Nesse compilado com histórias de três personagens do gênero de capa e espada, Esteban Maroto nos mostra toda a sua habilidade como artista ao mesmo tempo em que coloca homens como Wolff, Dax e Korsar em situações que vão exigir toda a sua força e coragem.
Sinopse:
As três narrativas gráficas do genial artista espanhol Esteban Maroto reunidas pela primeira vez no Brasil em um só volume, protagonizadas pelos guerreiros bárbaros Wolff, Dax e Korsar. Com texto introdutório do estudioso de quadrinhos e autor de ficção científica Juan Miguel Aguilera, declarações e contextualizações escritas pelo próprio autor, um depoimento de Roy Thomas e uma galeria de imagens exclusiva, esta edição é um épico do gênero Espada & Feitiçaria, repleta de batalhas, monstros, aventuras e… belíssimas mulheres!
Esteban Maroto é um daqueles casos de autores que ficaram décadas sendo conhecidos por apenas um pequeno número de amantes de quadrinhos. Um artista que tem tudo a ver com o gênero de capa e espada, além de ser um ilustrador de mão cheia. Se formos olhar a quantidade de títulos importantes no qual ele esteve envolvido é de cair o queixo: Eerie, Espada Selvagem do Conan, Vampirella, Aquaman, Red Sonja. Até pela Zatanna ele já passou. Espadas e Bruxas foi o título de estreia da editora Pipoca e Nanquim que na época despontava com um grupo de fãs de quadrinhos que tinham um canal e deram um salto adiante. Anos mais tarde e vários títulos de melhor editora do ano mais tarde podemos dizer que o título representa um marco para os quadrinhos no Brasil. Mas, na época foi uma bela de uma aposta. O marketing foi acertado (como se tornou a marca registrada da editora) e a escolha do autor foi acertada. Espadas e Bruxas é um mish-mash de histórias do autor com três personagens em uma sequência de histórias, mas nos permite perceber as potencialidades de um monstro do PB como é Esteban Maroto. Vamos falar um pouco sobre cada personagem.
No aspecto geral, a HQ é lindíssima, em tamanho europeu, capa dura e papel couché (um artigo de luxo hoje já que o couché se tornou caríssimo). A tradução é de Alexandre Callari e Daniel Lopes e preciso dizer que a tradução ficou muito acima da média. Não posso dizer se catei pequenos errinhos porque não sou tão observador assim, mas posso comentar sobre o estilo do texto que para mim é tão importante quanto. O fato de o Alexandre Callari ser um fã do gênero de capa e espada oferece a ele uma perspectiva única e ele consegue impor essa forma na tradução, mantendo a essência do texto de Maroto. O texto é bem tranquilo de ser entendido e o leitor não vai se perder. Temos três ciclos de histórias: uma com Wolff em um mundo distópico, Dax em um mundo padrão de capa e espada e Korsar que perambula por localidades mais pitorescas. Tem um bom texto de apresentação do Juan Miguel Aguilera falando do impacto de Maroto para o mercado espanhol e mencionando alguns de seus principais trabalhos. No início dos três ciclos de histórias tem um texto pequeno do autor falando como surgiu a ideia e o que ele pensava para o personagem. O texto do Korsair é um pouco maior e de autoria do Roy Thomas.
Falando do Wolff, o mundo em que ele se encontra sofreu algum tipo de cataclismo que levou a humanidade à beira da extinção. Alguns indivíduos ganharam habilidades mágicas e consegue manipular incríveis poderes. Estes passaram a ser conhecidos como bruxos. A história começa quando Wolff retorna para a sua vila para ficar junto de sua amada Bruma, mas se depara com um terrível cenário de destruição. Algo deixou a vila em ruínas e através de visões que lhe são conferidas pela Bruxa da Névoa Escarlate, Wolff descobre que isso foi uma obra dos bruxos de Ginza. Ele parte então em uma jornada para tentar libertar seu povo e rever sua amada, mas enfrentará inúmeros desafios envolvendo bruxaria e mulheres curvilíneas e sensuais.
Nessa primeira história já conseguimos ver um pouco do que é a arte de Maroto. Claro que essa é uma coletânea mais cronológica e as mais tardias são as do Korsar, e a gente consegue ver como o traço do Maroto está bem mais refinado. Nessa primeira história o que salta os olhos é o incrível domínio que ele tem da ponta do lápis e do emprego do branco. Esse ano li alguns autores que sabem usar bem o branco como Chabouté ou o Eisner, mas Maroto tem um domínio incrível disso. Dominar o branco é saber como ocupar os espaços, criar contornos para que nossa mente consiga fazer o processo de preenchimento das ausências. Por exemplo, tem uma cena em que o Wolff é atingido por uma criatura e cai estatelado no chão. Só que não há um chão ou um piso desenhado. Maroto apenas posiciona o personagem na diagonal e nos fornece a impressão de que ele está deitado no solo enquanto o inimigo de aproxima. Os indicadores são apenas algumas outras coisas pelo cenário como rochas e elevações. O design de personagens do Maroto é incrível, mas confesso que alguns quadros do Wolff me pareceram um pouco estranhos com partes do corpo que não deveriam estar posicionados como estavam. Foi uma impressão. Falar das mulheres maravilhosas que esse homem deseja é um escândalo. Sério, os detalhes nas maçãs do rosto, nos cílios, os cabelos esvoaçando ao vento. Milo Manara é um monstro nesse quesito, mas o Maroto não fica nem um pouco atrás.
A narrativa segue a jornada de Wolff por vários momentos e nos oferece histórias curtas onde o personagem precisa encarar algum tipo de armadilha ou desafio. As histórias podem ter entre oito ou dez páginas e algumas delas duram duas ou três partes. Narrativamente é que a história me incomodou um pouco porque não há exatamente uma sequencialidade ou coerência. Algumas histórias terminam abruptamente e o capítulo seguinte meio que simplesmente começa em outro lugar. Ele escreveu o Wolff para a revista Drácula que possuía várias histórias de diferentes artistas. Provavelmente ele precisou editar a maioria de suas histórias, o que prejudicou em parte sua compreensão. De toda a forma, a narrativa tem um início e um desfecho então o leitor saberá o que aconteceu depois que o personagem enfrentou seu antagonista. Um detalhe: todas as HQs são bastante carregadas de texto, o que era uma marca da época. Basta ver as primeiras edições da Espada Selvagem do Conan. Aviso porque sei que alguns leitores não gostam muito de quadrinhos mais carregados de texto.
O segundo personagem desta coletânea é o Dax (que era para ter sido chamado de Manly, mas não foi). São histórias curtas com um bárbaro a la Conan, porém loiro. Gostei mais desse ciclo de aventuras porque elas não necessariamente seguem uma narrativa maior. É um guerreiro vivendo todo tip0o de adversidade enquanto luta contra aqueles que cruzam o seu caminho. A gente também percebe um Maroto mais maduro, com roteiros mais complexos. Tem duas histórias que acho sensacionais. Uma delas chama-se O Jogo e é uma criatura muito poderosa que arrasta o bárbaro para o seu salão para jogar um jogo mortal: um xadrez cujas peças são amigos e familiares de Dax que morreram há muito tempo. Dax precisa usar sua inteligência ao invés de seus músculos de aço para superar o bruxo. Outra história bem legal é a adaptação que Maroto faz da história de São Jorge usando o Dax como o guerreiro. A narrativa é bem construída e consegue entregar a mensagem baseada na história da qual se inspirou, dos sacrifícios feitos ao dragão e de como a filha do líder da cidade se tornou a futura sacrificada.
Uma característica importante de Dax é o fato de ele ser um espírito livre. Ele não gosta de nada que tome dele a sua capacidade de escolher. Em alguns momentos ele tem a possibilidade de permanecer ao lado de mulheres maravilhosas e estonteantes lhe agradando de todos os jeitos possíveis e imagináveis. Só que ele não deseja também estar preso a um lugar para sempre. Ele também é bastante questionador e não aceita necessariamente o que lhe é dito sem contestar algum ponto. Um bruxo que diz a ele ser impossível derrotar as criaturas que o aprisionam, uma mulher capaz de prever o futuro tem sua habilidade posta em dúvida. Ou até mesmo lendas que são postas à prova. Mesmo sendo um personagem típico de capa e espada, Dax revela uma sagacidade bastante interessante. Gosto de pensar que Maroto teve a possibilidade de colocar mais coisas no personagem do que se espera deles.
Dos três o último é o Korsar e esse tem histórias um pouco diferentes. Tendo sido escrito para uma revista de viés mais sexual, temos cenas mais explícitas aqui. O personagem começa como um escravo na corte de uma rainha cujo prazer é ver homens agonizando em sua arena de lutas. Ela gosta de ter relações sexuais com homens suados e recém saídos de combates mortais. Mas, o cartano, desejando se ver livre daquele circo de horrores, arquiteta um plano ao lado da curvilínea Sayda. Depois de escaparem da sombria Naja, eles começam a viver várias aventuras envolvendo lutas mortais, feitiçaria e muito sexo. As histórias de Korsar envolvem dois grandes arcos: a chegada na cidade de Opar e a jornada rumo ao covil da bruxa Atla. São boas histórias e a arte do Maroto está em um nível descomunal de precisão. Suas formas e silhuetas conseguem impressionar e cada página é como um enorme poster. Dos três personagens é o que menos curti muito por causa dos roteiros medianos, mas dá para perceber uma certa poesia nas frases do Maroto. É uma série dedicada ao amor e à exploração do prazer em todas as suas formas. Se não te convenci com esse argumento, ficam as belíssimas imagens de cenários devastados, cidades luxuosas e arenas mortais. E essa é a própria essência dos quadrinhos de Maroto onde o barbarismo e a sensualidade se encontram em histórias emocionantes. Já quero a próxima HQ do Maroto e que bom que tenho tanta coisa ainda a explorar.
Ficha Técnica:
Nome: Espadas e Bruxas
Autor: Esteban Maroto
Editora: Pipoca e Nanquim
Tradutores: Alexandre Callari e Daniel Lopes
Número de Páginas: 256
Ano de Publicação: 2017
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