Paulo Vinicius

Resenha: "Efeito Quebra-Ossos" de Cirilo S. Lemos

Um homem forja o seu sequestro para tirar uma grana de seus pais. Um homem tenta arranjar emprego para tentar sustentar sua família em um mundo cercado pela violência. De que maneira o mundo desses dois homens irá se colidir?

Sinopse:

Ao cair da noite, a cidade revela sua podridão e decadência. As pessoas se acotovelam em busca de emprego e dignidade. Enquanto celebridades e vacas discutem as mazelas sociais na TV, um homem põe em prática um plano simples: forjar o próprio sequestro com a ajuda do terrível Cavaleiro Sem Cabeça. Mas alguém espreita a quadrilha na escuridão: Vespa Negra, o Inimigo do Crime.

Esse conto é a leitura do Cirilo S. Lemos de uma história de super-heróis. É óbvio que vai ter bastante ironia e crítica social. Essa é a tônica desse conto que surpreende ao ser tão atual e falar de violência. Em uma sociedade com tamanha desigualdade social como a nossa, discutir o que leva a alguém a esse mundo é sempre importante. Além dos personagens que protagonizam a narrativa, ele consegue ainda fazer um exercício de reflexão discutindo como diferentes filósofos do século XX colocaram a temática e como estas poderiam ser refutadas no nosso atual cenário.

Podemos usar dois pontos de vista e uma narrativa de fundo nessa história. Em uma delas temos um personagem em uma situação de "refém", mas logo percebemos que ele forjou o próprio sequestro para poder tirar um dinheiro dos seus pais. Só que o seu acordo com o Cavaleiro Sem Cabeça começa a dar errado quando a Vespa Negra aparece para deter os bandidos. No outro ponto de vista, um homem comum e sem emprego segue uma dica para trabalhar como assistente social em Nova Iguaçu. Mas, chegar ao local da entrevista pode ser mais difícil do que pode parecer a princípio. No fundo um programa de entrevistas com três convidados cada um falando sobre violência na sociedade.

A escrita do Cirilo está fantástica nesse conto. Primeiro porque ele brinca com a temporalidade narrativa. Ele começa te mostrando o momento climático da história só que ele não te diz quem são as pessoas envolvidas. O leitor vai entendendo aos poucos como aquela situação vai se montando. Segundo, que ele consegue entregar três narrativas distintas que se interconectam. O que ele faz aqui é algo bem complicado de se fazer principalmente da maneira como foi escrito. O risco de o conto sofrer algum problema de falta de coesão era grande e mesmo assim tudo parece harmônico. O que rege a narrativa dos dois personagens é a discussão que serve como pano de fundo na história.

O autor parte da discussão entre natureza e criação (nature e nurture). Isso sendo analisado do espectro da violência. O ser humano é violento por natureza ou é o ambiente em que ele vive que o torna violento. Só que ele avança na discussão ao nos colocar diante de situações extremas. Diante do contexto brasileiro, é a desigualdade social que nos coloca em um caminho ruim ou é o lugar onde vivemos que nos apresenta a situações exigindo reações violentas de nossa parte. Ao apresentar diversos argumentos o autor nos defronta com argumentos que podem nos levar a conclusões diferentes. Algo que ele emprega também no final ao deixá-lo em aberto, o que, para mim, foi uma tacada de mestre. O que já era uma narrativa acima da média, terminou muito bem. Porque cada leitor vai entender o desfecho de uma forma distinta. O que aconteceu ali?