Maria é uma astronauta com um problema existencial: seu pai está muito doente e ele não tem com quem ficar. Somente ela pode estar ao seu lado talvez em seus últimos momentos. O problema: ela vai precisar abandonar seu sonho de astronauta para isso. E agora?
A dicotomia entre ciência e deus é algo que nos últimos séculos ganhou força. Fomos afetados por essa obsessão em encontrar as respostas para todos os fenômenos e nos esquecemos que determinadas situações são inexplicáveis mesmo. Principalmente no que diz respeito às nossas vidas; Encontrar racionalidade em uma vida difícil e sem recompensas é complicado. Em quem jogaremos a culpa caso não alcancemos nossos sonhos? Não acreditamos mais em Deus desde "a morte de Deus", segundo Nietzche. O ser humano se tornou um cético sem esforço, sendo que apenas aqueles que buscam algum milagre é que vão atrás do divino em suas vidas.
Maria é uma astronauta no ano de 2048. Ela conseguiu finalmente realizar seu sonho de ir ao espaço e pesquisar todo o tipo de coisas. Sua especialidade é em botânica e ela tem como missão levar pequenas plantas para o espaço e testar sua capacidade de sobrevivência. Um dia ela recebe a notícia de que seu pai está adoentado, talvez nos últimos momentos de sua vida. Como ele não tem outras pessoas que possam estar com ele, cabe à Maria acompanhá-lo. Mas, ela reluta em fazer isso e ter de abandonar seu sonho. Só que seu coração está claramente dividido. É então que enquanto ela cuidava de algumas de suas zínias, ela escuta uma voz estrondosa que alega ser Deus. É então que Maria terá a conversa de sua vida com Ele.
Quantos de nós já não passamos por essa situação? Questionamos a existência de Deus ao longo de toda uma vida e, quando estamos passando por uma dificuldade e nada do racional consegue nos ajudar, vamos buscar a saída se voltando para o transcendental. E é isso o que Maria faz. Uma longa conversa onde ela expõe suas dúvidas e fragilidades a um Deus que a escuta e tenta apelar para seu coração. O quanto as coisas podem não ser justas, mas serem certas? A narrativa nada mais é do que uma longa reflexão sobre o nosso papel neste mundo. Mesmo em um futuro distante, as dúvidas são as mesmas e nem sempre é possível racionalizar vidas e destinos. É uma narrativa profunda que vai tocar no âmago dos leitores.
Porém, preciso dizer que como uma narrativa de ficção científica, não funcionou para mim. Acho que não havia sequer a necessidade de ter ambientado no futuro. Ficou quase que como uma cortina para aquilo que a autora realmente queria tratar. O gênero escolhido acabou agindo de forma inversa às nossas expectativas como leitor. Segundo: achei que o conto ficou muito preso ao modelo "talking heads", ou seja, pessoas conversando umas com as outras sem nada acontecendo ao redor. Entendo qual era a proposta da autora, mas ela poderia ter mostrado um pouco do cotidiano vivido por Maria (duas páginas não mostram nada). A partir dessa convivência com a personagem teríamos uma sensação de maior empatia aos seus problemas, ao invés de ser uma personagem que tem um problema e deseja resolver, mas eu, leitor, não me importo com isso. Nesse tipo de narrativa é fundamental o "eu me importar". Por essa razão, como um conto de ficção científica a história ficou bem aquém do necessário. Como uma narrativa de ideias, é de uma profundidade quase poética.
Ficha Técnica:
Nome: Figura de Deus enquanto Zínia
Autora: Marina Paiva
Editora: Revista Trasgo
Número de Páginas: não informado
Ano de Publicação: 2018
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