As mulheres de Viridia vivem sob a opressão de um regime político cruel e desigual. As irmãs Serina e Nomi precisam lutar para sobreviver numa trama de intrigas e traições e alcançar a tão sonhada liberdade.
Sinopse:
Duas irmãs lutam para mudar o próprio destino no primeiro volume de uma série de fantasia repleta de romance, ação e intrigas políticas. Em Viridia, as mulheres não têm direitos. Em vez de rainhas, os governantes escolhem periodicamente três graças — jovens que viveriam ao seu dispor. Serina Tessaro treinou a vida inteira para se tornar uma graça, mas é Nomi, sua irmã mais nova, quem acaba sendo escolhida pelo herdeiro. Nomi nunca aceitou as regras que lhe eram impostas e aprendeu a ler, apesar de a leitura ser proibida para as mulheres. Seu fascínio por livros a levou a roubar um exemplar da biblioteca real — mas é Serina quem acaba sendo pega com ele nas mãos. Como punição, a garota é enviada a uma ilha que serve de prisão para mulheres rebeldes. Agora, Serina e Nomi estão presas a destinos que nunca desejaram — e farão de tudo para se reencontrar.
Ser mulher é uma luta sem fim
Mulheres poderosas sempre inspiraram medo. É assim desde os tempos mais remotos, e cada vez mais vemos surgir narrativas necessárias sobre o patriarcado, o machismo, a misoginia e a opressão, histórias e mitos construídos em volta da fragilidade e necessidade de proteção (de outros homens e de si mesmas) que as mulheres supostamente têm. Essas narrativas são necessárias porque é preciso desconstruir esse lugar comum ao qual nós, mulheres, fomos relegadas, sair dessa bolha de preconceito e ignorância e conquistar uma posição social igualitária, digna e justa. Nossa luta é infinita.
Eu tenho uma mania terrível de não ler sinopses. Escolho minhas leituras com base em informações mínimas e procuro saber sobre a proposta principal do livro... mas sinopses, não. No caso de Graça e Fúria, esse foi um ponto decisivo para me amarrar à história. Fica minha forte sugestão de pularem a sinopse e se entregarem à narrativa de forma despretensiosa e natural, porque a autora realmente sabe como surpreender o leitor. A sinopse acaba entregando muito do conteúdo e não sei se eu teria aproveitado Graça e Fúria da mesma forma já sabendo de algumas informações. Por esse motivo mesmo vou tentar falar o mínimo possível e me ater mais à uma análise crítica do livro do que à história contada.
Serina e Nomi vivem em um mundo onde as mulheres não têm direitos e estão destinadas a serem subalternas em qualquer contexto. Proibidas de ler, de cortar os próprios cabelos, de receber e gastar dinheiro, de ter pensamento, voz, e, principalmente, de se insurgir contra essa realidade dura, lhes resta a resignação. Serina foi treinada desde sempre para ser Graça, uma das muitas mulheres do superior de Viridia. Pela primeira vez, o herdeiro escolherá suas Graças e Serina deseja fervorosamente ser escolhida. Enquanto vê nisso uma bênção, uma oportunidade de fugir da vida miserável que tem e cercar-se do luxo somente reservado à nobreza, Nomi sequer suporta a ideia de ver sua irmã subjugada, restrita a uma vida vazia em uma prisão palaciana, escrava de um homem.
“Não é uma escolha quando você não tem a liberdade de dizer não. Um ‘sim’ não tem nenhum valor quando é a única resposta que se pode dar!”
As personagens são muito contrastantes, mas construídas de tal maneira que é difícil escolher uma favorita. Em certos momentos me peguei querendo logo pular para a parte de Nomi, já em outros a aflição do que estava acontecendo com Serina me enlouquecia. Ambas estão certas e erradas, são fortes e frágeis, espertas e ingênuas, cada qual a seu modo. Serina é correta, conformada, vaidosa, meiga, preocupada em servir e agradar; já Nomi é um espírito livre, rebelde, impulsiva, intensa. Mas quem pode julgá-las por serem quem são em um mundo tão deturpado e cruel com as mulheres? A autora foi cuidadosa em dar vida às irmãs e cuidar de suas evoluções ao longo da narrativa. Os capítulos se dividem sob o ponto de vista de cada uma e a elas se ligam a núcleos de personagens-chave para a história. A maioria delas é também bem construída, cheias de características pessoais e detalhes fundamentais para contextualizar e impulsionar a trama.
O livro flui bem, a leitura é fácil, rápida, bem adaptada para o público Young Adult e tudo se conecta adequadamente, ainda que nem sempre de forma natural. Acredito que justamente por se tratar de um livro jovem, a autora suavizou bastante algumas situações e procurou criar um ritmo narrativo cheio de ação, intrigas e revelações, o que funciona bem e o livro (infelizmente) termina num piscar de olhos. O clima da história é nervoso, angustiante, nos levando a todo momento da revolta ao receio pelo que vai acontecer em seguida. Banghart realmente sabe como conduzir uma narrativa.
O foco central, apesar de ser classificado como fantasia, é a questão social, a luta pela liberdade, a resistência feminina em variadas formas e nuances. Graça e Fúria claramente é uma releitura jovem e romantizada de O Conto da Aia, trazendo elementos mais modernos e uma trama mais palatável aos jovens leitores. Se por um lado a comparação é inevitável e repara-se na perda da complexidade da questão política e social que envolve o clássico da Atwood, e também na romantização desnecessária no contexto de opressão, por outro não posso deixar de perceber a importância de uma obra mais leve para chamar a atenção do público Young Adult para a temática, levá-los a um pensamento crítico condizente com a idade, mantendo-se na sua esfera de interesse. Serina e Nomi também são cativantes o suficiente para manter qualquer leitor vidrado na história até o final.
“ – Talvez nossas vidas possam ir além da sobrevivência um dia.”
Para quem ainda não conhece a ficção especulativa mais densa, Graça e Fúria é uma boa porta de entrada. Aos fãs do gênero, essa é uma trama poderosa, atual, relevante. Essenciais em qualquer tempo, mas especialmente nos dias de hoje em que os movimentos sociais estão sendo tão duramente rechaçados e as mulheres estão arriscadas a perder o pouco de visibilidade que foi adquirida com tanto esforço ao longo dos séculos, histórias sobre mulheres fortes, sobre empoderamento e resistência nunca devem sair da pauta. Devem, pelo contrário, ser lidas, relidas e sempre lembradas.
Ficha Técnica:
Nome: Graça e Fúria
Autora: Tracy Banghart
Série: Graça e Fúria, volume 1
Editora: Seguinte
Tradutora: Isadora Próspero
Número de Páginas: 304
Ano de lançamento (no Brasil): 2018
Link de compra:
Livro cedido em parceria com a editora Companhia das Letras
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