tempo todo), recordar quem é quem e descobrir o que cada um representa. É mandatório utilizar o auxílio de uma árvore genealógica; do contrário a leitura torna-se incrivelmente confusa e desgastante. Acredito que a maior parte das edições físicas possua uma imagem dos Buendía para consulta, mas, de qualquer forma, deixo uma aqui para que vocês possam se localizar.
Notem que a família Buendía é representada em vermelho na árvore genealógica. Apesar de parecer complicado, existe um padrão bem definido entre os personagens, especialmente no que diz respeito aos homens, mas ainda vou chegar lá.
A narração é feita em terceira pessoa e acompanha cada familiar, geração após geração. A escrita de Gabo é feita de forma tão intimista e desinibida que nos permite ter um olhar panorâmico sobre toda a família, nos apresentando as peculiaridades e as nuances de personalidade de cada um, suas motivações e ímpetos, seus medos e comportamentos repetidos. Certos e errados não existem: os personagens apenas são. Tudo é muito cru e verdadeiro em Macondo.
Aliás, precisamos falar sobre Macondo. Baseada nas memórias de infância de Gabriel Garcia Márquez, Macondo reúne uma porção de curiosidades, mas a verdade é que ela não existe de fato. Sua trajetória marca, de forma crítica e politizada, a representação da Colômbia. As ditaduras e as guerras que arrasaram a América Latina, os regimes políticos, a vida militar, a repressão e a miséria causada por um governo ausente e sucateado pelas grandes potências encontram ecos profundos nas palavras do autor em uma narrativa forte e muito comovente. Tudo isso permeia Macondo, muitas vezes através de símbolos requerendo certa sensibilidade para serem compreendidos, mas ali presentes e compondo toda a beleza de Cem Anos de Solidão.
Tudo é possível em Macondo. Pode chover durante quatro anos, onze meses e dois dias, pode-se conviver com fantasmas e memórias, pode-se viver por mais de cem anos ou pode-se morrer, cansar da solidão e retornar à vida. Nunca se sabe onde a fantasia começa e a realidade termina, e vice-versa, porque tudo ali é mágico. Os mitos caminham juntos ao dia-a-dia embrutecido e funcionam como (em uma análise muito superficial) a válvula de escape para uma dose insuportável de crueza e crueldade. O absurdo dá o tom à narrativa, provoca estranheza e até mesmo indignação, mas, afinal, não seria esse o objetivo de uma mente inquieta e apaixonada pela história do seu povo?
“O mundo terá acabado de se foder no dia em que os homens viajarem de primeira classe e a literatura no vagão de carga.”
A Família Buendía
Tão iguais e tão simbolicamente diferentes, os Buendía são uma família inesquecível. Aliás, passamos a nos sentir parte dessa "casa de loucos", como um parente assistindo a tudo de um patamar privilegiado. Assim conhecemos cada um.
A família Buendía já começa com um problema, uma espécie de pecado original: José Arcádio Buendía e Úrsula Iguarán são primos. O parentesco do casal contamina toda a estirpe e os lança num abismo de pecados, amores proibidos e reprimidos, medos e a maldição da solidão.
A maior confusão está entre os homens Buendía, todos José Arcádios ou Aurelianos. É fácil traçar um perfil padronizado entre eles, uma vez iniciada uma leitura atenta. Enquanto os José Arcádios são inventivos, impulsivos e visionários, os Aurelianos mantém-se introspectivos, inteligentes e sempre carregam em si uma centelha de dom sobrenatural. Deles, José Arcádio Buendía, o patriarca, é quem primeiro personifica a mitologia de Cem Anos de Solidão, o início da "insanidade" da estirpe, da inquietação na alma e no corpo.
Já as mulheres... Cada uma delas é um universo em si só. As mulheres movem a trama e funcionam como a espinha dorsal do romance, sustentando a casa, a família e a cidade. Úrsula, por exemplo, é a incansável matriarca, o mais próximo que pode haver de uma heroína para a história. É sua a primeira e a última palavra, a iniciativa e a execução, a força e a inteligência. É muito interessante ver como Gabo representou suas mulheres de forma tão moderna, muitas vezes desconstruindo a imagem subalterna e machista tão típicas do período e da cultura latino-americana. Quando inferiorizadas, logo percebe-se a crítica social por trás daquela construção. É o caso de Remédios, a Bela, cuja infinita beleza é também sua maldição, tão admirada e desejada por todos os homens.
O autor explora diversos papéis sociais femininos e seus estigmas, problematiza relações e lança um olhar crítico à dinâmica familiar tão comum à sua época: pais distantes, diálogos escassos e uma casa cheia de desconhecidos. Extrapolando as questões individuais observadas, percebemos claramente a representação da problemática macro no universo micro dos Buendía se estendendo à pesadas críticas sociais, culturais e políticas.
Gabriel Garcia Márquez foi uma das vozes mais expressivas da América Latina e não há o que se falar da genialidade de sua prosa que já não tenha sido dito. A experiência de ler Cem Anos de Solidão é indescritível e, sem dúvidas, muito pessoal, lançando nuances diferentes sobre o leitor a cada fase da leitura, oras conversando de forma mais direta, oras mais distante, mas sempre impactante e transformadora.
Cem Anos de Solidão é, enfim, uma teia de acontecimentos simbólicos, familiares e sociais, políticos e, inevitavelmente, humanos, entrelaçados entre a realidade e a fantasia, o tangível e o absurdo, o grotesco e o belo. Sua narrativa é poderosa e complexa, cheia de interrupções e fugas à linearidade, mas sua mensagem perpassa qualquer dificuldade e torna-se parte indissolúvel do leitor, que, arrebatado pelas borboletas amarelas tal qual as personagens, nunca conseguirá se esquecer da magia de Macondo.
"Os filhos herdam as loucuras dos pais."
Ficha técnica:
Título: Cem Anos de Solidão - Edição Especial
Autor: Gabriel Garcia Márquez
Tradução: Eric Nepomuceno
Páginas: 432
Ano de lançamento: 2017
Editora: Record
Gênero: Realismo Mágico
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