O detetive particular Tom Spero é contratado para resolver um estranho caso de assassinato em um circo peculiar. Só que ele precisa também lidar com seus sentimentos de solidão e abandono de um amor perdido.
Sinopse:
Um detetive melancólico, um amor do passado, uma morte suspeita, um mistério além do espaço e do tempo! “Espero que eu não me apaixone por você”, de Cesar Alcázar, brinca com os elementos clássicos das histórias de detetive adicionando um toque fantástico. Prepare-se para rir e se emocionar com esta aventura surreal inspirada em canções de Tom Waits. O detetive Spero é contratado por Matilda, a mulher barbada do Gran Circus Tempus, para investigar a morte suspeita do marido dela, Chang, o atirador de facas, amante de Rosie, a incrível mulher mais tatuada do mundo, por sua vez casada com Baltazar, o acordeonista. Ao trabalhar no caso, Spero fuma e bebe enquanto pensa em Martha, seu amor perdido, e se encanta por uma figura misteriosa que vê em seu bar preferido todas as noites. Porém, a trama é mais complicada e perigosa do que o detetive esperava, o que pode colocar em risco sua sanidade, além da própria vida.
Essa é uma daquelas histórias onde nada é o que parece. E Cesar Alcazar é muito bom em nos enredar em uma narrativa que parece seguir em uma direção enquanto vai dando pistas de que esse talvez não seja o caminho. Na história somos apresentados ao detetive particular Tom Spero, um homem traumatizado após ter participado da Guerra Civil Espanhola e ter buscado impedir a ascensão do fascismo na Espanha. Para lutar lá, ele deixou para trás Martha, a mulher que amava e colocou a arma em punho para defender seus ideais. Só que ele retorna ferido fisicamente e emocionalmente, além de nunca ter conseguido rever a mulher que amava. Hoje ele tenta solucionar casos para conseguir sobreviver. Ele é contratado pela senhora Chang, a mulher barbada do Circo Gran Tempus para resolver o caso da morte de seu marido, o atirador de facas. Ele teria morrido por seu próprio instrumento de trabalho em um trailer que estava trancado até a hora em que foi encontrado. Ela acha que pode ter sido alguém da própria trupe que pode ter matado seu marido. É assim que Spero começa sua investigação que o fará entrar em contato com seus sentimentos mais profundos.
A escrita de Alcazar está bem precisa neste livro. A trama é fácil de ser compreendida, embora seja do tipo que vai te levar a labirintos mentais desconcertantes. A ideia de Alcazar é te confundir até o momento da revelação. Mas, ele consegue realizar isso com bastante elegância, sem deixar o leitor perdido. A narrativa é curtinha com capítulos pequenos que fazem o livro tomar uma velocidade bem maior do que aparenta. A narrativa é contada em primeira pessoa e a escolha por esse estilo é acertada já que Alcazar vai brincar com nossa percepção de realidade. A todo momento vamos nos questionar se o que estamos vivenciando é real ou se trata de um delírio/sonho do protagonista. O autor poderia ter optado por empregar subseções, mas nesse caso específico acredito que nem precisava. Já reclamei da falta de subseções em outras obras, mas é preciso salientar que caso aquele que escreve não opte por usar, ele precisa sinalizar bem para o leitor quando as coisas são e quando elas não são. Por mais que ele alterne entre os dois estados de percepção. Outra mecânica muito boa que o autor emprega é a do personagem começar a viajar e pensar em coisas completamente diferentes no meio da fala de um personagem. Isso acontece inúmeras vezes na narrativa. Essa é a maneira realista de como refletimos sobre alguma coisa; nunca é algo exatamente organizado, sendo um fluxo de pensamentos caóticos e que tem algum gatilho sempre inesperado. Aqui funciona, mas pode ser uma mecânica que pode atrapalhar em outras narrativas.
A investigação é feita em etapas. O autor passa algum tempo se focando na construção do protagonista e de suas motivações e depois vai apresentar os personagens secundários que vão fazer parte de sua história. Nada é colocado por acaso na história. Nada mesmo. Mesmo com um elenco tão peculiar quanto os membros do circo, Alcazar fornece individualidade e drama para todos eles. Seja a Senhora Chang com um marido ao qual ela gostava, mas que sabia de suas puladas de cerca, o instrumentista maluco, a anã tatuada sadomasoquista. Alcazar quebra alguns clichês com estes personagens. Isso dá um frescor para a construção de personagens. É incrível que mesmo sendo um livro pequeno alguns destes personagens possuem bastante tridimensionalidade. Senti falta de algumas páginas a mais que permitissem dar mais individualidade a alguns destes personagens como o próprio instrumentista, os irmãos encrenqueiros e até o amigo de guerra. Nesse sentido, em alguns momentos achei que a investigação era mais secundária do que os problemas vividos pelo protagonista-narrador. Dava para equilibrar um pouco as coisas.
A essência da história é sobre amor e abandono. Isso está presente em três dos personagens. Está claro desde o começo que Spero tem uma situação mal resolvida com Martha, uma personagem importantíssima para ele e que está ausente da história. Uma ausência que se torna uma enorme presença sombria em sua vida. Seu coração está despedaçado e todo esse clima de solidão e abandono é o que é usado para construir o clima noir da história. Essa é a estética central da história e é explorada à exaustão por Alcazar. Só que o autor insere alguns elementos curiosos para quebrar nossas expectativas, como ao invés da femme fatale, temos uma sadomasoquista. Que rapidamente assume essa função da femme fatale na história. Gostaria que Alcazar tivesse brincado mais com isso e gerado desconfianças sobre a inocência ou culpa dela. Mesmo Rosie tem um vazio em seu coração, não sei se pela sua aparência física ou por algum outro trauma. Ela tem uma fachada forte, mas se trata de alguém que também está em busca de curar esse vazio que o seu marido não é mais capaz de preencher. O fim do amor também é algo explorado aqui, já que ela e o instrumentista possuem uma relação fria. Tem uma bela de uma virada narrativa lá pelo final do livro que muda tudo o que tínhamos achado até então. Muda inclusive o gênero do livro. Mas, não entrarei em mais detalhes para não estragar a diversão. Não vou nem sinalizar que gênero é.
Spero sofre com transtornos pós-traumáticos. Não é dito de forma clara, mas a maneira como ele lida com as coisas, os sonhos e os delírios comprovam isso. Ele sofre com a perda emocional e com a desesperança de ter retornado de uma guerra que acabou se transformando em algo sem sentido. É diferente da postura indiferente de seu amigo espanhol. Este entende que o que ele fez foi importante e ficou satisfeito com isso. Embora seu país continue na mão de fascistas. Spero não se conforma com a vida que tem, mas não consegue sair do ciclo que ela causou. Ele não consegue seguir adiante e seu cotidiano é apenas a repetição dolorida de seus problemas. Por isso, a visão cínica sobre as coisas. Uma visão cínica típica de personagens noir. A história gira na necessidade de Spero de conseguir mudar de algum jeito o status quo. Ele precisa compreender qual é o problema para tomar uma atitude a seguir. Essa é uma narrativa repleta de metáforas, aliterações e simbolismos. Alcazar carrega os capítulos com várias leituras possíveis o que torna o livro algo interessante de ser relido. Aliás, convido vocês a o fazerem já que ele toma um novo significado depois que acompanhamos a solução do caso. Bom livro e uma boa leitura.
Ficha Técnica:
Nome: Espero que eu não me apaixone por você
Autor: Cesar Alcázar
Editora: Avec
Número de Páginas: 120
Ano de Publicação: 2023
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*Material recebido em parceria com a Avec Editora
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