Richard Corben nos apresenta adaptações de alguns dos melhores contos de Edgar Allan Poe para quadrinhos. Figuram aqui histórias como O Corvo, A Queda da Casa de Usher, O Barril do Amontillado entre muitos outros.
Sinopse:
Uma coleção de clássicos de Edgar Allan Poe adaptados pelo artista mestre de quadrinhos de terror, Richard Corben.
Antes de mais nada preciso explicar o motivo de ter inserido apenas duas corujas para esta obra magistral de Richard Corben. Costumo usar este artifício em todas as coletâneas de contos porque simplesmente alguns deles eu não gosto enquanto outros eu curto mais. Tal foi o caso aqui: não gostei de todos, mas da maioria deles. Por essa razão uma nota mediana entre a nossa forma de avaliar.
Se você ainda não teve tempo de conhecer o trabalho de Richard Corben pare tudo o que estiver fazendo e corra atrás de uma HQ dele ou em uma coletânea de contos onde ele figure entre os autores. Ele já esteve em revistas como a Creepy, a Eerie, a Heavy Metal e já fez diversos trabalhos primorosos como Ragemoor. É um mestre dos quadrinhos de terror. A Mino decidiu trazê-lo na forma desta coletânea com contos de Edgar Allan Poe, um autor que tem muitos fãs no Brasil. Corben faz uma releitura em alguns enquanto em outros procura manter uma fidelidade em relação ao material original.
A edição da Mino está muito bonita com capa dura e papel couché de boa gramatura. Fiquei em dúvida sobre o uso ou não de um couché mais brilhante ao invés de mais fosco, mas okay, acho que o brilhante valoriza mais os traços do autor. Não senti erros de português espalhados pela HQ, ou seja, se tiver deve ter sido algo bem pontual. A folha de guarda é muito sinistra com uma série de caveiras dando ao tom para o que leitor pode esperar da narrativa. No prefácio temos um artigo escrito por Thomas Inge, estudioso de Poe e suas adaptações para os quadrinhos. O artigo, apesar de conter alguns spoilers (ou seja, evite se for o caso, e retorne depois de ler os capítulos) dá ótimos toques sobre a maneira como Corben reinterpretou determinados contos e algumas de suas inspirações. Muito válido para aquele que quiser entender mais sobre a mente do autor. Ao final temos uma pequena galeria de capas.
O traço do Corben é bem característico. Em determinados ele consegue conceber algumas cenas grotescas como o do marido que é obcecado pelos dentes ou o homem que acorda após ter sido enterrado vivo pela esposa. As cenas são de embrulhar o estômago e passam muito bem o que Poe queria com elas. Além disso, Corben consegue passar o clima das cenas, fazendo-as serem progressivas como o emparedamento no conto O Barril do Amontillado. Aquilo vai nos deixando inquietos a todo momento até a conclusão. Admito que alguns de seus personagens são exagerados em seu estranhamento o que pode incomodar um pouco na apreciação de sua arte. Não há como evitar porque é o seu estilo. Mas, as composições de cena são incríveis e seus inícios de contos me lembraram um pouco Will Eisner ao empregar a página inteira como uma composição.
O roteiro é muito eficiente. Ele tem aquela pegada anos 90 em que um narrador nos conta a história. Me fez lembrar de Contos da Cripta ou Amazing Stories. Às vezes o narrador, que é uma bruxa chamada Mags, chega a participar da história como em Morella. Seus roteiros seguem bem a receita de Poe para o estranhamento: partem de algum desejo obscuro do homem para criar um horror terrível. Corben consegue traduzir bem o coração obscuro de alguns personagens clássicos como Roderick de A Queda da Casa de Usher. Em tamanho os contos são bem curtinhos, o que faz com que o autor seja bem objetivo e direto. O leitor é capaz de devorar esse quadrinho em uma ou duas sentadas tamanha é a velocidade da narrativa. Só peço aos leitores que parem para apreciar algumas das composições de Corben. Vale demais a pena e é uma aula de quadrinização. O emprego de muitas onomatopéias nos ajuda a criar mentalmente os sons do que estava acontecendo na cena. Em contos como A Máscara da Morte Rubra eu conseguia escutar todos os sons ao meu redor tamanha era a imersão.
"Enquanto os anjos, pálidos, jazem erguidos, desvelados, dão louvor, que a tragédia é "o homem", e seu herói, o Verme Vencedor."
Vou destacar apenas dois contos: A Queda da Casa de Usher e Os Assassinatos da Rua Morgue. O primeiro é o maior conto da coletânea e tem quarenta e duas páginas. Corben conseguiu adaptar bem, com algumas sutis mudanças como a presença de elementos de O Retrato Oval em que a mulher pintada por Roderick cai morta após ter sido pintada no quadro. A construção do estranhamento é feito bem progressivamente com a irmã de Roderick tentando de maneira desesperada fugir das garras de seu irmão. Vamos vendo que a casa vai ficando mais sombria com o passar das páginas e adotando detalhes grotescos. Se em um primeiro momento ela parece rica e grandiosa, depois ela parece maldita e assombrada. Nesse sentido o autor soube trabalhar com truques de luz e sombra para nos amedrontar. O final é simplesmente espetacular. Tem algumas cenas de gore no final que só vendo mesmo.
Já em Os Assassinatos da Rua Morgue ficamos junto com Dupin, um detetive que muitos associam a Sherlock Holmes na obra de Poe. Somos colocados diante de um estranho caso de assassinato que o detetive fica confuso sem saber como solucionar. Eu imaginei que seria algo menos espetacular do que o que acontece depois, mas preciso admitir que este é um dos contos que ainda não li no original. Ficou muito bem construído e somos levados de um lado para o outro junto com Dupin e seu ajudante. A tensão vai se acumulando até o momento da revelação. Aquela cena final com o marinheiro e o verdadeiro assassino é realmente assustadora. Só de imaginar aquilo acontecendo já é de revirar o estômago.
Espírito dos Mortos é um belo exemplar de adaptações de Poe. Serve até para conhecer Richard Corben e poder mergulhar em alguns de seus outros trabalhos. A edição da Mino está muito boa e merece realmente a sua atenção. Alguns contos tiveram adaptações muito boas como A Queda da Casa de Usher, O Barril do Amontillado enquanto outros ficaram devendo um pouco como O Corvo. Mas, no geral, é uma obra obrigatória para quem curte boas histórias de terror.
Ficha Técnica:
Nome: Espírito dos Mortos
Artista/Autor: Richard Corben
Editora: Mino
Gênero: Terror
Tradutor: Célio Ceccare
Número de Páginas: 216
Ano de Publicação: 2017
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