O nosso querido caipira vai precisar lidar com a importância da vida e a possibilidade de perder alguém querido quando a Vó Dita fica doente. Como as flores do ipê, a vida é efêmera e devemos aproveitar cada dia de nossas vidas.
Sinopse:
Em Arvorada, Chico Bento, o caipira mais famoso dos quadrinhos, leva uma daquelas lições que a vida de vez em quando dá em todos nós. Porque nem tudo pode ser deixado pra depois. Numa reinterpretação belíssima do clássico personagem Mauricio de Sousa, o premiado cartunista Orlandeli cria uma história tocante, com visual magnífico e momentos de amor, dor, humor, mistério e, especialmente, aprendizado.
O Chico Bento foi um dos primeiros personagens da Turma da Mônica que eu conheci junto com o Horácio. Um personagem sempre divertido, vivendo situações engraçadas em um ambiente rural que, para mim que nasceu em uma cidade grande, era idílico e sonhado. Amplos espaços, lindos ambientes e uma cultura oral passada para ele pela sua avó. Eu sempre quis conhecer o campo do Chico Bento. Arvorada é mais uma história do Orlandeli repleta de sentimento e belas mensagens. Aquele tipo de narrativa que tem cheirinho de bolo de fubá da vovó e que deixa para trás mensagens de positividade e de vida. Ao final dela, tenho certeza de que todos vocês ficarão tocados pelas mensagens da Vó Dita. Ah... sobre o meu carinho pelo Chico Bento e seu mundo rural, acabei me mudando para o interior depois de adulto. E hoje tenho meu próprio espaço amplo e um ipê roxo no meu jardim.
Arvorada começa com nosso querido Chico Bento brincando no campo, doido por um bom bolo de fubá. Vó Dita chama o seu neto para ir observar o ipê amarelo que tinha acabado de florir. Ver o espetáculo da natureza que é o ipê com todas as suas flores abertas. Mas, o nosso caipirinha estava cheio de fome e acabou dizendo que veria o ipê outro dia. Só que no dia seguinte todas as flores do ipê tinham caído e Vó Dita explicou que o ipê só fica totalmente florido poucos dias por ano. É aí que Chico Bento faz uma promessa de assistir a floração do ipê no ano seguinte junto com sua avó. Mas, os planos do nosso personagem podem ir por água abaixo quando ela fica gravemente doente. Como ficará o coração de nosso personagem depois de se sentir culpado por não ter visto o ipê com a sua avó quando ele ainda podia?
Orlandeli cria mais uma história memorável usando um personagem clássico da Turma da Mônica. Uma narrativa doce e agradável que traz para a gente a efemeridade da vida de tantas formas diferentes que pensamos se todo o quadrinho não foi gerado a partir dessa simples noção. E cada vez mais me convenço disso. O autor tem o poder de nos emocionar toda a vez que lemos uma de suas histórias. Sempre acabo com lágrimas nos olhos, seja de felicidade ou de emoção por alguma cena colocada por ele. Isso porque tudo é carregado de bastante sensibilidade e as situações possuem potência. O mais curioso é que cada leitor vai encontrar a sua cena favorita em trechos diferentes da história, seja quando Chico está pulando para pegar uma goiaba, seja a linda imagem de Chico e sua avó em frente a um ipê, seja a preocupação do personagem com sua avó doente. É curioso porque a narrativa segue uma linha bem constante de desenvolvimento não tendo altos e baixos. Ela é tranquila como o vento da primavera. E mesmo assim, ela consegue ressoar em noções corações como o som de um batuque em um tambor. Nosso coração pulsa junto com a história.
Como é legal ver o Chico Bento da minha infância. E em todas as Graphic MSP a gente fica pensando se o autor conseguiu captar o espírito do personagem criado pelo Maurício de Souza. E mais uma vez deu para perceber que sim, o Orlandeli foi perfeito ao construir o nosso caipira favorito. Ele é ingênuo, é brincalhão, é divertido. Talvez nada ilustre melhor o personagem do que ele pescando junto com o Zé Lelé. Em um lugar onde eles nunca pescam nada. Mas, eles curtem ficar ali o dia todo ouvindo os pássaros e apreciando a natureza. Sempre imaginei o Chico Bento sendo dono de um enorme coração, e Orlandeli conseguiu traduzir isso bem na sua HQ. Quando ele percebe a possibilidade de perder a sua querida avó, a gente quase pode ouvir o seu coração se partindo.
A imagem do ipê está presente ao longo de toda a HQ. E aí é preciso contextualizar. O ipê é uma árvore bem específica porque ela passa o ano inteiro sem ter nenhuma flor. Muito pelo contrário, o ipê é uma árvore chata e complicada de se cuidar (eu tenho dois ipês... um pequeno amarelo e um grande e roxo). Depois de passar pelo período de floração que acontece entre outubro e março, ele passa o resto do ano perdendo todas as suas folhas. Ele desfolha completamente, dando até a impressão de ter morrido. Mas sempre que ele perde as folhas, alguns brotos aparecem por toda a copa e aumentam o seu tamanho. E aí, pouco a pouco as folhas renascem completamente até o período da floração que é entre setembro e dezembro. Só que esse período é de poucos dias para o ipê; depois as flores somem e só surgem novamente no ano seguinte. O título Arvorada pode ser lido de várias formas diferentes. No prefácio, Maurício de Souza destaca dois, mas eu destacaria uma terceira leitura: Arvorada também pode significar a própria relação do ipê com as nossas vidas, já que todos os anos nós florescemos e perdemos nossas folhas para nos tornarmos pessoas melhores com brotos nascendo pelos nossos corpos. É uma imagem linda sobre como somos criaturas em uma perpétua transformação.
A relação do Chico Bento com a sua avó também é linda. Uma relação de amizade entre duas pessoas de faixas etárias completamente diferentes. Vó Dita tenta passar sua sabedoria e seus conhecimentos a seu neto, que representa uma nova geração que precisa aprender aquilo que os mais velhos tem a oferecer. A reverência e o respeito que Chico tem por sua avó representa muito em um mundo que hoje parece ser um adolescente rebelde se revoltando contra tudo e todos. Ver uma relação tão pura e inocente acalenta o meu coração. Como uma guardiã das histórias, é legal ver como Orlandeli traduziu isso para a HQ e até traz os personagens que fizeram parte das histórias assustadoras que a avó contou. O resgate de uma tradição que é repassada adiante para que a memória não se perca.
Fico em dúvida se acho O Mundo de Yang ou Chico Bento - Arvorada o melhor dentre os trabalhos do Orlandeli. Mas, vou ficar com o Chico porque eu tenho uma relação afetiva com o personagem. Ele embalou a minha infância e me permitiu sonhar. Fica ainda um plus ao que o autor fez nessa HQ: ele conseguiu pegar elementos narrativos de histórias clássicas do Maurício de Souza trazendo até mesmo a perda da Mariana, a irmãzinha mais nova do personagem que não veio a se desenvolver. Esse profundo conhecimento da mitologia do Chico faz dessa HQ rica em mensagens, detalhes e narrativa. Não só recomendo como considero obrigatório para todos.
O Quadrinho em 1 Quadro:
Compreendo que algumas pessoas torcem o nariz para a arte do Orlandeli porque ela é bastante estilizada. E sempre digo que os críticos não sabem o que estão perdendo. Uma coisa que sempre me agrada na arte dele é como ela é sutil e emocional. Consigo imaginar os personagens fazendo movimentos tão leves e suaves que parecem plumas. Por exemplo, no quadro acima, consigo imaginar uma música doce e gentil e os personagens lentamente encostando suas testas e o Chico pedindo desculpas como uma voz bem suave. Orlandeli tem uma construção de quadros que me faz pensar nas melhores obras do Will Eisner onde todos os elementos do quadro fazem parte da cena. Seja a folha de uma árvore, a cor geral da cena, a silhueta da porta. Mesmo as sarjetas parecem ser orgânicas com o cenário criado pelo autor. E estamos falando de alguém que já leu pelo menos três quadrinhos do Orlandeli. E fiquei sinceramente impressionado com os quadros aqui. Em vários momentos, chegava a dizer "uau" em voz baixa. Tem vários que eu emolduraria em uma parede de tão belos que eles são. A escolha por cores pastéis e mais voltados para o amarelo e o marrom combinam com a história se pensarmos do ponto de vista do ipê amarelo, a árvore que é a essência criadora dessa HQ. O emprego do marrom do caule, do verde das folhas e do amarelo das flores. Vez ou outra aparecia outras cores, mas não eram predominantes. O design de personagens está muito bom, e o Chico está bem expressivo. Quando ele sorri, passa uma energia positiva incrível, quando está triste, ficamos melancólicos junto. Cenas como essa com a Rosinha e outro onde ele está sentado encostado na árvore são lindas. No geral, achei que a arte do Orlandeli está bem acima da média, mesmo para os ótimos padrões do autor.
Ficha Técnica:
Nome: Chico Bento - Arvorada
Autor: Orlandeli
Editora: Mauricio de Souza/Panini Comics (Graphic MSP)
Gênero: Aventura/Drama
Número de Páginas: 100
Ano de Publicação: 2017
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