Resenha: "God Kings of Niparsha" de J.M. Beraldo
- Paulo Vinicius
- 13 de nov. de 2022
- 6 min de leitura
Três companheiros que vivem de roubar tumbas e mausoléus finalmente tiram a sorte grande e encontram um tesouro incalculável. Uma jovem historiadora descobre furos na biografia do maior herói de Niparsha. E um estranho andarilho está em busca de oportunidades na cidade.

Sinopse:
Milhares de anos após o assassinato dos Deuses e da Magia, a descoberta de uma antiga tumba dispara uma maldição mortal em uma cidade feita de engrenagens e construída sob mentiras.
Tudo o que Agatha ni Lubi-Mauri queria era o respeito de seus companheiros Historiadores, mas quando ela esbarra com inconsistências na história oficial dos heróis fundadores de Niparsha, ela logo irá se descobrir envolvida com o submundo da cidade, tanto literalmente como metaforicamente, na companhia de ladrões de tumbas, matadores de aluguel e caçadores de recompensas.
Rapidamente o primeiro corpo é encontrado e a situação fica mais e mais complicada quando um estranho com um passado misterioso chega na cidade.
Em História, dizemos que um acontecimento é contado por aqueles que venceram. Aqueles que foram derrotados são apagados ou tem sua participação deturpada por aqueles que escrevem os livros. Nesse sentido a História é uma disciplina bastante parcial e não dá para confiar cegamente no que ela nos diz. Claro que o trabalho do historiador não é apenas analisar documentos, mas compreender sua intenção e seus verdadeiros usos. Nesta história, Beraldo nos lembra a importância do senso crítico e do papel daqueles que escrevem as memórias de um povo. Caso contrário, os acontecimentos tem o péssimo hábito de se repetirem se não aprendermos as lições de nossos antepassados.
A cidade de Niparsha é uma joia cintilante entre tantas outras cidades. Com um espírito progressista e humanista, ela tem em Kidane, um grande herói que ajudou as pessoas em um passado distante a se libertar de um mal terrível. Desde então ele, Wiraj, Senon e seus demais companheiros são reverenciados e estudados até hoje. Só que Agatha, uma estudante em busca do título de doutora e do reconhecimento de seus pares, encontra informações conflitantes sobre o passado de Kidane. Lugares em que um livro diz que ele estava e outro diz que ele estava em outro, fatos que não batem com a personalidade do herói e outras estranhas informações. Ao pedir acesso aos documentos oficiais, Agatha passa a ser perseguida pela Exarca e os membros de alto escalão da cidade. Icelos, Phaon e Seorsa tiram a sorte grande: encontraram uma tumba antiga repleta de ouro, joias e outros artigos antigos que devem valer uma fortuna. Só que eles não conseguem vender direito porque as peças são caras e estranhos acontecimentos fazem com que os três, que uma vez eram tão unidos, discutam os rumos de suas vidas. Já o caçador de recompensas Vinko e seu companheiro Never são contratados para uma missão que será mais complicada do que parecia inicialmente.
Esta é mais uma história de Beraldo que se passa no mundo de Império de Diamante. Não se preocupem, não é preciso ler nada antes dessa história. Se você tiver lido, ótimo, vai pescar mais algumas coisas desse enorme mundo criado pelo autor, se não tiver, não há problema porque a história te explica tudo o que você precisa saber. E ela é auto-contida, ou seja, não é uma série nem nada do gênero. A escrita de Beraldo é habilidosa e ele tem ampla experiência em construção de mundos que fogem do lugar comum. Seus povos não são aqueles óbvios de universos de fantasia, e sua aparência e papel são radicalmente alterados. A escrita é boa e a narrativa passa voando. Li em inglês (que é aonde o autor está publicando nesse momento) e não senti qualquer dificuldade com a escrita. Mesmo os jargões do mundo são simples e a explicação satisfaz bastante o leitor. A narrativa segue um padrão cinematográfico com início, meio e fim claramente delineados. Somos guiados por um narrador onisciente, ou seja, um discurso em terceira pessoa a partir de pontos de vista distintos que se alternam: Agatha, Vinko e Icelos. Inicialmente eles estão separados, mas lá pela metade da histórias as trajetórias deles se intercruzam e ora eles estarão juntos ou um contra o outro.
Me incomodou um pouquinho a demora da história pegar o seu ritmo. Beraldo é um ótimo construtor de mundos, com uma boa leitura sobre organização social. Só que o primeiro terço da história é todo voltado para descrever ao leitor as engrenagens que movem a cidade (isso foi um belo trocadilho.. quem ler o livro vai entender) e os personagens mais importantes. Somos sim apresentados aos personagens, mas parece que eles ficam no fundo diante de uma história maior que eles com a maldição e os deuses. Após a metade é que o leitor passa se importar mais com os personagens e entender como eles pensam e reagem. A narrativa principal demora demais a acontecer. Vai parecer implicância porque o autor precisa contar a história da cidade, mas curiosamente estava lendo um livro em que o autor parte da mesma premissa: chama-se A Oração dos Miseráveis, de Gareth Hanrahan. A narrativa também se passa em uma cidade, Guerdon, e um mistério escondido por feiticeiros abala as estruturas da população. Mesmo com todo esse plano de fundo, Hanrahan consegue aprofundar seus personagens e torná-los parte integrante do que ele está contando. Tirando a Agatha, senti que os personagens estavam bem menos envolvidos no dilema.

Temos o trio de ladrões que nos é apresentado logo no começo da história. Eles se uniram por conta de uma história juntos e mesmo eles sendo pessoas desprezíveis, são companheiros um do outro. Só que acompanhamos esse companheirismo se esfacelando à medida em que pequenas situações vão se somando uma após a outra e coloca a vida dos três em perigo. Em um dado momento eles precisarão fazer algo a respeito e não porque eles são heróis, mas para poderem sobreviver mais um dia. Gosto de como Beraldo nos introduz personagens cujo caráter é questionável e não são nem um pouco virtuosos. Eles até ajudam em um momento da história, mas mais porque eles possuem um mínimo de decência. Tudo isso os torna mais reais do que aquele estereótipo de ladrão que se torna honrado para atender a uma história. Nada disso aqui.
Vinko segue o mesmo modelo que os três ladrões, mas o caçador de recompensas é, de fato, um cara mais honrado. Até porque ele já esteve presente em situações onde é necessário lutar por algo maior do que nós. O laço que ele tem com Never será testado e o personagem precisará refletir sobre o quanto o ogro é importante para ele. Aliás, ele precisa decidir se Never é um servo ou um amigo. No começo da história, Vinko se refere a Never como a um animal, mas após algumas interações posteriores, ele passa a tratá-lo como uma pessoa. Há de se pensar também se vale a pena realizar um trabalho onde sua existência é posta em risco a cada segundo. Vinko terá de usar toda a sua habilidade e experiência para sair de situações as mais absurdas possíveis.
Já do outro lado, Agatha vai representar o próprio coração da história. Sua busca pela verdade é aquilo que quase todo historiador sai em busca. Ao nos depararmos com contradições ou informações truncadas, queremos saber o que aconteceu. É proposital? Foi a mando de quem? O que foi alterado ou modificado? Quase sempre quando fazemos perguntas demais, é como se balançássemos uma árvore e caíssem coisas que não imaginávamos que estavam lá. Dos personagens do livro, a busca de Agatha é a mais interessante e sua personalidade é desenvolvida bastante com ela sendo colocada em algumas situações fora de sua zona de conforto. Sendo uma acadêmica, ela não está acostumada com as ruas, em sujar as mãos. Isso apesar de sua mãe ser quem é. Mas, Agatha vai precisar mudar sua filosofia para ser bem sucedida em sua busca. Meu destaque é para as ótimas discussões entre ela e Curls.
Este é um bom livro para apresentar a escrita de Beraldo a quem não conhece o seu trabalho. Ao longo de seus anos de carreira, ele construiu um mundo sólido e gigante, repleto de histórias a serem contadas e aventuras a serem vividas. A abordagem sobre a importância do estudo da memória e de como precisamos aprender com nossos antepassados ainda mais no momento em que vivemos. Os personagens possuem trajetórias curiosas e o leitor vai se divertir com os caminhos pouco ortodoxos que o autor escolhe. Quem acompanha o Beraldo vai conhecer uma outra parte de seu enorme mundo.


Ficha Técnica:
Nome: God Kings of Niparsha
Autor: J.M. Beraldo
Editora: Auto-publicado
Número de Páginas: 327
Ano de Publicaçã: 2020
Link de compra:
*Material recebido em parceria com o autor

Comments