Um dos ícones da nova onde de literatura fantástica e o seu grande sucesso. Mas, será o livro tão bom assim ou apenas propaganda? Vamos analisar a fundo este título.
Sinopse: A trilogia fantástica de Raphael Draccon! Nova Ether é um mundo protegido por poderosos avatares em forma de fadas-amazonas. Um dia, porém, cansadas das falhas dos seres racionais, algumas delas se voltam contra as antigas raças. E assim nasce a Era Antiga. Essa influência e esse temor sobre a humanidade só têm fim quando Primo Branford, o filho de um moleiro, reúne o que são hoje os heróis mais conhecidos do mundo e lidera a histórica e violenta Caçada de Bruxas. Primo Branford é hoje o Rei de Arzallum, e por 20 anos saboreia, satisfeito, a paz. Nos últimos anos, entretanto, coisas estranhas começam a acontecer... Uma menina vê a própria avó ser devorada por um lobo marcado com magia negra. Dois irmãos comem estilhaços de vidro como se fossem passas silvestres e bebem água barrenta como se fosse suco, envolvidos pela magia escura de uma antiga bruxa canibal. O navio do mercenário mais sanguinário do mundo, o mesmo que acreditavam já estar morto e esquecido, retorna dos mares com um obscuro e ainda pior sucessor. E duas sociedades criminosas entram em guerra, dando início a uma intriga que irá mexer em profundos e tristes mistérios da família real.
E vamos a um assunto polêmico. Essa vai ser uma longa postagem (talvez maior do que a média que eu faço), mas primeiro eu preciso entrar em dois assuntos. Primeiramente, este livro é cercado de polêmicas. O autor do livro é uma pessoa que polariza opiniões: uns amam, outros odeiam. Ganhador de alguns prêmios literários ligados à fantasia nacional, Draccon se tornou editor de um selo de fantasia pela Editora Leya. Queiramos ou não, gostemos ou não, o autor abriu as portas para muitos autores antes desconhecidos. Ajudou a literatura fantástica nacional a ter espaço, mesmo que pequeno, nos planos de algumas editoras. Não vou entrar no mérito de discutir a índole do autor ou suas posturas e opiniões nem sempre compartilhadas pelos amantes de fantasia. Acho que este blog e este blogueiro em particular não estão aqui para isso. Sobre polêmicas relacionadas ao autor em questão, existem outros espaços para discutir isso. Estou aqui para analisar e resenhar a obra em questão não importando se quem escreveu foi Joãozinho ou Zequinha. Não tenho pudores para expor minhas visões, e vocês, leitores deste blog, já puderam conferir isso nas minhas resenhas sobre William Gibson que, mesmo eu não gostando, é um autor extremamente importante para a ficção científica do século XX. Expus minhas visões sobre os livros do autor sem preconceitos, analisando o conjunto da obra como um todo. E é isso o que eu pretendo fazer nesta análise.
Em segundo lugar, o livro tem, sim, vários problemas no uso do bom português. Erros crassos, problemas de grafia (não... não são problemas de typing, tenho certeza disso) entre outros. Não tenho a intenção também de analisar ou me dirigir a tais erros até porque não sou especialista na área. Só fica aqui uma crítica rápida: uma coisa são erros de tradução que podem acontecer no afã de trazer uma obra para o Brasil e outra bem diferente é um autor brasileiro cometer múltiplos erros de português, sua dita língua materna. Só isso já daria uma imensa postagem a respeito, mas deixo a quem é de competência. E olhe que estamos falando de uma segunda edição, ou seja, a primeira deveria ter ainda mais erros.
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Separando a postagem acima da minha análise, voltemos à programação normal.
Literatura infanto-juvenil (ou Young Adult para aqueles que gostam do termo) é um gênero voltado para um público adolescente e que, de certa forma, empatiza com alguns de seus problemas e ansiedades. Os personagens normalmente estão contra a ordem vigente, estão com os hormônios à flor da pele e precisam lidar com situações como perda dos pais, gravidez precoce ou triângulos amorosos. Também é comum o tema do crescimento em que o personagem torna-se um adulto ou recebe responsabilidades das quais desconhecia antes. Depois do boom da saga de Harry Potter escrita por J. K. Rowling em que a autora apresenta um menino órfão que descobre ser um mago e precisa ir a uma escola onde aprende a lidar com os seus dons, o gênero ganhou muito impulso. Nos dias de hoje existe todo um mercado voltado para esse tipo de obra em todos os gêneros literários.
O gênero de fantasia é um gênero antigo já. Como discutimos em outras resenhas, ele ganhou espaço a partir dos pulps publicados na década de 20. Teve seu período mais esquecido quando a ficção científica ganhou força durante a Era de Ouro entre os anos de 40 e 60, mas o gênero voltou com força no final da década de 1990 com o anúncio da trilogia do Senhor dos Anéis. Daí em diante mais e mais autores se juntaram ao gênero e quando Game of Thrones se tornou o sucesso que é nos dias de hoje, a quantidade de publicações multiplicou exponencialmente.
Por que fiz esses dois preâmbulos? Simples, porque eu posso encaixar essa obra dentro desses dois gêneros. Infelizmente o autor não deixou claro onde se situa a sua obra. Não que seja a obrigação do mesmo, mas eu não consigo colocar Dragões do Éter como sendo uma alta fantasia como Senhor dos Anéis ou Game of Thrones. E o autor se referiu algumas vezes à obra como pertencendo a esse gênero. Mas, deixemos aqui claro que se trata de uma fantasia leve voltada para um público infanto-juvenil. Qualquer pessoa de qualquer idade pode ler, a história não exige muito do leitor e talvez esse seja um dos maiores méritos de Draccon. Gostei de lê-la em alguns momentos e seu ritmo era bem gostoso e despretensioso em algumas situações. Gostei da maneira como Draccon abordou os contos de fadas. Ele teve uma boa visão ao modificar alguns desses contos para servir à sua história. As histórias realmente serviram bem àquilo que ele propunha. Ariane Narin (Chapéuzinho Vermelho), João e Maria Hanson (Hansel & Grethel ou João e Maria) e James Gancho (apesar do personagem ser seu filho Jamil). Branca de Neve aparece, mas creio que sua importância vai ficar para o segundo volume. A antagonista da história é a bruxa Babau, a mesma da história de João e Maria.
Na história, o reino de Arzallum é governado por Primo Branford que, junto de seus filhos Axel e Anisio, governam de forma justa e pacífica. No passado, houve uma intensa caça às bruxas, seres poderosos que tem seus poderes oriundos de fadas caídas que ensinaram a elas as artes negras. No mundo de Nova Eter, as fadas são semideuses responsáveis por ajudar os homens sem interferir e fazer valer as leis celestiais. Os deuses se mantem muito distantes e se relacionam com o mundo através de suas filhas, as fadas. Algumas destas fadas abdicam de sua imortalidade como a rainha Terra Branford, esposa de Primo. Outras permanecem testando os homens em busca de provas de seu valor. Algumas fadas, cansadas de tantas falhas dos homens, se revoltam e decaem. Babau, uma bruxa das mais cruéis, tenta devorar João e Maria, atraindo-os para a sua casa de doces. Mas, após muito sofrimento, os irmãos conseguem fugir de suas garras, não sem terem suas vidas marcadas para sempre. Mas, anos antes outro terrível acontecimento marca a vida de outra criança, a jovem Ariane Narin. Ela vê sua avó ser devorada por um terrível lobo que estraçalha a pobre velhinha e espalha sangue por todo o rosto e chapéu de Ariane. Esta quase morre também, mas é salva por Rick Albrook, o valente caçador. Mas, Ariane ganha a terrível alcunha de Chapéu Vermelho, marcada para sempre por este terrível acontecimento. Axel é o segundo príncipe na linha sucessória de Arzallum. Ao lado de seu troll cinzento, gosta de entrar em bares e se meter em lutas onde mostra toda a sua habilidade com os punhos. Do outro lado do oceano, Jamil Coração-de-Crocodilo, filho bastardo do terrível pirata James Gancho, assume o comando do Jolly Roger e se prepara para uma terrível investida que mudará para sempre as histórias de todos esses personagens cujas vidas e destinos entrarão em estado de colisão. Já me referi ao fato de o autor ser bem-sucedido em adaptar contos de fadas para servirem à sua história. Mas, uma das críticas feitas a ele tem a ver justamente com isso. O autor se vale de uma série de personagens saídos da literatura e dos videogames para enriquecer sua história. Se algumas adaptações são intrigantes e interessantes, outras são bobas e frívolas. Em alguns momentos, parece que o autor está escrevendo uma fanfic e não uma obra de literatura. Ou seja, parece que ele é uma tiete de jogos de videogame e não um escritor. Legal, a rainha se chama Terra Branford... mas e daí? Acrescenta algo além de te remeter ao Final Fantasy? É o mesmo que eu comentei sobre William Gibson: se a referência pop culture não enriquece nada, para que inseri-la? Pelo gosto de ter uma personagem de videogame no livro? Minha crítica não é relacionada ao uso do nome, mas também por forçar as mitologias de vários personagens a serem absorvidas pela história. O que funcionou organicamente para os contos de fada, não funcionou para outros personagens como o próprio Axel Branford. Ah, sim, ele é um lutador de rua que faz justiça com os seus punhos. Para mim, são elementos completamente descartáveis na história. No fundo, o livro é até bom se retirarmos muita gordura dele.
Sim, meus caros, lá no fundo o livro é bom. Mas, bem no fundo mesmo. Draccon acrescentou muita gordura na história. O que tornou um livro que poderia ser bom em um livro ruim. Muitas opções literárias são ingênuas e remetem ao fato de o escritor não ter experiência. Isso poderia ser perdoável caso o autor se desse conta disso ao longo de sua história. Uma escrita pomposa não torna uma história grandiosa, apenas demonstra insegurança. Se eu quero contar uma história épica, é possível fazê-lo sem ser um gênio, basta se ater àquilo que você sabe e que você sente. Um bom escritor é uma pessoa que escreve com o coração, que coloca os seus sentimentos na tinta e a pena é apenas o mediador entre o autor e seu universo. Em muitos momentos, o autor parece estar tirando uma com o leitor. É complicado descrever isso em palavras, mas eu não gostei da escrita do livro. Novamente: pomposa e grandiosa sem necessidade. Por exemplo: já li o livro de meu amigo Felipe Cotias. É uma história honesta na qual o autor pôs o seu coração na história. Me senti como se um amigo estivesse contando uma história sobre um conhecido dele. O autor me convidou para fazer parte do seu universo literário e observar o que acontece com os seus personagens. Felipe não é nenhum escritor profissional, recebendo prêmios e editando livros de outros autores, e mesmo assim me senti mais à vontade lendo um de seus livros do que lendo o Draccon. Não me senti parte de Nova Éter.
O livro sofre de muitos problemas de pacing. Eu preciso ter cuidado com a passagem dos capítulos. A história precisa acontecer de forma orgânica. É chato eu ler em todos os capítulos uma frase como “isso é assim, mas você saberá mais daqui a 80 páginas” ou “veremos mais sobre esse personagem nos próximos capítulos”. Isso é chato; é maçante. Se o autor não quer dar uma informação para criar uma aura de mistério, não dê e pronto. Jogue ares de nebulosidade nas palavras, mas não utilize artifícios de Telecurso 2000. Não contribui em nada à história e só mostra que o autor não sabe para onde a história deve ir. Uma coisa que ficou bem clara é que Draccon sabia bem como a história começava e como ela terminava, mas não foi capaz de lidar bem com o desenvolvimento. Geralmente, quando um autor divide suas histórias em muitos capítulos, significa que em cada capítulo alguma informação será dada. Seja algum personagem fazendo uma descoberta importante, ou um vilão planejando um ataque ou algum elemento de conspiração acontecendo em algum lugar. Quando um capítulo não diz nada, ele é inútil. E muitos capítulos do livro foram inúteis. Isso forma gordura no livro. Um livro de 437 páginas cuja história poderia ser dita em menos da metade. E o resto? Legal, passo.
Adorei o livro 3 de Dragões do Éter. Parece que todos os problemas que eu citei no parágrafo anterior foram deixados de lado. Este primeiro volume é formado por três livros. No último acontece o clímax da história. Aí vemos capítulos maiores onde as engrenagens da história começam a se mover. Mas, esta parte começa lá pelo início da página 300. É uma longa e tediosa viagem até chegarmos a algo positivo. É então que a história ganha pulso. E nesse ponto, Draccon brilha. Suas cenas de ação são muito boas e os combates são interessantes. As histórias se cruzam e ficamos sabendo as reais motivações de heróis e vilões. Somente quando Draccon retirou o preto e branco que havia nos dois primeiros livros e um herói não era tão heroico assim é que a história encorpou. Claro que eu preferia que o autor tivesse sido mais ousado e não tão clichê como se mostrou a seguir durante o confronto entre Jamil e Axel. O argumento de Jamil era realmente válido e somente um discurso heroico e com esperanças não foi capaz de destruir o argumento de Jamil. Acho que a ideia de um herói falho é mais interessante. Até mesmo para um público infanto-juvenil perceber que as pessoas não são perfeitas e são, sim, passíveis de erros.
Uma última crítica foi o aparecimento de diversas incoerências. Como eu posso dizer que um personagem vai morrer se ele será salvo daqui a dois capítulos? Em diversos momentos o autor usa do recurso da epifania para apresentar os momentos finais de um personagem que será vítima das ações do vilão para em seguida salvá-lo no último momento. CARAMBA!! EU ESTOU MENTINDO PARA O MEU LEITOR!! Isso é desonesto. Mais uma vez é um autor que não sabe o que fazer com a história. Se você diz que vai matar o personagem e afirma isso para o seu leitor, faça-o. Não tenha medo. Coerência. Enfim, o livro não é bom. Recomendo realmente a um público infanto-juvenil que quer entrar no mundo dos livros. É um livro sem grandes complexidades e sem muito compromisso. Vale a pena para o público certo. Para os mais experientes, passe longe. Se vou ler o resto da trilogia? Certamente. Sou leitor e não vou julgar o caráter de um autor por suas ações. Gosto de ler e me dá prazer ver que a literatura nacional possui alguns representantes. Livros ruins existem em qualquer parte do mundo. Assim como escritores ruins. E, uma dica: uma resenha é uma visão individual sobre uma leitura. Se a minha resenha é ruim, leia o livro e tire suas próprias impressões. Simples assim. Como eu já disse uma vez: minha missão é incentivar a leitura. Se eu conseguir fazer com que uma pessoa saiba que tipo de leitura a espera ao abrir um livro, minha missão está cumprida.
Ficha Técnica:
Nome: Dragões do Éter - Caçadores de Bruxas
Autor: Raphael Draccon
Série: Dragões do Éter vol. 1
Editora: Leya
Gênero: Fantasia
Número de Páginas: 440
Ano de Publicação: 2012
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